Hoje vou contar como foi o início da minha curta carreira de piloto de rali.
Em 1976 eu trabalhava no escritório regional da Volkswagen na cidade do Rio de Janeiro e como representante de Assistência Técnica viajava por todo o estado do Rio de Janeiro e Espírito Santo até à divisa com a Bahia. Já estava casado, mas ainda não tínhamos filhos.
A Volkswagen havia iniciado forte apoio ao automobilismo em 1974 com a Fórmula VW e o Torneio Passat, um programa que trouxe excelentes resultados para a marca, embora fossem modalidades de pista e de caráter monomarca. O Passat chegara naquele ano e um dos seus principais concorrentes seria o Dodge 1800, lançado no ano anterior. Para reforçar a presença do Passat surgiu o TS em 1976 e, para marcar bem o fato e enaltecer as qualidades do Passat, a fábrica viu no rali uma oportunidade de mostrar as suas qualidades e incentivou seus concessionários a investir nesta modalidade. Principalmente porque no mesmo ano do TS a Chrysler estava lançando o Polara.
O rali era um esporte mundial, utilizava veículos com aparência de carros de rua, o que tornava fácil fazer comparativos do carro vencedor com aquele que você tinha na garagem ou ainda teria um dia.
Especificamente no Rio, a Volkswagen contou com o apoio de várias concessionárias que, agrupadas, formaram suas equipes. Elas eram a Autobom-Cota-Reiguá e Abolição-Comvepe-Gávea, cada uma colocando um Passat nas competições com suas respectivas duplas de pilotos e navegadores. O carro escolhido? O recém-lançado Passat TS, com motor 1,6 de 80 cv (potência líquida), um grande passo ante o L/LS 1,5-litro de 65 cv.
Mundo pequeno: um dos TS era da Cota, concessionária da qual um dos sócios era o nosso Bob Sharp, e a tripulação era os irmãos Gerard e Cláudio Fischgold.
Mas ainda faltava uma equipe, ou seja, mais três carros. Esta foi formada por uma só concessionária, a Fiorenza, que colocou dois Passat TS e um Fusca 1600 para competir.
Você pode adivinhar de quem era ou com quem ficou este Fusca? Exatamente, era o meu carro de rali.
Eu como funcionário da VW e iniciante naquela modalidade esportiva, ainda era da categoria Novato, precisaria provar minha capacidade de pilotar um Passat TS. Não fiquei chateado, não, aceitei o desafio e para tal convidei meu colega, também do escritório regional, Fernando de Barros Alcântara para ser meu navegador. Ele era recém-formado em engenharia na FEI e era excelente em matemática, não enjoava lendo a bordo e gostava de automobilismo. Era tudo o que eu precisava.
Nos demos muito bem e começamos a nos entrosar durante as competições. O veículo era preparado, tinha algumas coisas que o diferenciavam de um carro comum de rua, mas nada muito especial. Aros de roda ligeiramente mais largos (SP2), pneus maiores para aumentar a distância do solo (o rali é disputado em estradas de terra e com muitas pedras) e logicamente protetor de cárter para evitar danos no motor. Equipamentos internos, os cintos de segurança especiais e de navegação, os permitidos para a categoria Novato.
O mais importante rali estava por chegar, o Rallye de Nova Friburgo, largada no Rio de Janeiro e chegada na cidade turística serrana, um acontecimento. Utilizando sempre estradas secundárias, a distância percorrida neste rali foi de 600 quilômetros.
A disputa entre a categoria dos “bons”, os Graduados, era grande, todos de Passat TS zerinhos, e nós, Fernando e eu com nosso querido e amado Fusquinha que carinhosamente era chamado de “PL” (abreviação de Porra Louca). O danado era muito forte (já era o motor de dois carburadores), não havia obstáculo que o parasse e a tração traseira contribuía para isto. Já os outros pilotos com seus Passat de tração dianteira tinham que primeiro se acostumar às diferenças técnicas e de pilotagem existentes, é claro.
Começa a chover durante a prova, a lama começa a tomar conta da estrada e eis que de repente vemos a traseira de um Passat embicado para um barranco, na realidade o que deu para ver é que era um precipício. O Passat que ali estava era da nossa equipe Fiorenza e seu o piloto e o navegador davam sinais de que estava tudo bem. Seguimos nossa prova até à chegada em Nova Friburgo. A foto abaixo do Fusca enfrentando volumes de água e lama dá uma ideia do quanto choveu naquele dia.
Bem, todos chegaram, ou melhor, quase todos. Nosso chefe de equipe, Rubem Correia, estava nervoso, chateado, aborrecido e tudo mais que pode acontecer quando se perde dois Passat em uma mesma competição. Como assim, perder dois Passat?
Esta é demais. Lembra aquele Passat da equipe que vimos embicado naquele precipício? Pois é, naquele mesmo lugar o outro Passat também derrapou na lama, e ficou preso de alguma forma e aí veio o outro da mesma equipe e bateu na traseira do que já estava dependurado: este desceu o barranco e o que ficou lá em cima, o que vimos, era o segundo. Não é incrível? Isto não é trabalho de equipe, só sobrou o “PL” para o jantar, divulgação dos resultados e entrega de prêmios. Mas quem da equipe estaria lá para nos fazer companhia?
Lúcia, minha mulher, e a Sônia, esposa do Fernando estavam lá conosco e ninguém mais, até que de repente o Rubem Correia entra no salão do jantar, senta-se à nossa mesa e demonstra uma alegria contagiante, mas não diz nada.
Os resultados são anunciados, na categoria dos Graduados tinha dado Passat, que ótimo, a concorrência não tinha tido sua vez, e na categoria dos Novatos, quem? Quem? Isto mesmo, o vencedor tinha sido o Fusca 1600 da dupla Ronaldo Berg-Fernando Alcântara, aquele simpático, bravo lutador “PL”. Foi uma festa só, troféus, pódio e até champagne.
Depois de anunciado o resultado os outros pilotos da nossa equipe vieram e comemoraram conosco esta marcante vitória, por acaso minha primeira em rali.
A vitória foi tão significativa que a Fiorenza, acreditando na dupla, nos entregou para a próxima etapa do Campeonato Carioca de Rali um Passat LS (foto de abertura) para irmos nos acostumando até a chegada do prometido Passat TS, que veio logo depois. Este era o terceiro da equipe que foi campeã em 1977.
Depois de outras participações em provas dos campeonatos regionais (Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro) e no Campeonato Brasileiro de Rallye, deixamos este hobby a pedido da nossa chefia e voltamos a trabalhar como antes — manda quem pode e obedece quem tem juízo…
Mas uma coisa é certa, aprendemos bastante com o esporte, tivemos momentos de dificuldades e também de prazer e, é certo também, vivenciamos um excelente ambiente entre amigos, entre pilotos e as esposas, todas amigas. Só alegrias e muitos troféus que guardo até hoje. Uma só palavra: valeu!
RB