Escolher um automóvel na hora da compra já foi muito mais fácil. Os atributos de desempenho, estabilidade, conforto e beleza eram muito diferentes entre os fabricantes e os consumidores os tinham claramente em seus julgamentos na hora da escolha. O estilo era facilmente identificado pelo consumidor, com a associação à marca do fabricante. A Volkswagen com o Fusca, o Brasília, o Gol e o Passat era vista como fabricante de veículos robustos, duráveis e de fácil manutenção. A Ford com o Galaxie, o Corcel, o Maverick, Del Rey e Escort, tinha imagem de conforto, bom acabamento, economia de combustível, porém com cara e difícil manutenção. A Chrysler dominando a imagem de potência e desempenho com o Dodge Dart, a General Motors representando os carros com atributos funcionais equilibrados, e assim por diante.
Já na década 1960 as revistas especializadas como Quatro Rodas e Autoesporte testavam os automóveis emitindo julgamento passo a passo de seus atributos funcionais, que orientavam o consumidor na hora de desembolsar seu rico dinheirinho. Depois vieram outras, como Oficina Mecânica (que era do nosso colega editor Josias Silveira), Motorshow, Carro, em paralelo com os cadernos de automóveis dos jornais, como o Jornal do Carro, do Jornal da Tarde, e o CarroEtc, de O Globo, para citar os principais. E a partir de meados dos anos 1990, os sites, entre eles o AE. E com os sites e a internet rápida, os vídeos.
Hoje em dia as diferenças percebidas pelo consumidor são cada vez menores entre os veículos das diversas marcas. A melhoria na aerodinâmica os fez parecidos em suas linhas externas; exigências de economia de combustível e menor nível de poluentes os nivelaram por cima em desempenho, com motores mais eficientes e com maior potência específica. Também a eficiência dos freios e a estabilidade direcional os tornaram funcionalmente parecidos entre si. O AE defende não existir mais veículos ruins no mercado o que eu concordo em essência, porém existem muitos outros detalhes que podem fazer a diferença na hora da escolha entre os veículos das varias marcas no mercado.
Posso citar os freios, que mesmo com desempenho semelhante em termos de capacidade de desaceleração e distância de parada, a relação curso-esforço do pedal pode ser muito diferente entre os veículos, a chamada modulação. Curso do pedal longo ou curto demais são indesejáveis e passam ao consumidor sensações estranhas, inclusive de insegurança. Isto vale também para o pedal do acelerador e da embreagem.
Um ponto que reputo como um dos mais importantes é o sentimento de conexão do veículo com o solo, a chamada estabilidade. Em poucas palavras o veículo deve se comportar amigavelmente, com reações previsíveis e ajudando o motorista a ter segurança, nas mais diversas situações de rodagem. Em curvas se mantendo neutro em sua trajetória, sem reações abruptas de sair de frente ou de traseira, esta principalmente.
É neste instante que entra em cena o time de engenharia de desenvolvimento, que tem missão de tornar fácil e prazerosa a condução do veículo. Agindo nos atributos funcionais, aguça positivamente a percepção do consumidor que passa a entender e valorizar o comportamento do veículo e, consequentemente, a marca. O consumidor pode até não saber tecnicamente a causa, porém o faz sentir-se bem. Quer queira, quer, o corpo fala por si só, refletindo, assimilando e interagindo com as reações do veículo.
Os atributos funcionais são basicamente conforto de rodagem, estabilidade, direção, freios, sensação de desempenho, dirigibilidade, transmissão, bancos, cintos de segurança, controle climático, visibilidade e espaço interno, controles funcionais, ruídos-vibações-asperezas do conjunto motriz, o mesmo dos componentes eletromecânicos, ruídos de vento e rolagem, iluminação, sistema de entretenimento e manutenção.
Os consumidores
Em verdade podemos dividir os consumidores em emocionais e racionais. Os primeiros julgam os atributos de uma maneira simples, sem definição clara do que os incomoda e/ou os satisfaz. Já os racionais identificam a causa e o efeito, por exemplo, “não gosto da direção com esforço elevado em manobras de estacionamento”, “não gosto da suspensão transmitindo todas as imperfeições da pista, sem o adequado amortecimento”, e assim por diante.
Como os emocionais são a grande maioria dos consumidores, é principalmente a eles que a engenharia deve dedicar mais atenção, simplificando e facilitando ao máximo a operacionalidade do veículo.
Um item superimportante na escolha de um veículo é o trabalho de pós-venda da marca, englobando a assistência técnica, os custos envolvidos e os prazos de entrega dos serviços agendados. Não adianta nada o veiculo ser bonito e funcional se em um serviço de garantia, por exemplo, o proprietário ficar um mês sem o veículo, pela dificuldade de obtenção de peças; ou os custos de manutenção forem proibitivos, afastando o consumidor das concessionárias da marca.
Na hora da compra o consumidor deve sempre manter em mente o tripé BBB — bom, bonito e barato. Com os veículos cada vez mais parecidos entre si e com os atributos funcionais também parecidos, os bons tempos de fidelidade à marca praticamente já não existem mais.
Bons tempos aqueles em que as fábricas mantinham um estoque enorme de peças de reposição e acessórios para suprir a demanda nas suas concessionárias. Hoje em dia o modo estoque zero é a regra geral; quanto menor o investimento nisso, tanto maior o lucro obtido por ser desnecessário imobilizar tanto capital. E o consumidor? Que espere o componente chegar para o reparo, ora…
A maioria dos consumidores compra um veículo por impulso sem considerar os vários aspectos envolvidos no negócio além do seu preço. Custos adicionais como seguro, IPVA, manutenção e reparos, combustível, peças e mão de obra, fazem a grande diferença, podendo tirar o sono do comprador ao longo do tempo.
Tenho um Fiesta Street que uso regularmente no dia a dia. Veículo simples, de fácil manutenção, econômico, seguro barato e mesmo assim levo sustos com os seus custos de manutenção. Por exemplo, quatro pneus 175/65R14 Michelin Energy, mais respectivas válvulas de enchimento de ar, balanceamento e alinhamento de rodas não sai por menos de menos de R$ 1.300. Imagine o leitor o custo para um suve com enormes pneus aro 18 polegadas ou maiores!
Dentre esmagadora maioria de veículos parecidos uns com os outros, existe um nicho em que o desenho da carroceria transmite personalidade, bem diferente entre as marcas. Se enquadram neste aspecto VW Fusca, Fiat 500, MINI, Ford Ka, VW up!, Peugeot 208 e o recente Jeep Compass. Fica ao critério do leitor lembrar-me de outros que se situam neste grupo. Eu particularmente gosto do desenho do (novo) VW Fusca que modernizou com classe o eterno ícone. Gosto também do MINI, que retrata outra obra de arte no mundo dos automóveis.
Chama-me também a atenção, o bonito Ford Fusion, com seu desenho fluido e grade à la Aston Martin. Particularmente a grade, mesmo sendo bonita, me parece uma mesmice nos veículos da Ford, que vem à procura de uma identidade própria que ainda não chegou.
Creio que na hora da escolha os sinais positivos e negativos na percepção do produto ficam cada vez mais evidentes. Por exemplo, veículos populares pouco potentes, com dificuldade de partir em rampas e mais lentos nas ultrapassagens — principalmente por quem não é hábil com o câmbio — são rejeitados rapidamente pelo consumidor. Por outro lado, suspensões que isolam os buracos e imperfeições das pistas no dia a dia são tidas como item positivo na hora da compra, traduzindo imagem de qualidade. Em contrapartida, veículos barulhentos deterioram rapidamente a sua imagem, dando ideia de má qualidade e induzindo o consumidor a reclamar de tudo. Lembro-me do EcoSport em que os ruídos na tampa traseira geraram inúmeras outras reclamações que não eram pertinentes.
Falando de preço, o que é caro e o que é barato? Caro ou barato é a definição simples do que o consumidor aceita pagar, lei da oferta e da procura. Os fabricantes de veículos não cansam de perseguir o ponto de equilíbrio, o break-even point na língua inglesa, ou seja, o que foi estabelecido no plano de negócios da empresa em termos de preço e projeção de vendas do veículo. Se o consumidor paga e o veículo vende eles sobem o preço até o limite na queda das vendas; quando o consumidor deixa de comprar o preço abaixa automaticamente, esta é a regra.
E vem a pergunta do leitor, como escolher o seu veículo na hora da compra. A resposta é simples e direta: use o seu discernimento que nada mais é do que o seu bom senso na visão mais profunda e abrangente de todos os parâmetros que se protagonizam na hora da escolha. Leve tudo o que foi dito em consideração, tamanho, aparência, desempenho, economia, preço, manutenção. Veja se os pontos que lhe interessam, por exemplo, bom volume do porta-malas ou espaço interno, o carro atende.
E falando de negócios, creio que a General Motors é a empresa que mais utiliza a regra do bom custo-benefício em seus veículos, oferecendo aquilo que o consumidor aceita pagar sem reclamar. Os veículos GM não são os melhores e nem os piores do mercado, eles simplesmente são equilibrados na média como foi e continua sendo a tradição da marca.
Hoje a homenagem vai para a GM com seu Chevrolet Onix, carro mais vendido em 2015, no primeiro semestre de 2016 e tudo indica que repetirá a façanha este ano. É o exemplo de carro equilibrado em preço e conteúdo que o consumidor valoriza sem reclamar.
CM