Você já se acostumou a ler aos domingos minhas histórias cujo conteúdo é, de fato, retirado do fundo do baú, mas a que vou contar hoje estava por cima de tudo que lá estava. Isso para dizer que é coisa bem recente. É uma experiência pela qual eu nunca tinha passado e muito menos pensado que um dia aconteceria, mas ela é real e possível de acontecer a qualquer um a qualquer momento.
Vinha do trabalho, eram aproximadamente cinco da tarde e trafegava — se é que se pode chamar de andar a 30/40 km/h de trafegar — pela marginal do rio Pinheiros altura da raia olímpica da USP, quando em dado momento senti meu nariz pingar.
Tinha passado o dia entre clima natural e salas com ar-condicionado e o pensamento que me meio à cabeça foi será que me resfriei? A sensação de gota na narina, apesar daquela “fungada” amiga não resolver nada e, de repente, uma vi gota de sangue numa das mãos.
Assustei-me, e não foi pouco, porque em janeiro último tinha passado por um rompimento de um vaso na narina direita e uma hemorragia incrível que me custou a internação por três dias no Hospital São Luiz. Importante dizer, para não lhe assustar, que eu tomo anticoagulante por outros motivos, razões de segurança para minha saúde.
Mas a situação estava criada, eu na marginal, o trânsito uma loucura, o meu nariz pingando sangue e eu sem recursos para fazer qualquer coisa de imediato.
Pensei comigo mesmo e rapidamente cheguei à conclusão de que não adiantaria parar no acostamento e pedir socorro. Alguém pararia neste mundo cão em que vivemos? Tinha a meu favor um velhinho de cabeça branca com cara boa e um nariz ensanguentado: mesmo assim acho que a chance era zero.
Tapei meu nariz com a mão esquerda comprimindo-o todo entre o indicador e o polegar, respirei pela boca com calma e de forma controlada e aos poucos, com a seta ligada, fui colocando o carro na faixa da direita. Se houvesse alguma piora eu estaria mais próximo de uma parada de emergência.
O trânsito até que me ajudou e com calma cheguei a um posto BR logo após a ponte Eusébio Matoso, ao lado da Tok & Stok — loja de móveis que já havia frequentado com a minha esposa, quem não?
Entrei no posto, lavei as mãos e o rosto, peguei múltiplas toalhas de papel e fui para o carro. Alguns me olhavam com surpresa, mas ninguém ofereceu ajuda do tipo “o senhor precisa de alguma coisa”?
Sentei-me no carro, deitei um pouco o encosto do meu banco e com aqueles “guardanapos” de papel fiz alguns tampões para introduzir na narina problemática. A da direita estava OK. Minha intenção era alcançar o Hospital São Luiz onde já havia sido atendido em emergência em janeiro passado, embora em condições diferentes, estava de táxi, saí de casa e minha mulher estava comigo, bem diferente.
Segui pela marginal ao longo do muro do Jockey Club e contornando-o cheguei à avenida que poderia me levar ao Hospital, mas estava do lado errado da pista, precisava seguir até o próximo retorno, este estava bem longe e o trânsito do outro lado já prenunciava certa demora até poder pegar a direita na avenida do hospital. Muito calmo e sereno liguei o pisca-alerta e fiz a primeira manobra não convencional, fiz um retorno em local não permitido mas a emergência me dizia que eu deveria fazê-lo e assim o fiz, com todo cuidado e momento certo sem colocar outros carros ou eu mesmo em risco.
Chegando próximo ao cruzamento que me daria a liberdade de subir na direção do Hospital São Luiz — quem conhece este local sabe do que estou falando — andei uns 100 metros sobre a calçada, larga e arborizada e “cortei” aquela fila, com pisca-alerta ligado de alguma maneira sinalizando emergência, tanto que ninguém reclamou e até facilitaram a minha manobra. O público desta avenida é diferente do público da marginal.
Em poucos minutos estava seguro, no estacionamento da emergência do hospital e sendo atendido por um otorrino que constatou a ruptura de um pequeno vaso na narina esquerda. Feita a cauterização, um exame mais completo determinado pela médica de plantão (medição de pressão arterial e exame de sangue) para desconfigurar qualquer outro tipo de problema, foram as providencias imediatas.
Descansei por 30 minutos, a pressão voltou ao normal e tive alta. Fui para casa.
Foi, em minha opinião, a atitude mais sensata não ter ligado para ninguém. Minha mulher estava em casa, mas seguramente ela pegaria um táxi e se encontraria comigo, e eu já estaria no caminho de casa. Meu filho estava no trabalho e, o mais importante, tudo estava resolvido. Se a situação fosse outra, meu comportamento também seria outro.
Que lição eu tomo aos meus quase 70 anos?
- Nunca se desespere, mantenha a calma
- Pense na situação como um todo e veja as alternativas que estão ao seu alcance
- Defina por uma e siga seu rumo
As chances de tudo dar certo são enormes como nesta situação pela qual passei e nunca havia pensado em passar. Papai do Céu sempre está entre nós e com os bons filhos.
RB