Bob Sharp sempre diz que carro precisa ser bem tratado para rodar bem. Na verdade, certa vez ele me disse que acredita até que carro anda melhor depois de lavado. Quando ele disse isso, pensei logo que não havia lógica em tal coisa. Sim, um carro cheio de barro por todos os buracos e vãos vai andar melhor depois de limpo, mas essa sujeirinha normal do dia a dia não deveria afetar em nada o desempenho de nenhum veículo.
Profissionalmente, sou um escravo da lógica. Fui treinado para, como engenheiro, a preparar uma piscina de dados de onde a solução para um dado problema flutuará espontaneamente. Sim, algumas vezes o que vem à tona não é exatamente uma solução, e sim aquela outra coisa que famosamente flutua, mas isso não vem ao caso: por lógica, formação e profissão, não devia acreditar em tal possibilidade.
Mas eu acredito. Na verdade, devo confessar que, secretamente, no meu tempo livre, longe de meus colegas de profissão, acredito que pouca coisa pode ser realmente explicada logicamente. Temos muitas teorias que explicam muita coisa, até descobrirmos onde ela falha. Qualquer cientista, trabalhando ele na fronteira do conhecido por definição, sabe muito bem disso. Hoje em dia se cultua a ciência e o humano; eu acredito que somos um pontinho perdido num universo gigante, que não pode existir à toa e por acaso, e nunca vou entender, e nem devo, os desígnios do divino. Como disse o Bardo: há mais coisas entre o céu e a terra do que crê nossa vã filosofia.
E como não poderia deixar de ser, o Bob estava certo. Depois de algum tempo de observação científica, tenho que declarar que é um fato provado cientificamente por mim mesmo na minha garagem: carro anda melhor depois de lavado. E existe uma explicação perfeitamente lógica para isso: ele fica mais feliz assim, se sente melhor assim, tal e qual a gente depois do banho. E digo mais: carros menos amados reagem com menor intensidade ao carinho; o Polo da patroa depois de lavado melhora só um pouco, mas a minha velha e querida perua BMW parece que ficou zero km novamente depois de limpa. Ok, provavelmente porque toda lavagem acaba com algum conserto pequeno, hidratação de couro, limpeza de filtro de ar, e qualquer outra coisa que esteja pendente. Os infiéis dirão que é por isso que ela anda melhor. Já eu sei, como um fato inquestionável, que na verdade os carros tratados com carinho e amor são os melhores carros do mundo.
Como todo objeto místico, a carga emocional que colocamos neles os transformam. Se tornam mais que um aglomerado de matérias-primas processadas para se tornarem uma máquina de transporte. Transcendem esta condição inerte e eletrodoméstica para se transformam em nossos objetos de poder pessoais, ampliando nossa liberdade de ir e vir, e nos dando possibilidades ilimitadas na vida. Nosso próprio martelo de Thor, nosso manto de levitação, nosso tapete mágico particular.
E assim são estes dois carros que andamos no sábado passado. Não são carros novos, nem chiques joias de coleção. Não são caros ou nem mesmo raros. São apenas carros legais que foram tratados por seus donos com extremo cuidado e carinho. Durante anos a fio, seus donos os preservaram, modificaram e os aperfeiçoaram de pouco em pouco, até que se tornaram estas coisas maravilhosas, estes verdadeiros objetos místicos de poder que transcendem sua humilde origem para se tornarem algo totalmente diferente e especial.
O Chevette do Paulo Levi
O Paulo Levi, um publicitário aposentado de São Paulo, é o dono do Chevette azul que você pode ver nas fotos. Entusiasta de mão cheia, o Paulo também foi a caneta por trás do excelente blog Adverdriving. O Chevette é dele desde zero-km; como é um carro de 1975, são exatos 41 anos juntos. Algo que por si só é raro.
Mas é raro também o cuidado que teve com ele. Não o cuidado como o de gente que compra um carro de coleção como investimento e logo o coloca em cavaletes numa garagem climatizada. Cuidado de quem realmente o usa para o que foi criado, andar. Até para Buenos Aires, na Argentina, os dois já foram juntos. E como sabemos, já foi dirigido à moda em Interlagos, onde fez a volta em 2:33 min, um tempo respeitável.
A carroceria e a pintura parecem absolutamente novas. Todos os frisos e emblemas externos também. Mesmo dentro do porta-malas e debaixo do capô, a pintura azul brilha como nova, de uma forma que nos deixa absolutamente bobos. De fora, parece um Chevette absolutamente original, a única coisa que denuncia algo diferente é a suspensão um pouquinho mais baixa, via molas de altura menor. Mesmo abrindo o capô, pouco se vê de diferente ali. Até o “panelão” do filtro de ar parece original. Mas o carrinho tem algumas modificações que o tornam algo totalmente diferente e especial.
As rodas e a medida dos pneus são originais, mas estes excelentes Michelin 175/70R13, e com calotinhas e tudo. Os freios são também originais, e fora o ligeiro rebaixamento, também a suspensão. Por dentro mais originalidade, até nos bancos baixos sem encosto de cabeça e os cintos subabdominais. A diferença maior é o volante revestido em couro do Opel K180, o Chevette argentino (que tinha motor 4-cilindros de Opala reduzido para 1,8 litro), e um conta-giros pequeno no painel.
O câmbio é o de cinco marchas do Chevette 1983, e a relação do eixo traseiro também. O motor é um bloco de Chevette 1983, de 1,6 litro, mas o cabeçote é do modelo 1982 trabalhado, já que o 83 tem dutos espiralados que impediriam o trabalho de polimento. O comando de válvulas é especial feito sob encomenda na Iskenderian americana. O Paulo foi aos EUA com um comando original de Chevette, que foi modificado na Isky. O carburador é um Weber 34 DMTR italiano, de corpo duplo, usado em alguns modelos da Fiat como o X1/9 e o Ritmo, bem como no Citroën CX 2400. O motor foi todo montado e balanceado na Paula Faria, de São Paulo. O escapamento é pouco restritivo, com coletor 4×1 feito sob medida. Ignição eletrônica e um radiador de Chevette mais moderno, em alumínio, completam o conjunto.
Modificações pequenas. Não é um monstro de arrancada de 1.000 cv, nem um dos muitos Chevette com motores maiores de diversas marcas transplantados. Não tem turbo, outra coisa popular para se colocar em Chevette. Mas como veremos adiante, com um resultado simplesmente sensacional.
O Focus Mk1 do Milton Pecegueiro Rubinho
Para mim Focus sempre foi o primeiro, o Mk1. Todas as outras versões mais novas, apesar de serem excelentes carros, nunca me proporcionaram diversão ao volante feito o primeiro. Mas nenhum dos que dirigi até hoje é como o GL 2008 do Milton.
O Milton é um piloto amador. Corre sempre que pode, com o carro que tiver disponível, já há alguns anos, e realmente sabe fazê-lo bem. O Focus, porém, é o único carro de sua casa, e, portanto, é regularmente compartilhado com seu pai para idas ao supermercado e outros usos prosaicos. Mas isto não impediu o Milton de, com mais inteligência e criatividade do que dinheiro, criar uma arma de track day da melhor espécie. O carro e o piloto são uma combinação matadora, que inclusive se tornou campeã do Torneio Interlagos de Regularidade em 2014.
O carro é um Focus GL flex, preto, básico e igual ao que tive em 2010. O motor RoCam flex de 1,6 litro tem comando de válvulas sul-africano (SWR-1), e uma tomada de ar frio feita em casa pelo Milton, com um filtro esportivo, mas é largamente original de resto. Uma ECM programável (ProTune PR330 Full), porém, substitui a original, e o Milton, que é calibrador de motor por profissão, acertou o Focus ele mesmo. Um coletor de escapamento 4x2x1 com manta térmica completa o conjunto.
Na suspensão, um kit de molas Eibach, mais baixas e de maior constante, e amortecedores do Focus SVT americano. O alinhamento do carro foi acertado em pista pelo dono, pacientemente, por muito tempo, até se achar os parâmetros ideais. Rodas aro 16 do Fiesta Titanium 2012 e pneus 195/55R16 Michelin XM2 completam o chão do Focus.
Os freios traseiros, originalmente tambores, foram trocados pelos discos do Focus 2-litros. Na frente, além das pastilhas de competição, fluido de freio Pentosin, e dos flexíveis reforçados com malha de aço, o Milton criou dutos de refrigeração que saem de onde ficariam os faróis de neblina no para-choque, e vão até perto dos discos.
De novo, como o Chevette, um carro simples e comum, e sem nenhuma modificação radical. Mas que, levado com carinho, cuidado e conhecimento de seu dono, se tornou uma coisa muito diferente, e bem mais legal.
Meus carros preferidos
Ok, em um mundo ideal meu carro preferido talvez fosse um Audi RS 7, um Porsche 911R ou coisa do gênero. Mas nem penso muito nisso; a realidade é tão longe deste tipo de coisa que acabam ficando irrelevantes para mim. Quando penso em meus carros favoritos, penso em coisas que posso ter. Como diz o “Ogro do Cerrado”, o Alexandre Garcia, sonho impossível não é sonho, é pesadelo.
Então andar com estes dois carros sempre foi algo que quis fazer, desde aquele feliz dia em Interlagos onde os conheci e seus donos pessoalmente. O Focus eu dei uma voltinha rápida dentro das ruas de acesso dentro do autódromo; só de sentir a direção leve, rápida e precisa dele já vi que era algo especial. O Chevette andei no passageiro apenas, naquele dia, mas falemos sério, só de olhar ele já dá vontade de pular no banco do motorista. Chevette e Focus Mk1. Dentre os carros que tive, certamente entre meus preferidos. E esses dois carros se mostrariam, ao fim do dia, as melhores versões deles que já dirigi.
São carros diferentes do que se vê por aí, sendo desejados através de vitrines. São legais não porque são caros, superpotentes ou bonitos. Não são símbolo de status ou servem para causar admiração a amigos, ou passar imagem de bem-sucedido na vida. São legais para dirigir. São coisas aperfeiçoadas para andar rápido, em pista ou estrada, com segurança e prazer ao volante. Se você não sabe o que realmente é necessário para se andar rápido, não vai entender. Não é motor forte, apenas entusiasmado basta. Não precisa de aderência infinita, apenas ser confiável, previsível, dócil aos comandos. E isto estes dois carros tem aos baldes.
São também exemplos perfeitos em algo que preguei recentemente aqui como desejável acima de tudo para quem realmente gosta de dirigir: simplicidade. Carros extremamente simples, os dois, e sua simplicidade os faz realmente sensacionais em tudo que interessa quando se está atrás do volante em uma estrada truncada. Se conforto, luxo e equipamentos são a sua praia e o que você procura, não é aqui que vai achar. Pare de ler já!
Depois de vários adiamentos, conseguimos finalmente agendar um encontro no ASPG (Autoentusiastas Secret Proving Grounds, ou Campo de Provas dos Autoentusiastas, e conhecido também por Rodovia dos Romeiros) no sábado passado, para fazermos um passeio, trocando os carros de tempos em tempos para que todos experimentassem todos os carros. O Paulo Keller foi junto para filmar e fotografar tudo, e dar uma imagem de trabalho nessa diversão toda.
Como fui com minha perua BMW 328i Touring 1996, foi praticamente um encontro de meus carros preferidos. Só faltou um Opala 4100 cupê três-marchas, mas por motivos tão diferentes que estaria deslocado como peixe fora d’água ali, e, portanto, não fez falta.
Dirigindo o Focus
Entrar no Focus já te coloca no clima. No motorista o banco é uma concha fixa, sem ajuste para frente e para trás, na posição ideal para o dono, que é bem mais baixo que eu. O volante é esportivo, Momo, com 350 mm de diâmetro, e preso no painel com velcro do lado do passageiro está o Tablet conectado à ECM que o Milton usa para refinar a calibração do motor.
Ao ligar o motor se vê logo que o trabalho dele deu resultado. O som não é excessivamente alto, mas é audível, e extremamente ardido, nervoso, faca nos dentes. Ao sair, acelerando forte, é uma delícia: suave, girador e totalmente linear. Gira até sete mil rpm, com um berro gostoso e longo, aquele longo passeio até a linha vermelha, linear e crescente, que amamos em bons motores aspirados. O giro cai rápido e sobe rápido, e acelerações interinas nas reduções de marcha ficam uma delícia de fazer, se bem que um pouco difíceis de realizar por causa da falta de regulagem do banco.
Mas o melhor é a direção: o volante pequeno responde imediatamente, sem nenhuma folga ou atraso, a todo comando seu, por menor que seja. A direção é leve, rápida e precisa, de uma forma que lembra carros de competição, mas é raríssima em carros de rua. E ela comanda uma frente que sempre faz o que você manda. O limite de aderência da dianteira é realmente alto, o que nos dá uma carga de confiança enorme ao manter ritmo forte em estradas cheias de curvas de todo tipo, como era o caso.
Junte isso o fato do corpo estar perfeitamente seguro no banco concha, e se aumenta o ritmo quase inconscientemente, andando cada vez mais rápido. Uma verdadeira delícia. Em certos momentos, se chega a acelerar novamente no meio da curva, quando se percebe que entrou muito devagar. Um pouco disso vem do fato de que estou mais acostumado ao “devagar entrando-rápido saindo” dos tração-traseira, mas em pouco tempo aprendi a ir bem fundo na curva sem medo, freando lá no meio.
Esta frente plantada me lembrou outro carro muito legal nesse ponto: o Sandero R.S. O Sandero tem limite de aderência mais alto, e motor também mais forte, mas isso pouco importa; o que realmente faz diferença é o câmbio “close-ratio” do Sandero, que permite pouca queda de giro a cada troca, como me fez lembrar o Milton quando conversávamos depois do passeio.
O Milton diz também que os freios, mesmo com todo trabalho para fazer dutos de refrigeração e os discos traseiros, ainda são o ponto fraco do carro na pista. No Romeiros, notei apenas que precisa de um pouco mais de força que o usual para funcionarem, e o feeling não é tão preciso como o de minha perua, mas nada que impedisse o prazer na direção, e também não senti nenhum problema de potência de frenagem. Pista é realmente diferente.
O PK ao meu lado diz: que carro legal, não? Eu respondo para ele algo que vinha buzinando na minha cabeça o tempo todo, algo que os ingleses sempre diziam a respeito de cavalos puro-sangue, e que se traduziu perfeitamente para os automóveis:
– Racing improves the breed, my friend. Racing improves the breed! (Corridas melhoram a raça!).
Dirigindo o Chevette
Imaginem o seguinte: sentado em um banco baixinho, com o encosto que mal passa do meio das minhas costas. Cintos abdominais firmemente afivelados, não por medo de acidente, mas para manter a bunda no lugar que deve ficar. Vidros abertos, sol brilhando em um céu azul que atravessa a densa copa das árvores e chega ao asfalto liso como sardas no rosto de uma ruivinha. O azul do capô é mais azul que o próprio céu acima, e é emoldurado por um parabrisa que está pertinho do meu rosto, sem a inclinação gigante e as colunas gordas dos carros modernos, o que dá uma sensação de leveza e interior arejado que não existe mais. Também faz a gente fazer meio que parte do mundo lá fora, seus cheiros, insetos e temperaturas.
O motor está gritando a plenos pulmões em terceira, a 4.000 rpm e subindo, o berro gutural parecendo um cantor de heavy metal preso em uma nota só. Jogo a quarta marcha rápido, acionando a embreagem rápido e sem tirar o pé do fundo. A nota muda por um momento e volta novamente ao que era. O motor soa alto, bem alto, e ardido, gostoso, entusiasmado, obviamente querendo que você se divirta muito com ele, que você releve a sua falta de potência em troca de toda aquela obediência entusiasmada.
Chega uma curva, você começa a frear forte, reduz uma marcha fazendo um punta-tacco, o motorzinho dá um berro, entra a terceira, e logo em seguida repete-se a manobra com mais violência para entrar a segunda. Quando a segunda entra em desaceleração, borboletas do carburador fechadas completamente e pé direito firme no freio, ouve-se espocadas violentas vindas lá de trás, fazendo os cabelinhos da base da nuca se levantarem. Sabia, por andar atrás do carro pouco antes, que estas espocadas eram chamas saindo pelo escapamento, feito um Subaru em fúria num estágio de floresta do WRC.
Na curva o carrinho contorna neutro, com apenas um cheiro de subesterço para sinalizar que sim, esta é a velocidade máxima possível ali; e quando se passa da tangência e volta-se ao acelerador, sente-se a traseira saindo suavemente, como se em câmera lenta, perfeitamente controlada pelo acelerador. Um leve contraesterço é suficiente para manter a trajetória e nos fazer sair da curva com o motor cheio, gritando de novo com toda força, alegre, forte, sonoro.
Um sorrisão se planta em meu rosto, ao chegar à terceira novamente, e percebo que, “solto” no pequeno banco, me movimento como se num cavalo ou numa moto; para frente quando acelero, para o lado da curva, para trás quando relaxo. É uma interação física, intensa, totalmente ligada ao ambiente e ao carro. Não há isolamento algum do mundo lá fora, e você, a estrada e o carro interagem diretamente, visceralmente, de forma completa.
E o barulho? Jesus… reverberando em cada morro, refletido em cada muro, vibrando eu todo, o carro todo como se o mundo todo fosse seu instrumento, nenhum Chevette que já andei soa tão esportivo, tão nervoso, tão deliciosamente bravo. Um som para embalar a alma do entusiasta.
Ali, sozinho naquela estradinha ao volante deste sublime Chevette azul, penso que, afinal de contas, a vida é muito boa, e não fica melhor do que o momento em que estamos. O carro nos coloca lá fora, no mundo, e não isolado dele, ao mesmo tempo que nos faz mover a velocidades não naturais para um humano. Uma experiência quase mística. O sentido da vida, ensinado por um Chevette 75.
O carrinho é realmente sensacional, de diversas maneiras diferentes. É legal por causa de sua longuíssima história com seu dono, legal por seu estado para lá de impecável, legal por suas modificações sutis, mas incrivelmente efetivas. Legal pela cor maravilhosamente bela e emblemática de seu tempo, e pelo fato de que é bonito pacas, como carros modernos não conseguem mais ser. Legal porque seu dono, apesar de tudo isso, não tem medo de usá-lo, e não coloca divindade em uma máquina. Legal porque é um carro leve, simples, básico, e ainda assim uma delícia de dirigir.
O motor é a melhor das modificações. Não é muito potente, mas é extremamente liso em funcionamento, algo que nunca vi em um motor de Chevette, normalmente bem ásperos. Gira solto, é forte o suficiente para entreter, e tem um berro que faz acordar os mortos. Este motorzinho é uma vitória do entusiasmo sobre a eficiência. E uma prova de que não se precisa trocar o motor do Chevette para ter diversão ao volante.
Outra coisa que tinha me esquecido sobre Chevettes: direção sem assistência. Lembram dela? Se hoje se discute que se perde sensibilidade ao volante com assistência elétrica, eu me lembro muito bem do tempo em que se dizia a mesma coisa da hidráulica. Da direção do Chevette pode se reclamar do peso a baixa velocidade se você tiver braços de uma menina de 10 anos de idade, mas nunca reclamar da sensibilidade. Sem nenhuma assistência, te coloca no meio da ação, sem filtros, direto. É fácil perceber tudo que acontece com as rodas, inclusive a alteração do peso conforme a carga que se coloca nos pneus dianteiros. Uma lição em como transferência de peso funciona. Uma delícia de experimentar, se você tiver sensibilidade para sentir isso, mas com mais esforço, sim.
Saio do Chevette suado e cansado, mas cheio de adrenalina e felicidade pura, não destilada. Feliz porque neste tempo e época, onde todo mundo fala que o futuro do automóvel é negro, encontrar carros como este nos lembram que o mundo lá fora é outro, e nele as pessoas ainda andam e cuidam de carros, e acabam criando coisas maravilhosas como estas. E que ainda existem lugares onde podemos andar com eles. O mundo lá fora é grande, vasto, enorme, e se você sair para ver ele, de carro, vai ver que as notícias de fim de mundo, para variar, são extremamente exageradas.
Meus sinceros agradecimentos ao Milton e aos Paulos (Levi e Keller) pelo dia sensacional, e pelos carros sensacionais. O mundo precisa de mais gente como vocês!
MAO
Uma festa móvel
Paulo Levi
Quando recebi o convite do MAO e do PK para participar desse encontro entusiasta na Estrada dos Romeiros, aceitei na hora. Primeiramente, porque convite do Autoentusiastas não se recusa; e depois, porque o outro convidado era o meu amigo Milton Pecegueiro Rubinho, que por já ter participado de duas provas em Interlagos ao volante do meu Chevette conhece o carro melhor do que eu que sou o seu proprietário há 41 anos. E além disso, a oportunidade de conhecer na prática dois automóveis de características tão distintas das do meu, como o Ford Focus do Milton e a BMW Touring do MAO, seria a cereja do bolo.
Se eu tiver que resumir esse encontro, diria que foi uma festa. Ou, parafraseando Hemingway, uma festa móvel. Quer coisa melhor do que passar um dia ensolarado numa estradinha sinuosa feita sob medida para quem gosta de dirigir, passando de um carro para outro a cada tantos quilômetros e trocando figurinhas com três caras bacanas, naquela espécie de língua franca que é o entusiasmo por automóveis e por tudo o que diz respeito a eles? A uma certa altura, me toquei que eu era o único cara de Humanas naquela turma de engenheiros — mas ninguém fez que eu me sentisse diminuído por causa disso.
E os automóveis, você perguntará? Bom, não vou falar do Chevette, que eu não tenho a objetividade necessária para tanto. Sobre o Focus do Milton, posso dizer que é um dos carros mais bem ajustados que já dirigi. A suspensão e a direção são pontos de destaque do projeto original do Focus, mas no exemplar do Milton — modificado para uso em competições — a eficiência do conjunto está em outro patamar. O motor segue a mesma tônica, com respostas instantâneas e uma impressionante suavidade em todas as faixas de rotação, fruto de um meticuloso trabalho de otimização da injeção eletrônica feito pessoalmente pelo Milton.
E o que dizer da BMW Touring do MAO? Um verdadeiro gentleman’s express, cujo seis-em-linha de 2,8 l é um convite a trocar o avião pelo automóvel só pelo prazer de pegar uma estrada. E isso num automóvel com mais de 20 anos de uso e mais de 110 mil km rodados!
Aliás, talvez tenha sido essa uma das principais conclusões do dia: mesmo que um automóvel tenha sido fabricado há mais de 20 anos como a BMW do MAO, ou há mais de 40 como o meu Chevette, ou mesmo que ele seja frequentemente utilizado em ritmo “soviético”, como o Focus do Milton (na impagável expressão do mesmo), basta que ele seja tratado com empatia e com os devidos cuidados para proporcionar grandes alegrias ao seu proprietário, e por muito tempo.
Obrigado por me convidarem para essa festa, amigos! Não vou esquecer dela tão cedo assim.
PL
Não são somente os carros
Milton Pecegueiro Rubinho
Sábado, 2 de abril de 2016, Autódromo de Interlagos.
MAO: Seu carro é ótimo! Deve ser uma delícia de guiar na Romeiros!
Aquilo ecoou como um tremendo elogio em mim.
Eu: Quando quiser, marcamos e você anda, MAO!
E ali me senti lisonjeado… e in a mission”
Bom, sendo assim, já tínhamos um objetivo para algum momento na existência terrena: um back to back driving entre uma certa BMW 328 Touring 1996, e um Ford Focus GL 2008 levemente modificado, e seus proprietários. Certo?
Mas… espere um pouco!
Se o carro que uniu três autoentusiastas também estava em ótimas condições de rodagem, por que não somá-lo a esse intrépido passeio, assim como somar seu grande proprietário? Assim, colocamos na equação um Chevrolet Chevette 1975 azul, lindo, também modificado, e seu proprietário, Paulo Levi.
Sábado, 5 de novembro de 2016, Maison Blanche – Estrada dos Romeiros
Uma estrada legal, um dia ensolarado, Paulo Keller, paisagens bacanas, receita para algo inesquecível. E para mim, foi. Poder ter a honra de estar nesse passeio e, mais que isso, poder mostrar aos amigos um pouco do que tenho trabalhado há anos, não tem preço.
Também pude entender a dinâmica extremamente acertada da Série 3 E36, que faz você se sentir em casa logo de cara, lhe permite andar forte e tranquilo ao mesmo tempo, o avisa sempre de forma bastante dócil onde está o limite, lhe faz pensar que carros com muito menos massa e menos tamanho não tem aquela desenvoltura nas curvas e retas apertadas de uma estrada tão sinuosa. Isso sem contar com o som do 6-em-linha urrando além de 6.000 rpm. E, foi ai que entendi o porquê tal chassi, tal geração, ainda tem tantos fãs no mundo. Porque tantas equipes ainda correm com esses carros em pistas, e até mesmo em ralis. Porque esse carro não tem somente um caráter visual, um apelo direto através dos seus quatro faróis e da sua frente com a grade tão característica. O conjunto da obra se coloca acima. Forte, dócil, civilizada, mas também selvagem, nas medidas corretas. E ainda acomoda confortavelmente cinco pessoas, mais cachorro, papagaio, sogra, brinquedos das crianças, maquiagem da mulher…
Uma aula de engenharia alemã dos anos 90 através dessa viagem ao tempo em que se faziam carros viscerais, divertidos, sem frescuras e sem desnecessárias frivolidades. E viagem ao tempo mesmo, tempo em que se poderia comprar um Chevette tão inteiro quanto esse, tirando-o da concessionária como o atual dono o fez há 41 anos atrás. Sim, único dono. Tratado a pão-de-ló. Melhorado naquilo que poderia sem descaracterizá-lo, usado com carinho mas sem frescuras, e que recompensa tanto ao dono quanto a quem o observa nas ruas de São Paulo, trazendo sorrisos por onde passa. Para mim, um companheiro já conhecido de outras estradas e de voltas no templo chamado Autódromo Municipal José Carlos Pace, um carrinho justo, divertido, preciso e entusiasta. E andador que só ele, com o som do seu 4-cilindros acertadíssimo que encanta! Sem contar tudo aquilo que já conhecemos dos Chevettes e sua dinâmica que também salva vidas, como diria o MAO.
Do meu? Ah, fácil; e difícil. Sei de tudo o que passei nele, todas as horas pensando e matutando soluções para cada um dos problemas ou oportunidades que apareciam, cada ideia aplicada para uma melhora de desempenho e de eficiência, aprimorando pontos fortes e tentando sanar pontos fracos. O Focus é uma base muito boa, porém tem suas deficiências, que têm que ser trabalhadas. Custou tempo, dinheiro e dedicação. Mas não me arrependo de nada. Aprendi muito, e ainda aprendo com ele. A cada passeio, a cada prova que participo, a cada voltinha no quarteirão para teste de algum ajuste ou reparo. A cada conversa com amigos, a cada dia como esse sábado.
E além desse aprendizado todo, esse carro e essa dedicação me deram as chances que tive. E só posso agradecer por isso. Porque é nessas horas que vemos que não são somente os carros, somos nós também. São também tudo o que fazemos, vivemos e nos dedicamos a eles, cada qual do seu jeito.
Specs Ford Focus GL 1.6 2008 #71
Motor: Zetec Rocam 1,6 l com comando de válvulas SWR-1, coletor de escapamento dimensionado 4x2x1 com manta térmica e abafador esportivo Oriente Escapes Especiais, filtro de ar esportivo com tomada de ar curta, gerenciamento eletrônico realizado por injeção programável ProTune PR330 Full.
Suspensão: molas Eibach Pro Kit, amortecedores SVT, buchas de poliuretano Energy na barra estabilizadora traseira.
Freios: disco nas 4 rodas, com linhas de freio em malha de aço, fluido Pentosin Racing DOT 4, pastilhas dianteiras Bosch Ceramic, traseiras Jurid, dutos de refrigeração para os freios dianteiros.
Rodas e Pneus: rodas R16 originais do Fiesta 2012 Titanium, pneus 195/55R16 Michelin XM2.
Transmissão: original, com trambulador de curso curto.
Direção: original.
Interior: volante Momo Champion, banco concha AMB.
MPR
Faça terapia
Paulo Keller
Sobre os carros não dá para acrescentar nada ao que já foi dito. Então vou ser breve. Encontrar amigos, andar de carro, pegar estradas (mesmo que sozinho), descobrir novos lugares, mexer no seu carro, queimar gasolina, compartilhar experiências, tudo isso é uma terapia. Pratique autoentusiasmo!
Vamos tentar fazer mais programas como esse.
PK
O vídeo completo
As cenas excluídas
Fotos adicionais