Marca que acaba não volta. É um dos adágios da indústria automobilística — mas há exceções, como o aproveitar de oportunidades para agregar imagem positiva — caso dos franceses Bugatti, agora pertencente e renascidos pela alemã Volkswagen.
Idêntica situação para a alemã Borgward — 1925-1962 — então a terceira marca do país, após superar milhão de unidades, sua lembrança maior remete aos bem formulados sedã duas-portas e ao Coupé TS, projeto e traço de seu personalista fundador e proprietário Carl F.W. Borgward. E a boa imagem somada à admiração de neto pela saga do avô, instigou o renascer.
A foto acima, de divulgação Borgward, é da grade e emblema ou, como chamam, Mesh & Rombus, malha e losango.
Lembrança por competência técnica, a boa e sólida construção monobloco, elegância de linhas, coroando estilo e tecnologia da Borgward, fabricante alemã de Bremen, nascida em consequência do crescimento profissional de seu condutor.
Até à Segunda Guerra Mundial era apenas mais uma das muitas fábricas europeias. Após, surgiu com valentia em projeto industrial e produtos. Preso pelos Aliados, Borgward só tinha acesso a revistas americanas, e a intensiva leitura influenciou seus novos produtos. Foi involuntário período sabático e de tal recolhimento saiu com nova geração desenhada em termos gerais, de plataforma, mecânica e estética. Foi a primeira das sofridas, bombardeadas e saqueadas marcas alemãs a ter um projeto inteiramente novo, o conceito Ponton. Saiu pronto da prisão, materializado no Salão de Genebra, Suíça, no princípio de 1949. Era o Hansa 1500. Logo em seguida o 1800. Fez pequenos carros, os Lloyd, caminhões, motores diesel.
No Brasil pós-guerra, reservas monetárias minguando, muitas unidades aportaram, trazidas do país de moeda fraca pela importadora, a família Shazan, com distribuição no Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.
Na segunda metade da década de ’50, em meio ao processo de instalação da indústria automobilística nacional, a Borgward aprovou projeto, formou empresa, indicou endereço carioca para montar fábrica. Entretanto, subitamente, na legislação limitadora de importações em proteção à nascente indústria automobilística nacional, a Oposição ao Governo JK conseguiu fender a barreira, criando facilidades para importar. Motivou chegada de poucos caminhõezinhos, numerosas unidades do Isabella sedã de duas portas, jeitoso em linhas arredondadas, resistente em qualidade construtiva, do Coupé TS. Este era o referencial da linha. Um 2 + 2, estilo dito como copiado do Karmann-Ghia — deste, na verdade, o conceito derivava de Alfa Romeo, depois aplicado por Mario Boano a produto Chrysler e ao Karmann-Ghia. Valente, seu motor 1.500 cm³, com comando de válvulas no cabeçote de alumínio, era o primeiro carro de baixa cilindrada e de série a atingir a potência específica de 50 cv/litro. Fazia 75 cv – como o Passat, quase 20 anos após. Quatro cilindros em linha, frontal, longitudinal, valente mantenedor de velocidade nas estradas, motoristas da época diziam possuir volante-motor pesado. Desenvolvendo o bom engenho, meteu-se em corridas, e um de seus protótipos, com injeção mecânica de combustível, arrancava 140 cv do resistente motor 1,5-litro.
Participar do mercado por importação, sem investimento para industrializar, e ante as vantagens oferecidas pelo IAME, estatal argentina inscrevendo-se como sócia de todas as marcas de veículos desejando ir para a Argentina, mudou seu foco e endereço. Na Argentina montou apenas 1.000 unidades do sedã duas-portas e fabricou caminhãozinho para 1,5 7 e motor diesel (foto ao lado). De lá saiu, deixando o motor diesel, com nome mudado para Indenor. Tinha a marca da competência técnica: quatro cilindros, cabeçote em liga de alumínio, câmara de combustão Ricardo. Há 50 anos conseguia razoável potência específica: 68 cv em 2,2 litro. Ficou em produção até pouco tempo.
Como toda empresa devastada pela II Guerra Mundial, sua sobrevivência e crescimento passaram por dedicação aos carros pequenos, de baixos preço e custo operacional, como o Lloyd Alexander, a caminhões para baixa tonelagem, utilizando o motor 1,5 do Isabella e o diesel 2,2, sua produção, exportações.
Uma confluência de fatores, como aplicar lucros no aprimoramento do produto e da usina; falta de lastro financeiro para dificuldades; queda do mercado americano; um descuido estratégico; excesso de personalismo, ou trama comandada nos bastidores por algum concorrente, nunca ficou clara a falta de base para o desequilíbrio.
Noticiário de má imprensa sugerindo condições para falência provocou corrida de cobranças, e vendas com deságio de duplicatas sacadas contra a empresa. Os bancos fecharam-lhe as portas, e a Prefeitura de Bremen, acionista, acovardou-se ao auxílio. E políticos locais promoveram a tomada de gestão e, aí, o resultado era previsível: a empresa foi ao limite. Quebrou, apesar do patrimônio em muito superar a dívida.
Nos estertores, em 1962, fez sociedade no México, enviou peças e veículos semi-montados, os sedãs 2300. Mas já era o fim.
Carl Borgward seguiu outra verdade da indústria automobilística: quando Le Patron perde o mando, falece em seguida.
Ícones
Seus carros, em especial os Isabella, transformaram-se em ícones do equilíbrio entre estética e a mecânica tecnologicamente avançada, simples e resistente. Do seu porte, nenhum europeu da época o igualava: ou era bonitos e frágeis; ou eram simpáticos porém complicados; ou bons de desempenho, porém rústicos. Na estrada do mercado, seu teórico concorrente por similitude estética o Karmann-Ghia ficava léguas para trás.
Bonito, rápido, econômico, simples e durável, só ele. Em mercados antigomobilísticos mais avançados transformou-se em óbvio investimento, compatibilzando história, charme e capacidade de agradável rodar. Até fechar — então a terceira indústria automobilística alemã, e ter seu parque industrial absorvido por outras marcas — a Borgward produzira acreditadas 1,2 milhão de unidades.
De volta
Christian Borgward, 63, alemão, comerciante, neto do fundador, há oito anos iniciou novo ciclo: adquiriu os direitos de uso da marca; contratou empresa de consultoria para projetar o renascimento — definir produto, investidor, onde fazê-lo. Centrou-se em família de utilitários esportivos, os SUVs, em maior expansão mundial. Projeto foi acolhido pela chinesa Foton, fazendo-os com a morfologia e a marca Borgward. Modelo BX5, com 4,48 m, híbrido — motor gasolina 2,0, 240 cv + elétrico—, tração integral, iniciou ser vendido neste ano em China e Índia. E lançou o BX7 TS, maior, para mercados em desenvolvimento. Há dias presidente e diretores estiveram em Buenos Aires para sondagem, aproveitando a boa imagem da marca. Têm pretensões: carimbar os veículos como tradicionais em sua modernidade, bom conteúdo, e a boa imagem da marca — coisa não exibida por chineses. Ambições amplas, leque de produtos sobre plataforma hábil a contração e expansão.
Retorno
Ulrich Walker, executivo-chefe do Borgward Group AG, na mesma Bremen, anunciou novidade: volta às origens, ligando o passado ao futuro. Construirá fábrica no berço onde nasceram Lloyd e Borgward, com previsão de curto período para iniciar produção, 2018.
Justifica a escolha, soma emotividade, racionalidade, finanças. Há facilidades logísticas, porto internacional, indústria fornecedora na região, disponibilidade de mão de obra qualificada. No momento desenha acordos com proprietários de áreas e incentivos com o governo de Bremen.
Aparentemente coisa pequena. Área pretendida 20.000 m², operação industrial simplória, o dito processo CKD, completelly knocked down — receber peças e partes da produtora chinesa para montar, soldar, pintar a carroceria, formar os grupos mecânicos, agregando-os à estrutura. Diz o executivo, investimento de oito dígitos em euros — pouco em termos de indústria automobilística.
Aos do ramo adotará gabarito Indústria 4.0, de fábrica inteligente, processo de produção planejado e eficiente, cuidados ecológicos na instalação, operação, gestão de águas, plantio de árvores (veja mais no box). Fornecedores listados, pneus e borrachas Continental, rolamentos Kuka/Schäffer/SKF, BorgWarner, Webasto, Bosch, eletrônica LG.
Produto
Será o BX7 totalmente elétrico. Porte médio, 4,70 m de comprimento, sucesso de vendas na China, preferido pelos clientes por conta do sistema de acionamento da tração nas rodas e interação múltipla entre comunicação, entretenimento e segurança, visto como o mais avançado do mercado.
Não quer ser mais um concorrente, mas o pico em dotação.
RN
Indústria 4.0. Começa um novo ciclo