Semana passada Ronaldo Berg nos presenteou com mais uma história “Do fundo do baú” e dela fez parte os primeiros Gols arrefecidos a ar, ainda com o motor 1300. E desse texto me veio a idéia de registrar as sutis diferenças do motor arrefecido a ar do Gol em relação aos da dupla Fusca/Kombi.
Em 1980, quando a Volkswagen lançou o Gol 1300, visando deixa-lo um pouco mais refinado em relação ao 1300 do Fusca, houve um retrabalho no sistema de arrefecimento visando deixá-lo adequado ao emprego em veículos de motorização dianteira e dessa forma, a ventoinha centrífuga dentro da carcaça, característica desses motores desde sua criação, cedeu lugar para um ventilador de fluxo axial que, montado na dianteira, incrementou e muito o arrefecimento desse motor. O incremento foi tamanho que a Volkswagen simplesmente eliminou o radiador de óleo e em seu lugar, apenas uma “caixinha” por onde havia circulação do lubrificante mas não havendo refrigeração.
E como todo motor de combustão interna tem que trabalhar na temperatura correta para seu correto funcionamento, a Volkswagen teve que literalmente fechar as entradas de ar pelo motor: na grade dianteira, a montagem do “papelão” era feita de maneira a deixar apenas o bocal do ventilador com captação de ar externo, “tampando” os demais locais para que não recebesse ar de fora que pudesse impedir o aquecimento correto do motor, além de evitar que o distribuidor ficasse diretamente exposto aos respingos de água em dias de chuva.
Outra mudança significativa em relação ao 1300 do Fusca (e que não é todo mundo que conhece) são os chamados “cabeçotes da tampa quadrada”. Basicamente a Volkswagen visando incrementar um pouco o desempenho do motor, desenvolveu um cabeçote onde as válvulas de admissão e escape são montadas em ângulo, formando um “V” e por muitos chamado de cabeçote hemisférico, ainda que não seja hemisférico no sentido pleno da palavra.
Devido à montagem das válvulas, os balancins eram individuais para cada cilindro e devido ao formato da tampa, os demais componentes eram exclusivos desse modelo de cabeçote, não sendo intercambiável com os demais 1300. Contudo, apesar do desenho arrojado, as válvulas eram pequenas e a admissão por entrada simples limitava e muito o desempenho do motor que literalmente trabalhava estrangulado, uma vez que o objetivo era, segundo pode-se concluir das propagandas da época, privilegiar o baixo consumo em detrimento do desempenho.
Uma outra característica do Gol 1300 a gasolina (e que não existiu em nenhum a álcool) foi o filtro de ar com válvula termopneumática de ar quente (o popular “Thermac”). Só que diferentemente do que ocorria nos Fuscas a álcool (e todos os modelos a gasolina pós-1984) e Kombis a álcool, a coleta de ar aquecido se dava por meio de um defletor construído em volta de uma parte do coletor de escapamento direito (olhando o motor de frente) e não através do uso da mufla construída sobre o coletor de escapamento, outrora usada como fonte de ar aquecido para o interior do veículo. Aliás, o uso da válvula termopneumática dos motores a álcool decretou o fim dos Fuscas e Kombis com ar quente uma vez que a mufla de aquecimento de ar para o habitáculo passou a ser empregado para aquecer o ar para o filtro de ar.
O objetivo da válvula termopneumática no Gol era justamente ensejar maior vaporização da gasolina por meio do ar aquecido mesmo com mistura ar-combustível mais pobre, permitindo um melhor funcionamento mais suave na fase de aquecimento e/ou quando a temperatura externa estivesse a baixa, e como a ideia dos primeiros Gols era privilegiar o consumo, então a Volkswagen resolveu empregá-lo.
É bem possível que a válvula Thermac do Gol que o Ronaldo Berg levou para Belo com mau funcionamento e causado o problema de falhas ao subir a serra de Petrópolis ao encontrar ar mais frio.
Com a introdução do Gol 1300 a álcool no finalzinho de 1980/início de 1981, os filtros de ar perderam a válvula termopneumática, a dupla carburação temporariamente jogou o estepe outrora no compartimento do motor para o porta-malas, bem como o reservatório auxiliar de gasolina para partida a frio (fazendo com que algumas unidades, externamente, possuíssem dois bocais de abastecimento, um de cada lado, como na Kombi).
Por outro lado, para facilitar o funcionamento do motor a álcool, a Volkswagen optou por aquecer o coletor de admissão empregando os gases de escapamento, o mesmo sistema dos modelos de um só carburador. Esses gases são conduzidos ao coletor de admissão onde circulam por quase toda a sua área, mantendo aquecido o trajeto por onde passa a mistura formada pelo carburador.
Já no início de 1981, a Volkswagen, em resposta ao decepcionante desempenho do Gol 1300, colocou o motor 1,6-L e alongou a transmissão colocando o conjunto coroa/pinhão de 31 por 8 dentes (3,875:1), igual ao do SP2, no lugar do 33/8 (4,125:1) usado no Gol 1,3-L. O motor a gasolina 1,6-L do Gol era praticamente igual ao empregado no Brasília e na Kombi, diferindo apenas na montagem na parte dianteira e empregando dessa vez, um pequeno radiador de óleo, mas mesmo assim, da metade do tamanho do utilizado nos modelos arrefecidos a ar colocados na parte traseira.
E essa semelhança permitiu que o Gol pudesse acompanhar a pequena evolução no motor produzido a partir de 1984, com mudanças no desenho dos pistões e do cabeçote (que passou das 8 aletas originais para 6 apenas) e utilizando velas de rosca mais longa e taxa de compressão de 7,5:1 nos modelos a gasolina (antes era 7,2:1) e 11:1 nos motores a álcool (antes era de apenas 10:1). Todas essas modificações renderam entre 2 e 4 cv nos motores (dependendo do combustível), melhoraram um pouco o consumo e em especial, aumentou a potência em rotações mais baixas, a ponto de ficarem conhecidos como motor “torque”.
Em contrapartida, a “alcoolização” dos motores 1,6-L arrefecidos a ar foi bem mais trabalhosa a ponto de o Gol 1600 a álcool só estar disponível no mercado em fins de 1981 e a Kombi, em meados de 1982! Segundo relatos da época, a grande dificuldade foi o acerto da carburação e o atingimento de valores de consumo aceitáveis e compatíveis com o desempenho.
No 1600 da Kombi a álcool, a Volkswagen usou um coletor de admissão curto, totalmente diferente daquele que ela usava até então nas peruas e na Brasília, viabilizado com a recolocação do filtro de ar dotado de válvulas termopneumáticas fixados na parte superior do compartimento do motor e ligado aos carburadores por meio de mangueiras de borracha. No Fusca, tanto o 1300 quanto o 1600, os coletores eram de tamanhos inferiores ao dos antigos 1,6 L do Brasíia, mas ainda assim eram maiores que os empregados na Kombi.
No 1600 a álcool do Gol, todavia, ocorreram as maiores diferenças se comparado aos seus irmãos de colocação traseira. O cabeçote de dupla entrada usado nos seus similares desde os anos 70 cedeu lugar a um outro, de entrada única, mas preparado para o cilindro do 1,6-L, um modelo de peça que apenas os motores arrefecidos a ar de montagem dianteira receberam.
O coletor de admissão aquecido pelos gases de escapamento do Gol 1300 foi mantida no 1,6, que também ganhou saias de borracha visando deixar o conjunto protegido, visando evitar respingos de água com a área dos carburadores e cabeçotes. E, novamente, o Gol a álcool não ganhou cabeçote com válvula termopneumática, sendo talvez, o único caso de veículo carburado movido a álcool sem esse conjunto acoplado na entrada do filtro de ar.
Tais modificações no 1600 do Gol foram únicas e exclusivas do modelo e talvez, já prevendo a descontinuação do modelo, o motor a álcool do Gol não ganhou os incrementos de 1984, permanecendo com os cabeçotes de 1981, de taxa de compressão 10:1 até os últimos do modelo BX de 1986, que terminaram seus dias sem maiores refinamentos adquiridos com a experiência do álcool.
O resultado de tudo isso foi que o Gol a ar acabou por ser um dos únicos (senão o único) modelo de motor convertido para álcool cuja potência acabou inferior ao seu congênere rodando com gasolina. O modelo 1,6L movido a gasolina produz 54 cv nos modelos pré-1984 e 56 cv nos pós 1984 enquanto as versões a álcool, esses valores nasceram e permaneceram em 51 cv (citando sempre potência líquida de acordo com a norma NBR 5484/ISO 1585).
Por outro lado, embora seja um motor “estrangulado de fábrica”, o Gol arrefecido a ar apresenta um funcionamento mais uniforme quando em temperatura normal de funcionamento (e a carburação bem regulada) se compararmos com o Fusca e a Kombi, (motores de funcionamento meio “áspero” — opinião pessoal minha) e se dirigido adequadamente, não é um veículo de consumo demasiado. Apesar das sutis diferenças entre os motores do Gol, se comparado com o Fusca e a Kombi, essas diferenças acabam fazendo a diferença em dirigibilidade, em especial na versão a álcool.
Dessa maneira, para quem é, como eu, um entusiasta dos motores Volkswagen arrefecidos a ar, restará sempre a sensação que a marca em nosso país poderia ter usado um pouco mais do seu know-how e toda sua bagagem de conhecimento para dar um pouco mais de potência e rendimento a essa linha de motores que ajudou a construir o nome Volkswagen e permaneceu em linha até 2005 em nosso país.
DA
NOTA: Eu nunca soube da existência de Gol arrefecido a ar dotado de ar quente, nem da existência de aquecimento de cabine como opcional do modelo. Contudo, alguns anos atrás, vendo alguns anúncios antigos de carro, deparei-me com uma propaganda onde há a ilustração de um motor do Gol totalmente preparado para receber aquecimento.
Não sei de maiores detalhes, mas coloco essa nota para que fique registrada a questão e eventualmente se algum leitor souber de algo, compartilhe conosco!
Algumas fotos de peças e componentes dos motores Volkswagen arrefecidos a ar citados na matéria: