No início da década de 1980 a Ford estava mergulhada no desenvolvimento do programa Erika, que era o Escort em sua terceira geração mundial. No Brasil, devido à sua diferente motorização adotada, o CHT no lugar do CVH, o projeto recebeu o codinome Zeta.
Para poder dar início ao programa Zeta foram importados vários Escort da Europa em seus vários modelos e com motores CHV de 1,3 e 1,6 litro. Os motores CVH (acrônimo, em inglês, de ângulo de válvula composto com câmara de combustão hemisférica), modernos, com comando de válvulas no cabeçote e câmaras hemisféricas, tinham a versatilidade da cilindrada poder ir de 1,1 a 2 litros.
Foram conduzidas várias viagens de avaliação dos novos veículos, desde o litoral paulista até as montanhas de Campos do Jordão, incluindo também o interior de São Paulo e Mato Grosso. Exceto pela dureza de suas suspensões, desconfortáveis para as condições brasileiras e a relação de primeira marcha muito longa, dificultando partida em rampas, os MK3 se portaram muito bem de maneira geral. Era notório o conforto interno bem como a excelente posição de dirigir.
Em rigorosos testes efetuados no Campo de Provas de Tatuí para identificação de possíveis fraquezas de projeto, o Escort se mostrou robusto, exceto pelos amortecedores que vazavam frequentemente e tiveram de ser reforçados para as condições brasileiras.
O que deu trabalho homérico para a engenharia foi à substituição do motor original CVH pelo motor CHT que era basicamente o antigo motor do Corcel com novos cabeçote, pistões e comando de válvulas. Foram necessários coxins do motor redesenhados e reposicionados, novo sistema de escapamento, novo filtro de ar, novas relações de transmissão para casamento com o novo motor, novos roteiro de tubos de combustível, freios e chicotes elétricos e revisão geral no pacote acústico. E sem falar no acerto da calibração do motor em termos de dirigibilidade e emissões.
Aqui entre nós, não havia nenhum argumento técnico que justificasse a substituição do moderno motor CVH pelo antigo motor CHT. Só poderia mesmo ser uma decisão puramente de caráter econômico/comercial. Quem sabe pela situação da economia brasileira na época e do alto investimento para uma nova fábrica de motores no Brasil o CVH não tenha sido adotado. E fico pensando em toda a linha Escort com motores Ford CVH incluindo um XR3 com motor 1,8 ou até 2 litros… Seria o máximo!
E foi no meio do programa Zeta, em abril de 1982, que se materializou o Chevrolet Monza no Brasil, Projeto J mundial da GM, que era o Opel Ascona C na Europa em sua terceira geração. Forte concorrente do Escort, deixou o pessoal do oval azul de cabelo em pé de curiosidade. E não demorou para que a Ford comprasse um exemplar direto da GM para que a engenharia pudesse analisá-lo de cabo a rabo, em todos seus aspectos dinâmicos e de conforto, embasando detalhes importantes como referência comparativa.
E o novo Chevrolet Monza chegou ao Campo de Provas de Tatuí. Era um hatchback três-portas, cor marrom com leve efeito dourado (muito bonito por sinal, lembrando um pouco o desenho do VW Passat). Estava equipado com motor 1,6-l OHC a gasolina, a carburador, 75 cv e câmbio manual de quatro marchas. O seu interior, bem acabado com bancos confortáveis e permitindo boa posição ao dirigir, causou boa impressão. O painel era chique, lembrando um pouco o Ford Del Rey, padrão de requinte naqueles tempos.
Com espaço interno coerente com o tamanho do carro, sua carroceria hatchback com o banco traseiro rebatido resultava um espaço para bagagem de fazer inveja. Além disso, a proposta de rebatimento do banco em duas opções distintas, um terço ou dois terços, evitava perder o espaço para acomodar pessoas atrás.
Com suspensão dianteira McPherson e geometria de direção com raio de rolagem negativo, e traseira por eixo de torção com molas de constante variável tipo barril com barra estabilizadora externa, seu comportamento dinâmico era seguro, neutro para subesterçante nas curvas e firme nas retas, com direção leve porém precisa.
Em termos de sensação de desempenho, o veículo parecia ser muito pesado para o seu motor 1,6-l . Fizemos acelerações 0-100, com o motor ainda não amaciado, resultando em 16 segundos. Na rodovia Castello Branco sentido oeste, no plano, a máxima não passou de 160 km/h cronometrados. Na realidade o pessoal da Ford ficou satisfeito, pois as marcas obtidas pelo Monza eram semelhantes ao do Escort CHT 1,6. “Estamos competitivos,” dizia a engenharia.
O que a Ford não considerou foi que a motorização do Monza poderia chegar a 2 litros de cilindrada, enquanto que o motor CHT não poderia passar de 1,6-litro por limitações dimensionais de bloco e cabeçote.
E assim, quando o Escort foi apresentado no Brasil em agosto de 1983, o Chevrolet Monza já disponibilizava seu motor 1,8-l com muito melhor desempenho que o CHT. Na realidade o Escort com sua configuração dois volumes e meio — a rabetinha traseira— tinha linhas mais modernas que o Monza, o que aparentemente favorecia a Ford em termos de desenho.
Com a chegada do elegante Monza sedã 1983, com carroceria de duas e quatro portas e motor 1,8 de 86 cv, as vendas dispararam, com os consumidores fazendo filas nas concessionárias GM, imprimindo forte concorrência à Ford e seu Escort. O Monza, mais encorpado e com motorização mais potente, traduzia maior valor agregado ao consumidor. Isso refletiu nas vendas e levou o Monza a ser o carro mais vendido em 1984, 1985 e 1986.
O seu sucesso foi tanto que a GM aventou, inclusive, o projeto de uma perua derivada, que ficou somente no papel e na construção de um protótipo não funcional. Certamente se fosse materializada teria sido um sucesso como perua média.
A GM continuou com muita determinação a investir em seu produto, deixando o Escort para trás nas vendas. Em 1985, o Monza passou pelo seu primeiro facelift, recebendo nova grade dianteira, lanternas, cabine mais requintada e painel de instrumentos mais completo, incluindo nova iluminação, semelhante ao Ford Del Rey, referência de requinte na época.
E no embalo, chegou também o Monza S/R, hatch com características esportivas, motor 1,8 de 106 cv com carburador de corpo duplo, câmbio de cinco marchas com relações próximas, bancos Recaro e alavanca de câmbio com engates mais curtos. O sucesso continuou com o lançamento do Monza Classic e sua nova pintura em duas tonalidades, rodas raiadas e faróis de neblina.
Em 1987 todas as versões, sedã e hatch, foram equipadas com o potente motor 2-litros de 110 cv, valorizando ainda mais o Chevrolet.
Nesta época, com o nascimento da Autolatina, o Escort ganhou fôlego extra com a adoção da motorização Volkswagen AP 1800, rejuvenescendo a marca e voltando a ser competitivo.
Em 1990, a GM lançou a série especial Monza 500 EF, alusivo à vitória de Emerson Fittipaldi na 500 Milhas de Indianápolis no ano anterior. Em 1991, o Chevrolet passou pelo seu maior facelift, exterior e interior, incluindo moderno quadro de instrumentos digital. Foi carinhosamente apelidado de Tubarão pelo seu capô mais longo, e o sucesso continuou ao longo dos anos.
Mas foi em 21 de agosto de 1996, com 14 anos de vida repleta de sucesso e 858 mil unidades vendidas, que o Monza foi descontinuado em cerimônia General Motors do Brasil, perante seus funcionários, jornalistas especializados e autoridades do governo. O último Monza que saiu das linhas de montagem ficou exposto na GM, coberto com inúmeras mensagens carinhosas vindas de todos os funcionários da fabricante. Uma homenagem digna de um verdadeiro ícone mundial.
Já o Escort, outro ícone mundial, permaneceu em produção por mais tempo e foi descontinuado somente em 2003, após 20 anos e três gerações de sucesso no Brasil.
Hoje a homenagem vai para o Chevrolet Onix, exemplo de equilíbrio de atributos, exímio representante da “gravatinha”, com estrondoso sucesso no Brasil, líder do mercado.
CM