Modéstia e humildade são duas qualidades que todos deveríamos cultivar. No entanto, quando se trata de trânsito sou exatamente o oposto da Madre Teresa. Quero, sim, e muito, ser vista por todos. Como já disse diversas vezes, podem me chamar de exibida. E, claro, gosto de ver. Nitidamente. Claramente. Como no suve da foto acima.
Já contei neste espaço que tive carro com filme nos vidros laterais e no traseiro. Era o veículo que havia comprado pela empresa onde trabalhava na época. Tive total liberdade para escolher cor, modelo, marca, tudo dentro de uma determinada faixa de preço — muito generosa, diga-se de passagem — mas duas coisas eram obrigatórias: ar-condicionado e filme nas janelas. Ambos, no entender da área responsável, por questão de segurança. O primeiro entendo e concordo, o segundo estranhei muito no começo, menos nos sete anos em que tive o carro e quando o troquei por outro sem nenhum tipo de filme me senti totalmente libertada.
Da época daquele modelo mantive o hábito de abrir as janelas da frente toda vez que vou estacionar ou entro num espaço fechado, como uma garagem, para poder enxergar adequadamente pelos espelhos apesar de agora ter câmera de ré. Faz um ano da troca e ainda me pego fazendo isso de vez em quando.
O assunto dos filmes é sempre motivo de discussão em qualquer fórum e aqui no AE não é diferente. Mas queria colocar aqui alguns pontos que vão além da questão estética, já que tem gente que alega que o carro fica mais bonito. Não concordo nem entendo isso, mas aí estamos no campo das preferências. E isso eu não discuto. Quero aqui falar de outros pontos menos subjetivos.
Como meus caros leitores sabem, sou uma pessoa muito curiosa. Questiono tudo desde pequena. Devo ter começado quando minha mãe me contou a história da Cinderela e ao chegar na parte da meia-noite quando o feitiço perde o efeito e a carruagem vira abóbora, as roupas de baile se transformam em peças velhas e rasgadas mas o sapatinho de cristal se mantém lindo e maravilhoso – e apenas um!. Eu tinha uns 3 ou 4 anos e questionei minha mãe sobre isso. Ela não soube responder e percebeu que ela mesma não tinha reparado nisso em sua infância. A história daquele dia acabou com um diálogo tipo: “filha, não sei por que o sapatinho não se desfez junto com o final do feitiço, mas você quer que eu continue para saber como termina o conto?”. “Sim, mamãe, estou curiosa. Mas que a história está errada, isso está”.
Voltando, então, à questão dos filmes nos carros tem coisa que não fecha na minha cabeça. O argumento mais comum a favor deles é que o Brasil é um país onde a insolação é muito grande, e no país todo. Mas agora somos obrigados a andar com os faróis dos carros ligados nas estradas durante o dia para “sermos melhor vistos”. Ué, como assim? Se o sol é tão forte assim, a luz dos faróis baixos não deveria ser necessária… E, por óbvio, do que adianta “sermos mais visíveis” por causa das luzes se os vidros diminuem essa visibilidade. Nem trio elétrico é visto claramente com G5…
Estive recentemente na África do Sul. Nem o carro que alugamos nem 99% dos que vi nas várias cidades em que estive tinham Insulfilm de nenhum tipo em nenhum vidro. E nenhum tinha filme escuro realmente. Posso dizer que mesmo em novembro o calor por lá é… africano. Torrei mesmo no sol — tanto que minha dermatologista não vai me ver tão cedo. Não posso tomar mais uma bronca dela por exposição excessiva ao deus Febo. E isso apesar do uso constante e repetido de protetor solar, que levava na bolsa para reaplicar ainda que nos passeios a pé pelas ruas.
Pior ainda é a enorme quantidade de veículos que circulam no Brasil com filme no para-brisa — e daqueles bem, bem escuros. Tem gente que alega que é questão de segurança. Se sim, de quem? A própria polícia já diz que é um problema, pois nem eles nem outros podem ver, por exemplo, a cara de pânico de alguém sequestrado. Ou quem está dirigindo. Ou qualquer outra coisa que se passe no veículo — como um menor ao volante ou atitudes suspeitas.
Dizer que carro com Insulfim é menos visado por ladrões porque não veem o que há dentro é bobagem. Talvez tenha sido anos atrás, no início da moda, mas os ladrões escolhem modelo e cor de veículo. Se a questão é quebra de vidro para furtar objetos, quem deixa uma mochila ou um laptop à vista no banco traseiro? Nem com G5…
Se filme nos carros melhorasse a segurança com o aumento dessa moda os índices teriam caído. Mas eis que, ao contrário, aumentaram. Segundo a Confederação Nacional de Seguros, 57 carros foram furtados por hora no País em 2015. Detalhe: é por hora, mesmo! Em Manaus foi onde o roubo e furto de carros mais cresceu no ano passado — foram mais 25,63% em relação ano anterior. Já estive em Manaus e justamente pelo fato de ser bem mais perto do equador os manauaras acham que o Insulfilm ajuda a “refrescar” o carro, proteger o estofamento etc. Não consegui indicadores sobre a proporção de carros com ou sem filme, mas é lícito supor que haja muitos veículos “filmados”.
E o que dizer de visibilidade ao estacionar, manobrar ou dirigir? Se de dia já é extremamente reduzida, a noite ou em ambientes fechados ela vira zero. Eu mesma percebi a diferença com a troca do carro — e olha que não tinha nada no para-brisa. De repente, a sinalização da cidade, que é péssima, passou a não ser assim tão ruim. Não é que as placas das ruas estivessem tão ilegíveis assim, nem tão sujas. Meu vidro é que impedia a visibilidade. Não raramente abria as janelas dianteiras para enxergar um pouco melhor, especialmente os retrovisores e as ruas transversais. Quem defende o filme deveria fazer o teste. À noite e com chuva, então, nem se fala. Um mundo totalmente novo se abre diante do motorista!
Outra vantagem que na minha viagem ficou ainda mais nítida é como melhora a dirigibilidade sem o filme — não apenas da gente mas de todos os carros. Você ver através do carro da frente ajuda a dirigir defensivamente e a antecipar manobras. Ver dois ou três carros adiante nos facilita frear na distância correta e mesmo perceber se o carro à nossa frente freia desnecessariamente ou muito em cima da hora. E é evidentemente mais fácil ver se o outro motorista está nos vendo, se ele nos dá passagem, em fim, tudo.
Em termos de legislação, a Resolução 254/07 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), diz que os vidros com as películas escurecedoras devem ter, no mínimo, as seguintes porcentagens de entrada de luz: 75% para os vidros incolores, 70% para os vidros coloridos no caso do para-brisa, 70% para vidros laterais dianteiros, 28 % para vidros laterais traseiros e 28% para vidros traseiros. Como disse, desde que dirijo carro sem nenhum filme minha dirigibilidade melhorou muitíssimo. Prefiro mil vezes visibilidade de 100% do que algo parcial. Quanto à segurança, quem não conhece alguém que tenha sido roubado ou furtado num carro com filme? Pela própria quantidade de veículos que circulam com ele, diria que a maioria está dentro dessa categoria.
Em resumo, a legislação em vigor permite os seguintes índices de translucidez:
E preciso falar dos filmes de má qualidade ou mal colocados, que deixam os vidros manchados? Dirigir um carro assim é como dirigir com uma catarata braba… A legislação, sempre excessivamente detalhista naquilo que não precisaria ser mas de forma a evitar brechas que, no entanto, surgem, exige o selo de translucidez e obriga as autoridades a terem aparelho para aferir a transparência, aprovado pelo Inmetro e homologado pelo Denatran. Eu simplificaria as coisas se pudesse. Como se faz nas degustações de vinho, estabeleceria uma folha padrão (com diversos padrões, claro, para evitar a “decoreba”). Se colocada dentro do carro de fora não pudesse ser lida, mandaria arrancar o filme. Simples assim. Mas eu sempre fui pragmática.
Mudando de assunto: Depois do final da temporada de Fórmula 1, agora chegou o fim da de Stock Car. Bonita corrida e valeu a pena ver a experiência de Rubens Barrichello e a juventude de Felipe Fraga disputando. E Interlagos com chuva é sempre show — claro, para mim que estou em casa, vendo pela televisão e não atrás do volante. Agora voltarei meu controle remoto nos finais de semana para os campeonatos europeus, que ninguém merece ficar três ou quatro meses sem ver corrida…
NG