Autoentusiasta é um bicho grilo difícil de entender. Gosta de coisas não muito comuns frente à sociedade comum, gosta de peruas quando as mesmas estão sendo preteridas por SUVs, gosta de câmbio manual quando a tendência são caixas automáticas/automatizadas, gosta direção sem assistência frente aos sistemas elétricos, não gosta dos homenzinhos verdes interferindo na sua vida atrás do voltante… ainda bem que eu me enquadro em tudo o que escrevi até agora!
Onde quero chegar: há coisa de um ano atrás eu estava num ritmo alucinante de trabalho e o ônibus fretado que a empresa nos disponibiliza não estava me servindo, pois eu tinha que viajar muito, entrar mais cedo, sair mais tarde, enfim, e estava usando muito meu xodó, o velho e bom Voyage CL 1,8 tutbo para me deslocar até a empresa (já que a senhora SpaceFox fica full time com dona patroa durante a semana), o medo de tomar uma esbarrada no caótico trânsito de São Paulo não me deixava tranquilo.
Comecei a pensar em comprar outro carro, quando uma bela noite a esbarrada aconteceu: uma moça desatenciosa quebrou uma das lanternas traseiras do meu querido xodó. Ali foi a gota d’água: decidi comprar outro carro para trabalhar.
Pois bem, vamos às premissas: teria que ser econômico, robusto, confiável, não visado e barato. A primeira opção que me veio à cabeça foi um Escort (91 a 96), de preferência CHT 1600, pois tem a manutenção muito simples e é econômico. Fui ver vários, quase fechei com um belo exemplar de único dono, mas a falta de palavra do proprietário fez o negócio melar.
Até que um belo dia, um amigo me avisou sobre um anúncio de um Gol Special 2001, único dono, que fora postado no quadro de anúncios da fábrica. A princípio não dei muita bola — sabe àquele ditado que quando a esmola é grande o santo desconfia?—, o preço era convidativo, e pelas fotos o carro parecia muito bom para o preço. Liguei para o dono, um também funcionário da VW, conversamos um pouco, mas não me empolguei. Logo em seguida viria o Carnaval e viajei sem ver o carrinho.
Na volta, por insistência do amigo que viu o anúncio, liguei novamente para o dono e agendei de ir ver o carro. Saí às 17h00 e fui até a casa do proprietário. Quando cheguei na frente da casa o sorriso já bateu de orelha a orelha, gostei logo de cara.
Fui recebido pelo casal, e cada vez mais gostando do carrinho, vi que era muito acima da média. O hodômetro marcava 94.000 km, todos os licenciamentos, manual, chave-reserva, tapetes com logotipo VW etc., era bom demais para ser verdade. Dei uma voltinha no quarteirão e ainda chorei um desconto (o preço pelo estado do carro já estava ótimo) e este ainda me foi concedido!
Negócio fechado, fiz todo o trâmite de documentação e bancário e dias depois fui buscar a nova aquisição.
Era um carrinho todinho original, virgem de tudo, mas para se tornar confiável eu precisava lhe dar uma revisão geral, e assim foi feito. Os quatro pneus eram novos, a suspensão estava em ordem, troquei óleo e filtros, anti-chama, correia de serviço, cabos de velas, velas, tampa do distribuidor, rotor. A correia dentada havia sido trocada há pouco. Sangrei freios, troquei discos, pastilhas, dois cilindros de roda traseira e regulei o freio de mão de estacionamento. Troquei as buchas do trambulador (claro que coloquei as originais, R$ 20 o jogo) e dei uma bela encerada /polida. R$ 800,00 tudo!
Comecei a rodar com o carrinho, ele não tem luxo nenhum, nada, nem rádio (jamais instalado), mas roda silencioso, suave, os humildes 57 cv estão todos ali, cambiando no tempo certo, o velho EA111 (comercialmente conhecido nessa geração como AT ou Tassi) anda rápido, sua faixa de torque é plana, anda -se fácil com ele.
Ainda fiz mais melhorias, revisei todo o sistema de arrefecimento (aditivo de qualidade com água desmineralizada, todas as mangueiras novas, vaso expansor, válvula termostática, carcaça e bomba d’água novas), agora tinha ficado dez!
Onde eu quero chegar com esse enorme texto? Como eu podia me apaixonar por esse carrinho?
Ele não tem nada, mas acho que é isso que me encanta, não tem assistência nenhuma, é cru, leve, pelado, tudo depende de você, aquela tocada limpa, macia, você é o responsável por ela, ascender e reduzir marchas sem um mínimo tranco, não perder o embalo dos 57 pôneis, acertar cada reduzida para subir feito um foguetinho as ladeiras da divisa de Diadema, dar os punta-taccos na estrada Galvão Bueno, você é o cara, se errar, os homenzinhos verdes não estarão ali para maquiar o erro!
Como pode um simples Gol Special tornar o nosso dia a dia mais feliz? Pois é, tornou e torna todos os dias!
Isso é ser autoentusiasta!
LHGJr
São Paulo – SP