Déjà vu, conhecida expressão da língua francesa, significa algo que já viu antes. Esse “antes” é a indústria sucroalcooleira elevar o preço do álcool etílico hidratado carburante, AEHC, ou simplesmente álcool — o AE não usa o termo etanol, como o leitor sabe — pela enésima vez em sua história de 40 anos sob a égide do Proálcool com a esfarrapadíssima desculpa da elevação dos preços do açúcar nos mercados internacionais.
Devido ao fato — auspicioso para a balança de pagamentos do país sem nenhuma dúvida — a produção de álcool cai, a oferta acompanha e a lei da oferta e procura entra em ação levando a preço mais alto do produto — explicação mais esfarrapada, impossível. Fazendo uso de um velho ditado, adaptado para não empregar termo chulo, o que o ânus tem a ver com as calças? Nada, obviamente.
Quando não é estratégia comercial, como agora, há a desculpa da “entressafra”, que baixa os níveis de álcool estocado, “justificando” seu preço mais alto.
Essa atitude dos produtores de álcool é vergonhosa e mostra total falta de comprometimento com a nação. Eles agem como se o álcool fosse commodity negociada em bolsas, como ocorre com o petróleo.
Para complicar, o “isperto” país chamado Brasil resolveu que gasolina tem de conter álcool em 1/4 ou mais do seu volume, dessa forma o preço do álcool influindo pesadamente num combustível que nada tem a ver com o produzido a partir da cana-de-açúcar. Nos países não tão “ispertos” a porcentagem de álcool é 10%, servindo apenas como aditivo antidetonante.
Ou seja, continuamos a padecer de uma autêntica maldição energética. Até quando?
Os noticiários informaram que o maior aumento ocorrido esses dias foi no município de Ribeirão Preto (SP). Adivinhe o leitor qual região é campeã na produção de álcool? Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três… Ribeirão Preto!
Isso me faz lembrar de uma reportagem-anedota num posto de combustíveis numa dessas altas de preço do álcool alguns anos atrás. O repórter perguntou a um consumidor ao volante qual combustível utilizava. “Uso álcool, é bom para o meio ambiente”. Mas o jornalista informou ao consumidor que o preço do álcool havia subido muito e perguntou se mesmo assim ele continuaria a abastecer com produto. “Nesse caso vou usar gasolina”, respondeu o entrevistado com a mais dura das caras. Milhões devem ter visto essa reportagem da TV Globo.
Disso tudo, duas conclusões. Uma, a indústria sucroalcooleira forçou a barra para haver uma solução que livrasse sua cara quando resolvessem aumentar os preços: o carro flex. Tanto que a UNICA (União da Indústria da Cana de Açúcar) coassinou anúncio da Volkswagen quando do lançamento do Gol 1,6 Total Flex em 20 de março de 2003. Mas se comprometer com o mercado a variar preços em função apenas de custos, como faria uma entidade séria, nem pensar…
O segundo ponto é que a UNICA, conhecedora do caráter do brasileiro, um dos traços mais negativos sendo o querer levar vantagem em tudo (a Lei de Gérson), viu aí mais uma saída para livrar a cara dos seus associados, o carro flex. Use-se o combustível que “der mais vantagem”, como disse o tal entrevistado no posto de abastecimento.
Mas o aumento recente não ficará no déjà vu, não. A “estratégia” já está sedimentada nas mentes dos dirigentes da indústria sucroalcooleira. Afinal, eles sabem que há milhões de patos para sustentá-los.
AE/BS
Foto de abertura: Usina São Martinho, em Pradópolis, na Grande Ribeirão Preto (SP)