Muito já se escreveu a respeito do Ford Del Rey, sedã derivado do Corcel II e que ainda é lembrado em prosa e verso como o mais luxuoso veículo brasileiro de todos os tempos. Exageros à parte, realmente o Del Rey marcou época com seu desenho sedã clássico, acabamento interno primoroso e alguns detalhes que se destacaram ao longo de seus dez anos de vida. Desenhado no Brasil como projeto Ômega, era praticamente o desenho do Ford Granada MK2 europeu, em escala menor.
Apresentado à imprensa especializada em maio de 1981, em evento memorável na Ilha de Itaparica (BA), o Del Rey chegava ao mercado brasileiro com carroceria de duas e quatro portas e em duas versões de acabamento. Chamava a atenção sua grade dianteira com elementos verticais cromados, muito chique. Logo em seguida chegou à bonita e charmosa perua Del Rey Scala que maravilhou a imprensa com suas linhas harmoniosas e acabamento primoroso, inclusive do compartimento de bagagens.
A versão Ouro, a mais completa, continha itens de série que não eram comuns nos carros de categoria semelhante, por exemplo, rodas de liga leve, vidros e travas elétricas nas portas, retrovisores externos com ajuste interno, bancos em veludo, faróis de neblina, rádio AM/FM estéreo com toca-fitas conjugado e luzes de cortesia para leitura. Apresentava alguns destaques dignos de elogios: para-brisa em vidro laminado, que oito anos mais tarde se tornaria obrigatório pelo Contran; cintos de segurança retráteis de três pontos, com travamento pendular para motorista e passageiro; charmoso relógio digital no teto, painel de seis instrumentos com antológica iluminação azul e laranja; ar-condicionado super eficiente, em complemento à ótima ventilação interna; bancos confortáveis ao extremo, incluindo bom apoio lateral para segurar o corpo em curvas; carpete composto em fibras naturais e poliéster dando um ar de requinte e luxo, entre outros mimos; o perfume de carro novo era notório na cabine.
Como nem tudo são flores, o Del Rey foi duramente criticado pela imprensa e pelos consumidores pelo seu fraco desempenho. Com o mesmo motor do Corcel 1,6 e com 100 kg a mais, acelerava de 0-100 em raquíticos 21 segundos, com velocidade máxima de 140 km/h. Outro item passível de reclamação foi resultante da suspensão traseira, em que com o veículo totalmente carregado comprimia muito e desnivelava o veículo com relação à dianteira, “parecendo que iria decolar”.
Todos os testes de comportamento dinâmico e de durabilidade estrutural foram efetuados no Campo de Provas da Ford em Tatuí (SP), dos quais participei ativamente, deixando escapar alguns detalhes que foram corrigidos ao longo do tempo, principalmente a suspensão traseira.
O que o consumidor elogiava era o baixo consumo de combustível tanto na cidade quanto na estrada, 8,5 e 13,0 km/l com gasolina, respectivamente. A Ford aproveitava esta boa característica para alardear através da imprensa o “luxo com economia”. No aspecto economia de combustível, alguns projetos foram idealizados para ajudar o motorista a dirigir economicamente. Um deles associava uma luz indicadora com uma faixa verde no conta giros e outro, um novo aparelho, que constava de conta-giros e vacuômetro mecânico trabalhando em conjunto. Nenhum dos dois projetos foi aproveitado, ficando somente na lembrança.
Em 1983 o Del Rey ganhou câmbio automático de três marchas. Era um transeixo Renault importado da França que trouxe mais problemas que soluções. Seu conversor de torque era inadequado para o fraco motor, fazendo feio em desempenho. A rotação na condição de stall era muito baixa, prejudicando enormemente a desempenho, principalmente em ladeiras.
Contando um fato interessante, em 1984, patrocinado pela revista Quatro Rodas, doze veículos nacionais foram testados no Autódromo de Interlagos pelo piloto Ayrton Senna, incluindo um Del Rey. Comentou Senna: “O ponto alto do carro é o painel de instrumentos, o mais bonito e completo dos carros nacionais, veículo macio e confortável, adequado ao fim destinado, boa posição de dirigir com bancos que seguram o corpo muito bem em curvas….”
O fraco desempenho do motor Renault do Corcel colocava a Ford continuadamente em cheque e a saída vislumbrada pela engenharia foi instalar um motor “de prateleira”, no caso o OHC 2,3-L já utilizado no Maverick e na linha Jeep, gerando o programa Ômega II ou o novo Del Rey. Na realidade o programa era abrangente, mudando radicalmente a carroceria e incluindo três versões, um sedã, uma perua e também uma picape derivada.
Foi somente um sonho, pois o projeto não saiu do papel na Engenharia Avançada, além de um modelo de estilo. Ficou tão complicado e caro que a diretoria cancelou o dito cujo antes tarde do que nunca, ficando como lição aprendida. O último trabalho referente ao programa Omega II foi teste de um modelo em escala 3/8 nas instalações do túnel de vento do CTA – Centro Técnico Aeroespacial, em São José dos Campos. Foi a “pá de cal” no enterro do interessante e moderno projeto de um novo Del Rey.
Para o modelo 1985, o Del Rey se remodelou com nova frente incluindo grade aerodinâmica com lâminas de perfil aeronáutico padrão NACA (National Advisory Committee for Aeronautics) e um defletor que emoldurava os faróis de neblina. As rodas de liga foram substituídas por rodas de aço maiores com pneus 195/60R14. Os freios também melhoraram em desempenho com discos ventilados dianteiros e válvula equalizadora de pressão que impedia travamento prematuro das rodas traseiras.
A versão Ouro passou a se chamar Ghia e as outras versões, mais simples e intermediária, de “GL” e “GLX”, respectivamente. O velho motor do Corcel chegou mais remodelado na versão CHT, já no modelo 1984, com novo cabeçote e outras melhorias no sistema de admissão e escapamento, incluindo o comando de válvulas.
Também os processos de manufatura/usinagem foram praticamente refeitos, gerando significativa melhoria de qualidade. Ganhou um pouco a mais de potência, porém não foi suficiente para melhorar significativamente o seu desempenho, continuando as reclamações por parte dos consumidores. Com a aposentadoria do Corcel em 1986, o Del Rey ganhou a versão “L” como tentativa de reposicioná-lo em seu lugar, um degrau acima do Escort.
Como curiosidade, em 1986, a Ford exportou um lote de 3.000 Del Rey para a China, com direito a manual do proprietário escrito na língua inglesa. Nestes modelos a direção assistida hidráulica já era item de série assim como o acionamento elétrico dos espelhos retrovisores.
Em 1989, já no período Autolatina, o Del Rey recebeu motor e câmbio Volkswagen, o mesmo conjunto do VW Santana. O motor AP 1,8-L deu-lhe nova vida, porém chegou tarde demais. Com suas vendas em queda vertiginosa, o Del Rey deu adeus ao mercado brasileiro em 1991, com 350.000 unidades vendidas em dez anos de produção. Cedeu lugar ao “Santana” da Ford, o bonito Versailles, e a “Quantum” da Ford, a simpática perua Royale, ambos cultuados ainda hoje por uma legião de fãs.
Hoje a homenagem vai para o próprio Del Rey, carro emblemático lembrado por seu luxo, conforto e acabamento primoroso, marcando a Ford como destaque nestes aspectos, até os dias de hoje.
CM