E foi nos idos de 1987 que as duas potências, Ford e Volkswagen, se uniram formando a holding Autolatina. Na realidade a Ford estava muito fragilizada no mercado e a união foi providencial, dando condições potenciais para a recuperação da marca no Brasil.
E vários foram os frutos deste casamento: a linha Ford, Escort, Verona, Belina, Del Rey e Pampa utilizando motorização Volkswagen AP; a família BX, Gol, Voyage, Parati e Saveiro adotando o motor Ford CHT-AE (AE de ‘Alta Economia’); o Versailles e Royale, versões Ford do Santana e Quantum; o VW Logus e VW Pointer derivados do Escort MkV; e o VW Apollo, derivado do Verona, ambos derivados do Ford Orion europeu. Uma verdadeira salada mista difícil de temperar.
Como detalhe curioso, o Versailles e a Royale não eram fabricados na fábrica da Ford, mas sim na fábrica da VW, na mesma linha de montagem do Santana e Quantum. Como os carros possuíam a mesma plataforma e a mesma mecânica era muito mais barato produzi-los na mesma linha de montagem, assim como acontecia com os VW Apollo, Logus e Pointer, que eram todos produzidos na fábrica da Ford, na linha de montagem do Escort e Verona.
Creio que o mais emblemático veículo Autolatina tenha sido o VW Pointer, tanto pelo seu desenho quanto pelo seu desempenho. Atraente, com quatro portas e linhas limpas aerodinâmicas, possuía um sutil defletor integrado à tampa do porta-malas que dava um charme ao conjunto. Seu design foi basicamente pincelado por Luiz Alberto Veiga, do departamento de estilo da Volkswagen no Brasil, auxiliado pela sua matriz na Alemanha. Por incrível que pareça, a sugestão de seu nome veio do departamento de marketing da Ford, que o resgatou, do já cultuado Passat Pointer.
Exceto o motor e o câmbio, toda a mecânica do Pointer era Ford, incluindo a plataforma e grande parte da carroceria, sendo praticamente um facelift do Ford Escort MkV, os faróis, lanternas, grade, para-choques e painel de instrumentos, além dos bancos Recaro.
Apresentado ao público em outubro de 1993, causou boa impressão e muitos comentavam não parecer um Volkswagen. Mostrado nas versões CL e GL, foi destaque na versão esportiva GTI, com motor 2-litros, bancos Recaro e um painel de instrumentos bem “Wolfsburg” em sua essência.
O Pointer tinha uma carroceria muito bem estruturada, porém com falhas de vedação, principalmente da tampa traseira, susceptível à entrada de água no interior do veículo. O problema que mais incomodou o consumidor foi o câmbio com relações de marcha muito curtas, gerando insatisfação com o alto consumo de combustível e ruído interno excessivo. Para se ter uma ideia, a 120 km/h em quinta marcha, o motor girava a 4.200 rpm. Este problema foi rapidamente corrigido pela Volkswagen com a adoção de um câmbio com relações mais longas.
De maneira geral, o consumidor elogiava o seu desempenho e dirigibilidade graças à motorização VW AP-2000, gerenciada pelo moderno e eficiente sistema de injeção eletrônica EEC-IV da Ford. Casamento perfeito!
Entre outros pontos positivos reconhecidos pelo consumidor se destacam o conforto de rodagem, o espaço interno, a posição de dirigir, a sensação de robustez de sua carroceria, os bancos e seu estilo exterior atraente. Os pontos negativos reclamados foram basicamente a vedação contra água e poeira, o rangido da suspensão dianteira, o raspar do para-choque dianteiro em passagem por lombadas, a manutenção dispendiosa e os ruídos internos frequentes em piso irregular. O raspar em lombadas foi devido a insistência da VW em diminuir a altura livre do veículo em 15 mm, voltando às origens da atitude do Escort europeu.
O Pointer chegou em época difícil, marcada por mudanças relevantes na economia brasileira. Houve a abertura aos mercados internacionais, facilitando a entrada de novos produtos e gerando forte concorrência aos produtos tupiniquins. Exemplo disso foi o Fiat Tipo, barato e mais moderno tecnologicamente que os produtos locais, sendo pedra no sapato das nossas fabricas durante um bom tempo. Em 1995, no auge de suas vendas, o Fiat Tipo sofreu um grave e infeliz episódio que maculou para sempre a imagem deste veículo no Brasil: os incêndios. Este foi o trauma de 100 proprietários de Tipo vendo seu carro pegando fogo sem qualquer razão aparente. Após muitas informações contraditórias, foi constatado que o problema era causado por vazamento do fluido do sistema hidráulico da assistência de direção, que sendo altamente inflamável, terminava por cair sobre o coletor de escapamento, extremamente quente e se incendiava. Este fato acabou definitivamente com a imagem do Fiat Tipo no Brasil. Veja o leitor como é importante analisar os modos de falha do veículo antes de colocá-lo em produção seriada.
A partir de 1995 o Pointer sofreu com a canibalização do Golf, veículo de alto padrão técnico e de manufatura, na época importado do México e Alemanha. Na realidade o Golf tomou de vez o posto de hatch médio da Volkswagen no Brasil. Em 1996, a Autolatina deixou de existir e o Pointer se despedia do mercado com somente 32.746 unidades vendidas em três anos de produção. Hoje o Pointer é disputado por colecionadores, sendo difícil encontrar um exemplar em bom estado para restauração.
E como sempre encerro a matéria com um elogio. Desta vez vai para o leitor, que com seus comentários e sugestões, me incentiva, como editor do AE, a melhorar continuamente a comunicação escrita e o conteúdo das matérias.
Aproveito para fazer rápida retrospectiva de 2016, referente às minhas publicações.
Foram 28 matérias publicadas, média de 2,33 por mês e dez com mais de 3.000 visualizações:
De terno e gravata / 3095 visualizações
Difícil escolha / 3151
Roda que te roda + Comentário vira matéria / 4288
O câmbio nosso de cada dia / 4988
Elefantes brancos / 4174
O Simca Chambord e seu polêmico motor V-8 / 4254
Sem embaçar / 3629
O que passou, passou / 4485
A importância do conjunto / 3326
O Ford LTD / 3338
Obrigado e Feliz 2017!
CM