Hoje vou falar de um fato que ficou em segredo por muitos anos, mas nem por isto é algo que eu tenha feito de errado.
Eu era funcionário da Volkswagen do Brasil desde 1968, quando em fevereiro de 1984, por ocasião das comemorações dos 25 anos de produção no Brasil deste fenômeno chamado Fusca, a empresa criou um grande concurso de contos envolvendo o carro, com uma atraente e maravilhosa premiação para o vencedor.
A Diretoria Adjunta de Relações Públicas e a divisão Estratégica de Marketing lançaram, através da rede de concessionárias Volkswagen, o concurso “Grande Concurso Fusca 25 Anos.”
Todo brasileiro já teve um Fusca, ou pelo menos tem uma interessante história para contar sobre ele. Seguramente histórias com emoção, engraçadas, românticas, e outras. Este concurso visava premiar as melhores histórias vividas com um Fusca, dando ao primeiro colocado um Fusca Especial e ao segundo colocado, um Fusca normal, ambos 1600, a única motorização a partir do ano-modelo 1984. O Especial consistia de rodas e pneus de Brasília (5.90-14) e faróis de longo alcance Cibié. O normal tinha rodas de 15 polegadas e pneus 5.60-15.
Este concurso teve na época uma enorme divulgação, sendo uma das mais importantes a feita durante meses pela revista Quatro Rodas e, logicamente, aproveitando toda a rede de aproximadamente 750 concessionárias VW.
A única exigência para participar deste concurso era utilizar um formulário padrão que seria entregue ao interessado pela concessionária da sua cidade ou qualquer outra. Não era preciso comprar nada e muito menos ser dono de um VW, bastava ter um interessante caso acontecido entre o autor do conto e um Fusca.
O julgamento das dez melhores histórias seria realizado por um júri de jornalistas convidados pela fábrica e, logicamente, por representantes das áreas da fábrica promotoras do concurso.
Eu tinha uma história para contar. Emocionante, romântica, mas havia uma dúvida: funcionários da empresa poderiam participar? No formulário estava bem claro, qualquer pessoa poderia concorrer.
Contudo, achei melhor não perguntar se eu poderia ou não participar, a prudência era ficar quieto. Mas como eu tinha confiança na minha história — contada abaixo — resolvi contá-la fazendo-me passar pelo envolvido direto nela, um amigo do meu cunhado Flávio chamado Luiz Colet Lacerda.
Muito importante dizer que a decisão de eu contar a história do casamento deste amigo do meu cunhado só foi possível porque ele mesmo declinou de fazê-lo. Tentei convencê-lo, mas ele disse não ter jeito para isso e que se eu quisesse ele me autorizaria até por escrito se necessário.
Como o sinal verde dado, escrevi a história e intitulei-a “O padrinho”.
Veja, na íntegra, a história por mim escrita (pode ser vista também nos fac-símiles do formulário acima):
“Num belo dia de verão conheci uma linda garota loira, de grandes olhos castanhos e que não tinha mais do que 1,55 m de altura. Depois de uma paquera irresistível, aceitou meu convite e fomos tomar um lanche no bar ao lado do nosso colégio.
Isto aconteceu em 1963. Naquela época jamais poderia imaginar que hoje estaria casado com a linda loirinha chamada Cecília.
Foram seis anos de tumultuado namoro, havia entre nós muitos pontos conflitantes. Eu gostava de preto, ela de branco, queria ver um filme e eu outro. Mas nem tudo era discussão, em um ponto nós nos acertávamos muito bem: amávamos nosso carrinho, um Fusca.
Do ano 1965, bem conservado, o Fusca era nosso aliado de todos os programas. Nunca faltou ao serviço, sempre fiel, um criado às nossas ordens. Na verdade, Cecília tinha até um pouco de ciúmes dele de tanto que eu o cuidava. Mas eu sabia que um dia ele nos compensaria por todo este trato.
E não é que este dia chegou?
Dia 10 de janeiro de 1969. Dia do nosso casamento. Local: Pontifícia Universidade Católica em São Paulo, no bairro das Perdizes. Horário, 19:00 h. Convidados: aproximadamente 250 pessoas.
Mas, onde está o noivo? – Todos perguntavam. Sim, isso mesmo. A noiva à porta da igreja e o noivo ainda não havia chegado.
Houve um tremendo temporal, aqueles típicos de verão. O trânsito estava um caos. Árvores caídas e o pior: sem energia elétrica! Ruas e casas às escuras.
— Mas acabar a luz numa hora dessas? Não é possível, como vamos nos casar sem luz? — dizia Cecília prestes a chorar.
Aí que surgiu a grande ideia. O meu Fusquinha iria nos ajudar. Como num toque de mágica o carro foi colocado na porta da igreja e a iluminação gerada por seus faróis foi suficiente para que o padre anunciasse a nossa união. O nervosismo acabou assim que os faróis do Fusca iluminaram o altar. Tudo deu certo. Saímos da cerimônia felizes da vida como demonstra a foto, e felizes vivemos até hoje. Cecília minha mulher, Simone que está com 13 anos, Luiz, com 11 e as gêmeas Liliane e Cristiane, com 5 anos e um outro Fusca, também querido como aquele que foi o nosso “PADRINHO DE HONRA”.
Bem, agora posso dizer. O casamento foi deles e a história, minha. O Fusca do casal acabaria dando lugar a uma Kombi, uma vez que tiveram dois filhos mais as gêmeas e todos em um Fusca ficariam meio apertados.
Mas a história não termina aí.
Durante o período de análise das histórias por parte dos jornalistas eu andava tão ocupado, tanto com minha atividade quanto com a nova, a VW Motorsport, que nem me lembrava mais do concurso. Meu amigo e compadre Wilson Passos, meu sucessor no escritório do Rio de Janeiro, questionado por um cliente sobre o resultado do concurso, soube que a vencedora tinha sido a história do “Padrinho”. Como ele sabia que esta história era minha, imediatamente me comunicou do fato. Pulei de alegria aqui em São Paulo mas pensei: e agora? O que vou contar ao noivo, agora marido, Luiz Colet Lacerda?
Contei, ele ficou muito feliz pela minha vitória e o preparei para que se fosse contatado pelos setores internos da VW, em que seria convidado a ir até à fábrica para um almoço e receber seu prêmio de 1º lugar, um Fusca Especial zero-quilômetro. Este almoço de fato aconteceu e, na saída, mais uma surpresa.
Lá estava eu com as mãos abertas para receber as chaves do carro-prêmio que, afinal, era meu de fato, mas não de direito. Não houve questionamento. Depois de comemorarmos a vitória, a promessa de que caso a história fosse vencedora o prêmio seria meu, foi cumprida. O Luiz, muito a contragosto, entregou-me as chaves do carro e uma autorização por escrito para retirá-lo da fábrica.
Com a venda do carro, completamos o valor necessário para a compra da nossa casa aqui em São Paulo. Somos amigos até hoje e Cecília e Luiz, assim como Lúcia e eu, já temos nossos netos.
Esta história acabou sendo publicada no livro “Eu amo Fusca II – uma coletânea de causos de felizes proprietários de Fusca”, de 2004, de autoria do hoje também colunista de AE, Alexander Gromow, a quem sou grato por sua publicação.
Espero que você tenha curtido esta longa mas valiosa história. Só para sua informação, foto de abertura é meramente ilustrativa, já que a foto do Fusca iluminando a igreja é de formato retrato (9:16) e não se encaixa no formato existente para esta foto específica no AE. A propósito, é uma das grandes cenas do filme “A noviça rebelde” (The sound of Music), de 1965, que mostra a cerimônia do casamento do viúvo Capitão von Trapp (Christopher Plummer) com a noviça Maria (Julie Andrews).
Ia esquecendo de um detalhe importante: o Fusca “padrinho” era meu e fui eu quem teve a ideia de usá-lo para iluminar a igreja, como também fui eu quem o manobrou para se esgueirar entre as colunas da igreja, com folga mínima de cada lado, como a foto mostra. Era um modelo 1965, portanto com sistema elétrico de 6 volts, porém bem equipado, como dupla carburação Okrasa, garras de para-choque do modelo alemão e, o mais importante, dois faróis de longo alcance usados em rali instalados com relê, daí a boa iluminação resultante. O adesivo no vidro traseiro é da Porsche, carro dos meus sonhos que até hoje, infelizmente, não realizei ainda. Mas, quem sabe?
RB