Na terceira semana de janeiro (e de seu mandato) o prefeito de São Paulo, João Dória Jr., anunciou uma parceria com a Fiat por meio da qual a fabricante de veículos consertará e recuperará 150 veículos da frota da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) que estavam sem condições de circular (foto de abertura). E ainda dará de presente outros dois carros zero-quilômetro. Tudo isto sem custo algum para o poder público. Também foi anunciada a doação de 20 motos XRE 300 da Honda e 6 XTZ 250 Ténéré da Yamaha. Todas elas para uso da Guarda Civil Metropolitana e da CET. Além de 10 picapes L-200 da Mitsubishi, adaptadas com guinchos e todos os equipamentos de segurança.
Em tempos como o atual, com zilhões de teorias da conspiração a cada minuto sobre absolutamente qualquer assunto, antes que os adeptos disso digam algo o prefeito e a fabricante fizeram questão de dizer que não há contrapartida alguma nestas ações — apenas a divulgação de uma ação positiva.
Como jornalista que também trabalhou muito tempo na área de Comunicação Corporativa e relações públicas (sim, fiz pós-graduação nessa área), posso afirmar que todas as empresas, especialmente as multinacionais, têm recursos disponíveis de pronto para ações desse tipo. E que adoram uma divulgação positiva. Eu mesma ralei muito para conseguir notícias positivas nas empresas em que trabalhei e sei do valor que isso tem.
Não é propaganda paga, é relações públicas, sem custo, e por isso mesmo muito mais eficiente. Afinal, como explicava aos meus alunos de Comunicação Corporativa, você falar bem de você mesmo é algo de pouco alcance. Quando um terceiro faz isso por você e um jornalista vê valor editorial nisso, é como aquele cartão de crédito: não tem preço. E é isso o que acontece quando as pessoas postam e compartilham notícias deste tipo em seus perfis no Facebook. Por exemplo.
E, no caso, da Fiat, nem me ocorre alguma “compensação”. A fábrica não tem unidades na capital, sob cuja esfera o prefeito poderia conceder alguma vantagem, tributária ou não. Nem os fãs das teorias da conspiração ou militantes da oposição levantaram alguma suspeita sobre este acordo. Além disso, outros governos (inclusive vários com poder de realmente dar algum tipo de benefício) aceitaram carros como doação de fabricantes de veículos. Um que me lembro de bate-pronto é o “Fome Zero”, do governo federal de mandatos anteriores.
Confesso que não consigo acompanhar todas as notícias da Prefeitura. São tantas e em tantos âmbitos que mesmo uma leitora e fuçadora compulsiva como eu encontra dificuldades em saber de tudo. Esse é o lado bom.
Mas ainda uma notícia aparentemente boa como esta traz algo de ruim. Como assim, a CET tinha 150 veículos parados por falta de peças ou de manutenção? Não consegui informações atualizadas sobre a frota total da companhia, mas qualquer que seja o número 150 carros sem funcionar é muito. O dado mais recente que encontrei é de 2011. Segundo informações da CET prestadas ao jornal O Estado de S. Paulo, naquela época a CET tinha 1.088 veículos em sua frota. Ou seja, se o número tivesse se mantido estaríamos falando de quase 14% da frota total parados nos pátios da empresa sem melhorar o trânsito e, ainda por cima, sofrendo desvalorização. E esse volume é mais do dobro do que a companhia tinha em janeiro de 2005, quando havia 703 veículos pertencentes à CET.
Quem não se lembra da briga jurídica do prefeito anterior para conseguir usar os recursos levantados com multas no pagamento de outras coisas e não de ações de melhoria do trânsito, como diz a lei? Até que em dezembro de 2016 a Justiça acabou isentando o prefeito e o então Secretário Municipal de Transportes da acusação de improbidade administrativa por terem usado o dinheiro das multas em pagamento de contas. O então governo municipal havia utilizado esses recursos no pagamento de salários de funcionários e serviços da CET, assim como na implantação de ciclofaixas e terminais de ônibus, quando o Código de Trânsito Brasileiro obriga que os recursos levantados com multas de trânsito seja usados exclusivamente em sinalização de trânsito e educação para o trânsito, entre outros. A juíza do caso, no entanto, proibiu a administração pública de usar os recursos do Fundo Municipal de Desenvolvimento do Trânsito para o pagamento de despesas correntes. Lembrando que apenas no primeiro semestre de 2016 a administração municipal obteve uma receita de R$ 672,762 milhões com autuações. O volume havia sido recorde para o período e representa um aumento de 46,18% quando comparado ao mesmo período de 2015.
A Justiça deu ganho de causa à Prefeitura parcialmente não porque não exista “indústria da multa” mas sim porque o Ministério Público não incluiu nenhuma prova no processo para sustentar sua teoria. Agora cabe recurso do Ministério Público ao Tribunal de Justiça. Ou seja, ainda utilizando recursos de forma discutível, a CET deixou encostar 150 veículos.
Juro que não entendo, já que arrecadação com multas foi recorde. Ou seja, dinheiro tinha de sobra para arrumar veículos que deveriam estar circulando para fiscalizar o trânsito, remover veículos parados em locais proibidos ou em pane, entre outras várias utilidades que esses carros deveriam ter e que deveria fazer o trânsito fluir. Parece óbvio que havia se deixado tudo para que os radares fizessem o trabalho que deveria ser de uma companhia de engenharia de tráfego. Mas multa de radar não faz o trânsito andar melhor — enquanto carros de serviço circulando por aí, sim.
Não tenho certeza de que o governo anterior não gostasse de carro, ao contrário do que dizem muitos. Acho até que gostava muito, já que a frota da própria Prefeitura tinha 1.300 veículos para atender ao prefeito, secretários e assessores. Parece-me que não gostava de carros para o restante da população apenas. Para si mesmo aquele governo parecia ser um verdadeiro autoentusiasta.
Mudando de assunto: Não sei se rio ou se choro com meus amigos e/ou conhecidos que saíram afobadíssimos postando links para reportagens de acidentes nas marginais no primeiro dia da volta às velocidades de (somente!) um ano e meio atrás. Em alguns casos eram notícias do ano passado ou até mesmo retrasado, quando a velocidade máxima era 70 km/h. Outros exemplos eram de 2017, como um em que a CET e a Polícia disseram que o motorista estava bêbado – e, nesse caso, velocidade não tinha nada a ver, o sujeito teria batido a 30 km/h também. Ou como se nos limites anteriores não tivesse sido registrado nenhum acidente. Tragicômico.
NG