Aconteceu em 1997, semanas antes do novo Código de Trânsito Brasileiro entrar em vigor. Naquela época, trabalhava durante o dia em Campinas e estudava engenharia à noite, em Itatiba. Por ser um curso noturno, tinha aulas aos sábados na parte da manhã e eu aproveitava para ir de carro para a faculdade, a fim de ganhar tempo e chegar mais cedo em casa.
Num desses sábados estava voltando para Campinas andando forte, ainda mais por ser “meio que completamente” cabeça de vento naquele tempo, agravado por estar ao volante de meu primeiro carro, um Passat LS 1981 (como o da foto, mas de 3-portas) com motor de Santana 2000 e ao som dos Guns n’ Roses, da época antiga, quando ainda faziam um rock decente. Vinha pela rodovia D. Pedro I e, cerca de cinco quilômetros depois de passar pelo pedágio de Itatiba, vi a figura do policial lá na frente, andando calmamente para a pista da direita e sinalizando para eu parar. Fui parar o carro alguns bons metros à frente do policial, por conta da velocidade e já ciente de que a multa seria inevitável.
O policial, na verdade um sargento de cerca de 50 anos, foi muito educado e pediu o documento do veículo e habilitação. Fez as verificações normais e pediu para que eu descesse do veículo, pois queria me mostrar algo. As pernas bambearam, já esperando o pior. Mas o sargento me tranquilizou e apenas levou-me até o aparelho de radar, onde estava piscando “140.0” (140 km/h cravados! — mas confesso que o velocímetro marcava uns 150 km/h no momento que vi o policial, mas essa informação achei melhor não passar a ele…) Perguntou-me aonde eu ia com tanta pressa. Falei então que trabalhava de dia, estudava à noite, tinha aulas de sábado de manhã e planejava chegar logo em casa para almoçar com a família, já que praticamente usava a casa como pensão. Aquelas tradicionais desculpas no intuito de tentar sensibilizar os policiais e limpar a nossa barra.
Porém, o que eu não esperava era a resposta dada pelo sargento, com toda a tranquilidade que seus longos anos de experiência permitiam: “Mas será que não é melhor chegar atrasado para o almoço com a família, mas chegar, do que correr o risco de ficar pelo caminho e não almoçar nunca mais?” Essa resposta foi um verdadeiro tapa na cara com luva de pelica… Foram cerca de 15 minutos de um sermão digno de pai para filho, falando do perigo de se andar rápido sem avaliar as consequências. Daquelas conversas que você não vê a hora de acabar, quase pedindo “pelo amor de Deus, me multe e deixe-me ir embora…”
Mas aí é que está justamente o ponto da questão. Não fui multado, depois de prometer ao policial que terminaria a viagem em velocidade normal. Ao que ele consentiu, recomendando “Juízo, rapaz, pois desse jeito um dia você ainda ficará pela estrada e eu não quero ser a pessoa a dar essa notícia a seus familiares”. Se eu tivesse sido simplesmente multado, com certeza teria ficado revoltado (embora sem razão para isso) e teria perdido uma de minhas maiores lições ao volante.
Mesmo hoje, passados 20 anos desse episódio, sempre que pretendo andar mais rápido lembro-me das sábias palavras daquele sargento. Sempre avalio com cuidado todo o cenário ao redor: condições da via, do veículo e, principalmente, MEU conhecimento da via (nada mais perigoso do que andar rápido por onde não temos intimidade) e dos limites carro.
Somente a velocidade em si não é a grande causadora de acidentes e mortes no trânsito brasileiro. O que mata é a imprudência, muitas vezes aliada à imperícia. Até que se conheçam os limites de si mesmo, do veículo e se saiba identificar sem erros quando andar rápido sem colocar em risco a integridade física de ninguém (a começar pela sua própria), a atitude mais segura é andar em velocidade moderada, porém compatível com a via e as condições de trânsito do momento. Trafegar lentamente é tão ou mais perigoso do que andar rápido. Uma atitude errada ao volante cria situações de risco até mesmo trafegando a meros 60 km/h.
Sinto falta hoje em dia da presença dos policiais com o objetivo de não punir somente, mas passar um pouco da experiência adquirida ao longo dos anos de patrulhamento pelas estradas deste Brasil. A autuação por velocidade elevada nos dias atuais fica a cargo de máquinas eletrônicas, que simplesmente fotografam o infrator e a multa é enviada ao proprietário dias depois. Simples assim.
Mais maduro atualmente, garanto que o sermão dado pelo sargento naquela tarde de sábado, em 1997, foi muito mais valioso do que uma simples multa por excesso de velocidade. Gostaria de poder me reencontrar com esse sargento e agradecer-lhe pelo “puxão de orelha”, que foi muito mais valioso que uma simples multa por excesso de velocidade.
RV8R
Campinas, SP