Semana passada contei duas historietas para você, uma sobre acrobacias feitas nas asas de um biplano, a outra de um pouso de emergência de um monomotor, à noite, onde prenderam seus ocupantes, todos contrabandistas.
O assunto deste domingo é mais light, vou contar um pouco do que é a vida de um representante de uma fábrica de automóveis, responsável por dar assistência às concessionárias e cientes de uma determinada região.
Primeira historieta: Viagem e trabalho caminham juntos
Falo dos anos 71 e 72 quando era responsável por dar tal assistência às concessionárias do Paraná e Santa Catarina de onde veio a história já contada Sempre confie no seu taco de 28 de agosto passado quando comentei a minha visita à cidade de Toledo e sua Concessionária.
Mas hoje vou viajar um pouco mais longe.
Costumava sair da Volkswagen com meu Fusquinha de serviço, normalmente às sextas-feiras, passava o sábado e domingo em casa (morava com meus pais) e logo na segunda, bem cedinho, pegava estrada.
Destino Curitiba, só de passagem, em direção a uma antiga cidadezinha chamada Lapa (foto de abertura), distante da capital paranaense pouco mais de 60 quilômetros e que faz parte da região metropolitana de Curitiba. Uma visita de médico, bem rápida, nenhuma pendência. Era chamado de Posto de Serviço, oficial VW, porém sem cota para a venda de veículos zero, mas importante ponto de assistência para quem seguia para o sul ou oeste do estado.
Próxima parada com pernoite era a cidade de Canoinhas, onde já tínhamos uma concessionária como se diz ainda hoje, “completa”, ou seja, venda de veículos novos e usados, peças e assistência técnica. Depois de dois dias de visita, seguiria para a próxima cidade, Porto União, cidade conhecida devido à fabricação de Steinhäger, espécie de cachaça que os alemães tomam para esquentar a garganta e depois mandar o chope gelado em cima. É muito gostoso.
Mais dois dias de visita e preparativos para a próxima cidade, Palmas uma das regiões mais frias do estado do Paraná, bem oposto de Palmas no Tocantins. Era mais um posto de serviço, instalações precárias, mas prestavam um bom serviço nos Fuscas e Kombis da região. Sem condições de pernoite naquela localidade, segui para Pato Branco, que seria a próxima visita a uma concessionária completa. Esta cidade ficou mais conhecida devido à personagem da Bozena da TV Globo que sempre comentava ser de Pato Branco e fazia comparações entre a sua cidade natal e a sua situação em São Paulo. Também foi uma cidade muito marcante para mim porque foi lá que pela manhã, ao fazer a barba, deixei meu bigode crescer e nunca mais o tirei, mantendo-o até os dias de hoje.Ainda faziam parte da minha região as cidades de Clevelândia, Francisco Beltrão, Dionísio Cerqueira, Guarapuava, São Miguel do Oeste e Barracão, Medianeira e Foz do Iguaçu, todas estas ainda no estado do Paraná.
Uma viagem desta levava em média 3 a 4 semanas, ou seja, um mês fora de casa e mais de cinco mil quilômetros rodados.
O meu carro de serviço era trocado em média a cada 4 ou 5 meses, isto porque a regra era troca em um ano ou 20.000 km. Chegando a São Bernardo do Campo, o trabalho de passar a limpo os relatórios já preparados que relatavam os compromissos assumidos por ambas as partes, a fábrica de um lado — comigo — e a concessionária do outro, por seu diretor.
E assim segui, viajando, por um bom tempo até que vieram mudanças na estrutura da fábrica, também muito interessantes e que para mim foram de grande importância e definiriam parte da minha vida, você verá por que na historieta a seguir.
Segunda historieta: Minha primeira viagem a Foz do Iguaçu
Estava em São Miguel do Oeste quando fui chamado e orientado a “dar um pulinho” em Foz do Iguaçu, havia um problema técnico, um cliente insatisfeito e a presença de um representante da fábrica era solicitada.
Saí da cidade de São Miguel do Oeste e fui para a cidade de Dionísio Cerqueira, extremo oeste do estado do Paraná, que faz fronteira com a Argentina e este caminho me foi indicado como o melhor para chegar a Foz do Iguaçu. Segui por aquele território, pelo Parque Nacional de Iguaçu. Naquela época não havia restrição de circulação em território estrangeiro, o importante era chegar a Foz.
Foi uma das melhores e mais bonitas viagens que fiz de carro, meu Fusquinha branco 1971. O Parque Nacional de Iguaçu que é todo composto por estradas de terra e tem como vizinho constante o Rio Paraná, de uma beleza ímpar. Pouco se pode ver o céu ao longo dos seus 180 km de extensão, a vegetação é intensa, enormes árvores e um grande emaranhado de cipós e bambus e uma coisa incrível: eu jamais havia visto tantas borboletas e seu impressionante colorido!
Sem exagero, a cada 20~30 quilômetros eu era obrigado a parar o carro e lavar o para-brisa, tantas eram as borboletas que tinham sido “atropeladas”. Uma pena, mas fazia parte do cenário da viagem.
Chegando a Foz encontrei no hotel meu colega de trabalho responsável pela área de peças que fazia naquele ocasião uma de suas últimas viagens por aquela região, ele iria se mudar para outro estado e lhe seria atribuída outra região.
Programamos nossa visita para a manhã do dia seguinte, o que foi para mim uma coisa muito boa, pois não conhecia os diretores, era minha primeira visita a aquela concessionária.
Meu colega disse que iríamos falar com o Sr X e que este senhor, assim como muitos membros da família, tinham problemas hereditários de audição. Este, porém tinha uma característica totalmente diferente, era bem humorado, alegre, sorridente e brincalhão.
Fui orientado a quando entrar na sala dele falar bem baixinho e observar que ele mexeria em seu aparelho de surdez regulando-o para nos ouvir melhor. Achei a brincadeira proposta de muito mau gosto, mas fui convencido em participar dela.
E assim fizemos, minha primeira visita, meu colega me apresentando, eu dizendo para o que tinha vindo e o Sr. X mexendo em seu aparelho. De repente, meu colega começa a falar em tom normal até um pouco mais alto do que o normal que era o que tínhamos combinado lá fora e imediatamente o Sr. X deu um grito, pediu para que falássemos mais baixo e reajustou seu aparelho para dar início a uma nova conversa.
O perfil do Sr. X foi confirmado, demos muita risada e não vou comentar quais foram as suas palavras para nós, mas, valeu a pena.
Almoçamos juntos, demos muita risada e também trabalhamos por mais três dias. Problemas resolvidos, cliente satisfeito e eu ainda com 1.300 km pela frente até retornar a São Paulo e de cara nova, com meu bigode que já havia saído daquela fase ridícula que não é bigode e parece sujeira debaixo do nariz.
Minha atuação nesta região foi até dezembro de 1971, quando em janeiro de 72 optei em ir para o Rio de Janeiro onde estavam abrindo um escritório regional — onde cheguei solteiro e depois de quase 10 anos voltei a São Paulo com esposa, dois filhos e uma sogra.
Ao chegar ao Rio, e tendo mandado levar no caminhão da mudança minha Yamaha DS7, de 250 cm³, numa tarde de sábado paro num sinal no Leblon e chega outra DS7, parando ao lado. Aquele “oi” de confrades de motos iguais, e paramos num posto Shell após o cruzamento — havia poucas Yamahas, o que estimulava a confraria e o bate-papo. Nos apresentamos, o cara da outra DS7, uma dourada e branco (a minha era roxo e branco), perguntou o que eu fazia e eu lhe contei, Volkswagen, escritório regional, tudo mais. “E você?” — perguntei-lhe, claro. Resposta: “Sou concessionário Volkswagen”…
Foi com esta mudança para o Rio de Janeiro, seguida desse encontro casual, que conheci o Bob Sharp. Ali começava nossa grande amizade e, como já contei, uma parceria sem final.
Faria tudo de novo e igualzinho.
RB