Faleceu no dia 1ºde junho último Tom Tjaarda, nascido Stevens Thompson Tjaarda van Starkenburg em 23 de julho de 1934 na capital americana do automóvel, Detroit. Nos quase 83 anos em que viveu teve uma carreira recheada de criações e experiências em diversas empresas, e o número de veículos de que participou, 84, mostra que ele não era de ficar parado.
Tom era filho de Irene Tjaarda, americana, e de Joop Tjaarda van Starkenburg (1897-1962), holandês também desenhista de carros, engenheiro que trabalhou para a outrora gloriosa fabricante de aviões holandesa Fokker. Joop, para facilitar sua vida, passou a usar o nome John Tjaarda a partir de 1923, quando chegou nos Estados Unidos. John sempre teve o gosto pelo estilo, e nos EUA fez os esboços e levou adiante a ideia que se materializaria como o Lincoln Zephyr. Seu desenho inicial para o carro, ainda bastante diferente do Zephyr, é, inclusive, patenteado. Apresentado em 1936, tinha motor V-12 e era muito veloz para sua época, parte do fato atribuído a um desenho de pouco arrasto aerodinâmico, uma óbvia lição aprendida nos anos de aviação. O filho acompanhou o pai de perto nessa fase do desenho do Zephyr e disse que esse foi o começo da paixão pelo trabalho, e que o caminho de sua vida estava definido.
Tristemente, seus pais se divorciaram em 1939, e Tom ficou morando apenas com a mãe em Detroit. Mesmo assim, a influência do trabalho do pai foi permanente, e não havia mais nada que ele quisesse fazer na vida.
Depois de estudar arquitetura em Michigan, onde o curso não tinha inclinação nem matérias relacionadas a automóveis, Tjaarda, aos 24 anos, foi para a Europa e logo começou trabalhando em um dos mais equipados e famosos estúdios, a Ghia. A oportunidade veio ainda durante o curso, quando apresentou como trabalho de formatura a maquete de um carro, o que deixou alguns de seus mestres irritados, mas lhe rendeu uma indicação do professor Aarre Lahti a Luigi Segre, o então comandante do estúdio Ghia. Este carro foi uma perua esportiva que ele batizou de Turbinewagon, com linhas notadamente aerodinâmicas.
Na Itália em 1958 e trabalhando com uma felicidade nunca antes experimentada, começou em grande forma, dando vazão a uma incrível criatividade. Foi responsável pelo conceito Selene, algo muito futurístico, um carro para viagens familiares, com visibilidade quase total e posição de dirigir à frente do eixo dianteiro. De forma diferente, era uma van multiuso, algo que seria usado de verdade apenas no Renault Espace em 1984 e seus sucessores e concorrentes.
Em 1960 apresentou o Ghia Dragster IXG (International Experimental Ghia), uma adorável loucura, cuja dianteira e para-lamas seriam curiosamente semelhantes aos usados no Corvette Stingray mostrado em 1963. Também nessa fase surgiram seus primeiros projetos que se tornaram carros a serem vendidos, o Innocenti Spider 950 e o Fiat 2300S cupê. Ambos apresentavam linhas suaves e simples, com bastante área envidraçada, numa aparente homenagem sua às belezas da Itália, que deviam ser apreciadas sem carrocerias atrapalhando quem estivesse dirigindo. Não foi à toa que acabou por encontrar sua esposa por lá mesmo, e jamais deixou o país, exceto por alguns períodos fora.
Depois de dois anos ali, passou alguns meses como desenhista de mobiliário para residências para, em 1961, sem conseguir ficar longe de sua paixão maior, ser admitido na Pininfarina para voltar aos carros. Apenas dois anos depois ele voltaria aos EUA para trabalhar em uma empresa também de arquitetura com foco em interiores, mas claramente não era sua praia, e maio de 1964 voltou à Itália, de novo à Pininfarina.
Ali seu nome passou a ficar muito mais proeminente, com trabalho em vários modelos, como Chevrolet Corvette Rondine, Ferrari 330GT 2+2, o simples e equilibradíssimo Fiat 124 Spider (foto de abertura), além do Ferrari 365 California Spider.
Sobre o 124, não tinha ainda 30 anos de idade completos quando a Fiat lhe deu a incumbência para desenhar o pequeno e leve carro, com a missão de ser algo divertido de dirigir. Tjaarda disse recentemente que “A Fiat nunca deu muita importância para aquele carro”, o que lhe deu mais liberdade ainda de fazer algo barato mas que parecesse mais caro, uma filosofia que é comum para várias empresas, ainda mais hoje, como Tjaarda comentou em 2016 a respeito do Alfa Romeo 4C, que trouxe vários elementos de desenho do muito mais caro e exclusivo 8C.
O 124 foi fruto de um trabalho anterior que ficou apenas no protótipo, o Corvette Rondine, feito na Pininfarina, e que não despertou interesse da GM, por “não lembrar um Corvette”. O 124 se tornaria o Fiat mais vendido nos EUA até aquela época. A leveza de desenho estava muito mais de acordo com um europeu do que com o Corvette, nesse ponto a GM tendo sido bastante realista.
Em 1968 a Ghia o chamaria para ser seu chefe, após a saída de Giorgetto Giugiaro, e ali ficaria até 1977, cobrindo sete anos de propriedade da Ford. Tjaarda havia passado um curto período trabalhando com Giugiaro, nos tempos pré-Italdesign, e o lendário desenhista sugeriu que Tjaarda o substituísse na Ghia. Lá ele executou alguns trabalhos interessantes, como o Isuzu Bellett MX1600 e o DeTomaso Longchamp, e outro que o faria definitivamente entrar para o panteão dos maiores desenhistas do mundo, o ainda hoje impressionante DeTomaso Pantera.
Sobre o Pantera, normalmente é dito que de seus primeiros desenhos à produção se passou apenas um ano, mas Tjaarda disse que foram oito meses apenas. Em agosto de 1969, com apenas duas semanas decorridas após o início do trabalho, Alejandro De Tomaso perguntou a Tjaarda via telefone se o carro estava pronto. Ele queria mostrar o Pantera a um amigo que iria visitar o estúdio em alguns dias. O amigo era Lee Iacocca, na época presidente da Ford, que no estúdio aprovou o carro em 10 minutos. “É isso mesmo que eu quero”, disse ele. Tjaarda sabia que isso era normal em uma empresa pequena, mesmo que trabalhando para a Ford. Para entender melhor o que significa o Pantera, veja esse texto imperdível do MAO.
Tjaarda explicava que o desenho do Pantera teve como foco mostrar claramente de onde vinha a força, onde estava o motor, daí a altura e largura da carroceria depois da coluna B e sobre as rodas traseiras contrastando com um capô baixo e frente bastante afilada, onde claramente não caberia um motor de carro esporte.
Seu desempenho no Pantera o levou em seguida a ser levado aos EUA como diretor de Estilo da Ford na década de 1970. Em agosto de 1970 a Ford Motor Company tinha comprado os estúdios Ghia e Vignale da Rowan Industries Inc., o que deixou a situação toda muito engraçada, já que mesmo buscando o avanço no setor com estilo italiano, seu líder no assunto era nascido ali mesmo ao lado de Dearborn, e já havia feito vários modelos de sucesso na Europa. Tjaarda foi para a América no segundo semestre de 1970 para ficar seu maior período nos EUA de toda sua carreira.
Um compacto para os Estados Unidos foi iniciado ainda na Ghia, mas terminado em Dearborn para lançamento em 1969, chamado Maverick. Apesar de alguns afirmarem que o desenho é totalmente de Tom Tjaarda, o que se sabe é que ele iniciou o trabalho na Ghia, com as linhas básicas sendo de sua autoria. Quem detalhou o carro não é sabido ao certo, sendo possivelmente feito na própria Ford. De acordo com o que se sabe sobre esse tipo de trabalho, é bem possível que Tjaarda tivesse feito muita coisa, mesmo ainda na Itália, mas certeza só ele e quem trabalhou no time tem. Fica então o crédito do desenho a ele, ao menos em linhas gerais, como na verdade acontece com desenhos de estilos de vários autores e marcas. Sempre há importantes equipes por trás de um nome de destaque.
O primeiro Ford Fiesta, de 1972, um prodígio de simplicidade, compacidade e elegância para um carro pequeno, é obra sua também. Se muitos filósofos postulam que o meio determina o homem, poderiam também utilizar o exemplo de Tjaarda para provar suas teorias, já que é incrível constatar que o Fiesta foi desenhado por um americano, muito antes de sequer imaginarmos o termo globalização, e sabendo-se o tipo de carro que era típico do gosto americano. Isso mostra também o profissionalismo de Tjaarda, que sabia entregar o que era necessário, sem se ater aos costumes de sua origem.
Em 1974 um carro conceitual impressionante foi o Ghia Coins, também planejado para um motor Ford V-8 central-traseiro, certamente inspirado pelo Stratos Zero, conceito de 1970.
Em 1978 passaria à Fiat como Diretor de Estilo Avançado, cargo que ocuparia até 1981. De 1982 a 1984 seu empregador foi a italiana Rayton-Fissore, onde fez um utilitário esportivo chamado Magnum na Europa, que foi até mesmo vendido nos EUA como Laforza. Esse projeto foi uma caso interessante pela sua época. A Rayton-Fissore estava sediada em Turim, e havia desenhado e construído protótipos para a Citroën e Chrysler, quando decidiu fazer seu primeiro carro com marca própria. Como não havia verbas para desenvolver o carro completo, foi adotado o conjunto de chassis e suspensões de um caminhão leve da Iveco, e Tjaarda desenhou uma carroceria fechada de cinco portas e traseira bem vertical, no que resultaria um dos primeiros SUV do mundo em conceito moderno, antes do termo ser criado pelo marketing americano alguns anos depois. O motor era o V-8 do Mustang, e o acabamento interno era quase todo em couro, ou seja, tinha os elementos básicos que fariam o desejo do comprador americano, o motor potente e acabamento luxuoso em uma carroceria de uso misto.
Depois disso partiu para abrir a sua Dimensione Design. Com ela, trabalhou em contratos para a Aston Martin, Honda, Saab, Spyker e muitos outros, cobrindo desde alterações em carros já existentes, versões novas ou desenhos totalmente novos e alguns apenas conceituais.
Foi também jurado em vários concursos de elegância, o mais famoso deles o de Pebble Beach, onde também foi homenageado em 1997 com exposição de várias de suas obras.
A lista com seu trabalho é algo extenso e impressionante, com vários modelos que nós conhecemos bem aqui no Brasil. Há algumas divergências de datas entre essa lista, publicada pela Wikipedia, e datas mostradas em outras fontes, se devendo a ano de início de produção ou ano de modificação de detalhes. Existem fotos de quase todos eles, ou links para outros lugares onde elas estão, no seu site oficial, que continua a ser atualizado após seu passamento.
- 1959. Ghia Selene I (com Sergio Sartorelli)
- 1960. Innocenti 950 S Ghia Spider
- 1960. Ghia IXG Dragster
- 1960. Renault Dauphine Ghia Coupé
- 1960. VW Karmann Ghia 1500 (type 34) Coupé (traseira apenas; carroceria por Sergio Sartorelli)
- 1961. Ferbedo Automobilina pedal car (Ghia)
- 1961. Ghia Cart
- 1961. Innocenti 1100 Ghia Coupé
- 1962. Chevrolet Corvair Pininfarina Coupé (I)
- 1963. Chevrolet Corvette Rondine Pininfarina Coupé (I)
- 1963. Fiat 2300 Pininfarina
- 1963. Lancia Flaminia 2.8 Pininfarina Coupé Speciale
- 1964. Chevrolet Corvette Rondine Pininfarina Coupé (II)
- 1964. Ferrari 330 GT 2+2 Pininfarina series 1
- 1964. Mercedes 230 SL Pininfarina Coupé
- 1965. Fiat 124 Spider Pininfarina
- 1966. Ferrari 365 GT California
- 1968. Chevrolet Checker Berlina (com Giorgetto Giugiaro)
- 1968. Serenissima Coupé (Ghia)
- 1969. De Tomaso Mustela (I) (Ghia)
- 1969. Isuzu Bellett MX1600 GT (Ghia)
- 1969. Ford Torino, versão Talladega
- 1969. Lancia Flamina Marica (Ghia)
- 1969. Lancia Fulvia 1600 HF Competizione (Ghia)
- 1970. De Tomaso Deauville (Ghia)
- 1970. De Tomaso Pantera Ghia
- 1970. (Lancia Flavia) Giacobbi Sinthesis 2000
- 1970. Williams De Tomaso-Ford (Cosworth) 505/38 (De Tomaso Formula 1)
- 1971. All-Cars AutoZodiaco Damaca
- 1971. De Tomaso 1600 (Ghia) Spider
- 1971. De Tomaso Zonda (Ghia)
- 1971. Isuzu Bellett SportsWagon (Ghia)
- 1972. De Tomaso Longchamp
- 1972. De Tomaso Pantera L (Ghia)
- 1972. De Tomaso Pantera 290 (Ghia)
- 1972. De Tomaso Pantera GT4 (Ghia)
- 1972. Ford Fiesta (Ghia, Projeto Wolf)
- 1973. De Tomaso/Ford Pantera 7X (Ghia)
- 1973. De Tomaso Monttella 1/1 197X
- 1973. Ford Mustela (II) (Ghia)
- 1974. Ford Ghia Coins
- 1974. Ford Maverick
- 1978. Lancia Y10
- 1979. Fiat Brazil
- 1979. Ford Mustang II, Propostas (Ghia)
- 1979. Zastava (modificações de Fiats para a Iugoslavia)
- 1980. De Tomaso Longchamp Cabrio
- 1981. SEAT Ronda
- 1981. SEAT Guappa Coupé
- 1982. Chrysler LeBaron
- 1982. Chrysler Imperial
- 1983. Rayton-Fissore Taxi Torino
- 1985. Chrysler Jeep (interior)
- 1985. Rayton-Fissore Magnum 4×4
- 1989. Aston Martin Lagonda Coupé
- 1988. PPG 4×4 (USA)
- 1989. Laforza Magnum 4×4
- 1989. Zastava Utility vehicle
- 1991. Bitter Tasco
- 1992. Saab 900 four door
- 1992. Suzuki Coupé (para Bugatti)
- 1993. Fiat Iveco Truck Interior
- 1995. Lamborghini Diablo (interior)
- 1998. Isotta-Fraschini T8 Coupé
- 1998. Isotta-Fraschini T12 Coupé
- 2000. Qvale Mangusta (II)
- 2001. Laforza PSV (II)
- 2002. Spyker GT Sport
- 2003. Fiat Barchetta (facelift)
- 2006. Shelby Series 2
- 2007. Tjaarda Mustang
Sobre os desenhos atuais, Tom disse em entrevista para a revista Automobile em 2016, durante o Concorso Italiano em Monterey, um dos eventos em que atuou vários anos como juiz:
“Quarenta anos atrás você ia ao estúdio da General Motors ou da Mercedes, e eles eram todos americanos e alemães, e você via as diferenças de design e das nações. Hoje, é um cruzamento. Você vai a qualquer estúdio de design e vê um brasileiro, um japonês, um americano e um alemão. Há um intercâmbio de ideias. Hoje, com a internet, você sabe amanhã o que alguém está fazendo. Como resultado os carros se parecem muito. É difícil identificar um Hyundai de um Mercedes algumas vezes sem você olhar a grade.”
Sobre os carros sem motorista que virão dividir espaço com os carros de verdade que utilizamos hoje, Tom Tjaarda disse em meados de 2016, que é isso um desafio para o desenhista:
“Os caras no Google vêm com esses carros sem motorista que parecem bolas de neve. Eu quero dizer, o que você faz para desenhar um carro sem motorista? Como você pode ser honesto com isso, eu não sei.”
Tom Tjaarda deixa um legado impressionante, que mostra antes de tudo sua ampla abrangência de tipos e tamanhos de carros que soube desenhar, uma prova de talento e profissionalismo que sem dúvida atingiram a mesma enorme medida.
JJ