CBA já comunicou SPTuris sobre ligas não reconhecidas. Promotor José Carlos Blat defende uso irrestrito. Clubes gastam R$ 200 mil por etapa.
A eterna briga em busca de um automobilismo praticado a custos menores renasceu no último dia 27 de junho quando a SPTuris divulgou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) que permite às ligas independentes de automobilismo e motociclismo solicitar datas para promover eventos em Interlagos a partir de 2018 ou ocupar datas disponíveis ainda este ano. Atualmente o processo para locar o Autódromo Municipal José Carlos Pace para realizar provas de campeonatos exige, entre outros requisitos, que o pedido venha acompanhado de “comprovação da homologação ou reconhecimento da Fédération Internationale de L ?automobile (sic) – FIA, Fédération Internacionale de Motocyclisme – FIM, Confederação Brasileira de Automobilismo – CBA ou Confederação Brasileira de Motociclismo – CBM”. A SPTuris tem permissão de uso do autódromo a título precário e gratuito.
A diretoria jurídica da CBA deverá entrar hoje com representação junto ao Ministério Público de São Paulo contestando a alteração no sistema de locação. De acordo com nota emitida pela assessoria da entidade, “tão logo o referido TAC foi tornado público, surgiram anúncios de competições na pista de Interlagos sem a menção de qual instituição irá supervisioná-la e sem o conhecimento e anuência de nenhuma entidade criada com base na lei vigente em nosso país. Algo temerário não só ao esporte, mas, sobretudo, à segurança de participantes e público.”
A liberação para as ligas ganhou notoriedade após reportagem veiculada pela TV Globo onde um dos principais entrevistados foi Ernesto Costa e Silva, ex-diretor da Federação de Automobilismo de São Paulo (Fasp), com a qual rompeu relações. Já faz tempo que Costa e Silva empunha a bandeira de criar uma liga independente capaz de promover competições e campeonatos no traçado paulistano a custos reduzidos; ele apega-se à Lei do Esporte para quebrar o monopólio de competições automobilísticas paulistas mantido pelos clubes reconhecidos pela Fasp. Curiosamente a reportagem foi gravada no lado externo do autódromo, consequência de restrições impostas pela SPTuris para filmar e fotografar dentro do circuito…
Para angariar apoio entre entre pilotos, preparadores e o pouco que resta da imprensa especializada, Costa e Silva promete inscrições e as famigeradas “carteirinhas” a preços irrisórios se comparados com as taxas praticadas pelos clubes, federação e confederação. Enquanto a Liga Desportiva de Automobilismo cobra taxa única de R$ 100,00, a Fasp pede até R$ 685,00 para um piloto Graduado A, preço ao qual devem ser adicionados R$ 540,00 para a CBA e outros R$ 250,00 para o clube ao qual o piloto é filiado.Quando questionado se os valores propostos pela liga cobririam os custos fixos necessários para manter uma entidade que vive de organizar competições ele alega ter patrocinadores e apoiadores que lhe darão respaldo econômico.
Segundo Élcio de São Thiago, presidente do Piratininga Esporte Motor Clube (reconhecido pela Fasp) e veterano organizador de corridas, “atualmente gastamos cerca de R$ 200 mil para realizar uma etapa do campeonato paulista, que dura três dias.” No valor mencionado por São Thiago estão incluídos o aluguel da pista — R$ 51.000,00 em 2017, R$ 87.750,00 em 2018 —, serviços de apoio como assistência médica, bandeirinhas, comissários técnicos e desportivos, cronometragem, refeições de funcionários e colaboradores, resgate, segurança, troféus e até mesmo geradores de energia elétrica.
Pior de tudo é que nos valores cobrados pela SPTuris não estão incluídos diversos equipamentos montados para a F-1, como ar-condicionado e iluminação de banheiros; os sanitários próximos das arquibancadas também são raros aqueles abertos ao público, a cronometragem funciona em um espaço improvisado e o elevador da torre de controle não funciona. Para fechar a conta o combustível vendido no autódromo é de uso obrigatório e vendido a preço bastante superior ao praticado nas ruas e as diversas categorias do certame tem treinos cada vez mais reduzidos de forma a criar espaço para atividades de track day. Essa prática permite que carros particulares e de preparação livre circulem pela pista conduzidos por motoristas comuns que não tem necessariamente preparação e conhecimento de técnicas de pilotagem esportiva.
A Confederação Brasileira de Automobilismo divulgou na mesma nota que “pelo bem do automobilismo brasileiro e pela segurança dos apaixonados por velocidade, a CBA enviou ofício a São Paulo Turismo solicitando que somente reserve datas no autódromo da capital paulista às ligas independentes LEGALMENTE CONSTITUÍDAS”. Tal qual a entidade nacional, José Aloizio Cardozo Bastos, presidente da Fasp, declara não ser contra a utilização do autódromo por qualquer liga “desde que ela seja reconhecida legalmente”, o que, segundo ele, não é o caso da Liga Desportiva de Automobilismo.
O dirigente paulista lembra que para tal reconhecimento uma liga precisa reunir um mínimo de dois clubes oficiais e que a empreitada de Costa e Silva não cumpre esse requisito. “Ele até cita que o Centauro Motor Clube faz parte da sua LDA, mas há anos esse clube perdeu sua filiação junto à Fasp”, diz Bastos, que vai além e lembra que a Fasp e a CBA já reconheceram a Liga Paulista de Automobilismo formada pelo Esporte Clube Piracicabano de Automobilismo e pelo Clube Granja Viana. O site da LDA anuncia como clubes filiados a Associação Brasileira de Kart e o Automóvel Clube Grande ABC; nenhum dos dois mencionados no site da federação na página “clubes oficiais”, sendo que o endereço eletrônico indicado junto ao logotipo da Abkart traz um endereço inexistente.
Um dos motivos alegados para abrir o uso de Interlagos para as ligas independentes é tentar coibir as corridas clandestinas realizadas em ruas abertas ao tráfego. A administradora da pista divulgou em nota que o uso do circuito por essas entidades deverá “seguir regramento técnico e específico previsto nas federações internacionais, assumindo integralmente as responsabilidades civil e criminal do evento.” Costa e Silva e seu advogado Cláudio Consolo prometem cumprir esses tais requisitos e que a medida vai facilitar a prática do automobilismo por uma parcela significativa da população. O promotor José Carlos Blat, que defende o uso mais amplo da pista, corrobora essa opinião:
“Vai abrir a oportunidade de se fazer uma agenda positiva buscando pessoas que, por exemplo, fazem rachas nas ruas, corridas clandestinas. Essas pessoas poderão utilizar esse espaço, que é público, com toda segurança, inclusive para descobrir novos talentos tanto no automobilismo quanto no motociclismo.”
Na mesma nota enviada a Motores Clássicos, a Confederação reitera que “não possui posicionamento contrário a criação dessas organizações independentes, bem como a utilização de autódromos por parte destas instituições, desde que elas estejam em acordo com o artigo 20 da Lei 9.615/98, que normatiza a sua formação e existência.”
Enquanto essa disputa se arrasta, o automobilismo regional sobrevive graças à paixão de pilotos e preparadores abnegados e a um retalhamento de categorias para agradar a alguns que querem voltar para casa com um troféu, mesmo que tenham competido contra um ou dois adversários, por vezes até mesmo sozinhos. O que não se discute é que o esporte a motor é um mercado gerador de empregos, impostos e riqueza, três valores em grande escassez na economia brasileira atual.
WG