A recuperação do mercado está mais patinando do que arrancando em terreno firme.
Provavelmente o leitor ou leitora deu por falta desta coluna no mês de julho, que apresentaria análise sobre as vendas no primeiro semestre do ano. Devo desculpas, uma viagem a negócios não planejada, que ocorreu bem no período entre a divulgação dos números da Anfavea (6 de julho) e o dia 15, acabou atrasando a tomada de dados, análise e divulgação, e fez com que o período adequado de publicação se perdesse. Esses mesmos dados acrescidos dos de vendas do último mês estão apresentados aqui.
Já faz um tempo que se vem falando de recuperação de vendas modesta, a própria Anfavea tem usado cautela nos ânimos e diz que “o cenário de vendas segue estável com expectativa de melhora de alguns indicadores econômicos”. Foram estas as palavras de seu presidente, Antônio Megale, durante a última entrevista coletiva par de divulgação de desempenho do setor, ocorrida no 4 de agosto. Seguiu com “cenário econômico com sinais positivos, queda da inflação, da taxa Selic, etc.”
Mas os números não mentem. Passados sete meses do ano e comparando-os com mesmo período de 2016, vemos que as vendas totais de automóveis e comerciais leves foram 3,95% superiores, em todo o Brasil. Segundo dados da Fenabrave (Federação Nacional de Distribuição de Veículos Automotores) de vendas por região, julho mostra que a dita reação não chegou ainda nas regiões Norte (-1,1%), nem Sul (-2,0%) nem na Centro-Oeste (+0,2%). O Nordeste apresenta crescimento de 1,0%, o que é no máximo marginal. Quem puxa uma reação verdadeira é a região Sudeste, com +8,2% e suas vendas representam 53% do total no país.
Outro fator que joga uma certa ilusão de recuperação no ar são as vendas diretas. Em sete meses elas somaram 450.217 unidades, noventa mil a mais que mesmo período do ano passado. Mas o total de automóveis e comerciais leves faturados nos concessionários foi de 720.091 unidades, quarenta e cinco mil a menos que em 2016 (765.728).
De cara nota-se que a cautela nas palavras de Megale vem sendo mais que correta. Com menos negócios concretizados nas concessionárias nos primeiros sete meses do ano e três das cinco regiões do país ainda em retração, não se pode afirmar que o setor automobilístico se recupera. Em São Paulo, sim, +8% pode ser entendido como um número vigoroso. Mas aí se mistura a questão do impulso via aumento das vendas a frotistas…
Vendas diretas pode ser um remédio, um doce ou um veneno, dependendo da dosagem aplicada. Quando os compradores escasseiam nas lojas e a fábrica precisa se manter rodando, é natural que se procure desovar o excedente de produção por outros canais e as vendas diretas historicamente vem cumprindo o seu papel. Cada fabricante escolhe a sua estratégia, ciente que quanto maior o volume vendido com baixas margens, piores serão os seus resultados. Sabemos também que mantê-las acima de 40%, em média nacional, não é algo salutar, tampouco sustentável no longo prazo. Em 2017 temos visto Renault e Fiat com médias próximas a 60%. Jeep, que vem mostrando enorme sucesso de mercado com Renegade e Compass, já atinge 43% na média acumulada dos sete meses. Outros fabricantes como Honda ou Hyundai são menos ousadas e suas vendas a frotistas gravitam na ordem de 13 a 17%, na mesma média anual. Peugeot e Citroën bem que vinham tentando resistir a essa tentação, no ano passado desovavam via canal direto 22% de suas vendas, nos sete meses de 2017 atingiram 35% e mesmo assim apresentaram queda nos licenciamentos de 9%, quando comparados com mesmo período de 2016. O ano segue desafiador.
Havia uma enorme aposta nas reformas promovidas pelo governo Temer. Conseguiu aprovar a PEC do teto dos gastos em dezembro, isso impulsionou o otimismo em dois patamares. Em seguida veio uma tímida vitória na reforma trabalhista, porém há rumores que a extinção do imposto sindical não foi definitiva e deve voltar sob Medida Provisória. Temer e a Câmara vêm também enterrando a reforma da Previdência, que é igualmente fundamental para a recuperação das finanças públicas, da confiança do consumidor e dos investidores. Diz-se que se resumirá a aumento da idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres mais corte de alguns benefícios a funcionários públicos. Com duas reformas meia-boca e um Congresso mais preocupado em se assegurar imputável e eternizar-se no poder, não se pode esperar otimismo do mercado. Nem fortes apostas em crescimento vigoroso. Talvez aí uma explicação por que vendas de bens de capital ainda não deslancharam. Caminhões e ônibus entre eles.
Muitos se perguntam, eu inclusive, depois de vermos frustradas as expectativas de reformas minimamente decentes, o que faz a estabilidade econômica se sustentar? Seria um otimismo teimoso do brasileiro? O Brasil velho, da velha política, segue andando para trás.
Salvando
O que vem salvando os fabricantes este ano são as exportações. Não se trata de um modelo de país exportador como o alemão, japonês ou coreano, somente a Alemanha exporta 60% do que produz, para todas partes do planeta. O comprador global sonha em ter carro alemão. Já os autos brasileiros encontram os mercados de oportunidade, ainda assim com ajuda das matrizes em redirecionando vendas de suas filiais espalhadas pelo mundo. Faz mais de 40 anos que é assim. Salvo um ou outro programa de desenvolvimento de produto para exportação, o que se tem aqui é resultado de trabalho de departamentos de exportação dos fabricantes instalados com verdadeiros exércitos de mascates. Tampouco é algo sustentável no longo prazo, mas parece está resolvendo o enorme buraco do mercado interno, hoje a pouco mais de 50% do que foi em 2013.
RANKING DO MÊS E DO ANO
Num mês em que se vendeu no mercado interno 5,5% a menos que em junho, sobressaíram a Mitsubishi, com +15%, Jeep, com +7%, Toyota, com +4%. Na outra ponta da tabela, tivemos Citroën, com -29%, Renault, com -16%, Honda com -14% e Nissan e Fiat, ambas com -12%.
No acumulado do ano Jeep e Nissan são favorecidas por seus novos suves, Compass e Kicks respectivamente, e cresceram 53% e 30% sobre mesmo período de 2016. A febre suve não para por aí, tanto a Honda como a Nissan, que tinham como carros-chefes modelos compactos, hoje têm HR-V entre os dez mais e Kicks vendendo quase igual à soma de March e Versa. Mas não foram somente os suves que se deram bem. Chevrolet cresceu 12% no ano, Ford outros 12%, ambas graças a políticas comerciais bem-sucedidas de seus modelos do portfólio.
Julho foi também o primeiro mês de vendas cheio do novo Fiat Argo, um compacto em que a Fiat deposita grandes expectativas e até que ele não foi mal, figurando em 15º no ranking, com 3.235 unidades. Porém o Onix segue inabalável no topo da lista, foram 15.234 unidades vendidas, mais que o dobro do terceiro colocado, o Ford Ka, que também vendeu bem, com 7.248. HB20 em 2º, 9.312, Sandero em 4º, seguido de Prisma, Corolla, Gol, Mobi. Compass figurou na nona posição, surpreendente para um veículo de preço médio superior a R$ 110.000.
Sete meses contra sete meses, o Onix exibe vigor invejável, crescendo outros 23% sobre mesmo período de 2016. Quando se achava seu gás para seguir crescendo diminuiria, ele prova exatamente o contrário. Nos compactos, Sandero cresceu 42% e Ka +24%, Gol +9%, Etios +15%, ou seja, nova acomodação dentre os contendores.
Nas marcas premium, a Mercedes aparece com reação e crescimento de 4%, ou igual ao do mercado. Seus competidores diretos Audi, com -23% e BMW, com -17%, ainda não encontraram um caminho para driblar a falta de compradores. Os importados também vem sofrendo retração, o relatório da Abeifa aponta queda de 25,7% nos emplacamentos do ano, o que pode significar o consumidor está migrando para marcas produzidas aqui, premium ou mesmo as nacionais topo, como Jeep, Hyundai e Toyota e Honda.
Nos comerciais leves a picape média Toro parece haver assumido de vez a liderança, foram 5.028 unidades emplacadas em julho, seguida da surpreendente Saveiro, com 3.811, em terceiro Strada, com 3.526 e Hilux em 4º. Amarok volta a figurar entre as 10 mais. A picape Oroch parece haver perdido fôlego, ou a rede pode não haver direcionado o foco adequado.
Toro também lidera as vendas nos sete meses do ano, com 29.714 unidades, Strada em 2º, com 27.553 e Saveiro em 3º, Hilux em 4º, porém sendo ameaçada pela S10, que tem recebido seguidas melhorias de produto — somente neste ano tivemos o lançamento da opção automática para a versão flex e, mais recentemente mudanças no câmbio automático para a versão Diesel.
No ranking de marcas, Chevrolet segue na frente no mês, com 33.502 unidades comercializadas, mas distanciando-se muito da Fiat, em 2º com 24.714 e VW em 3º, com 22.750. Hyundai, Ford e Toyota, na sequência e bastante próximas uma das outras.
No acumulado do ano, Chevrolet consolidada na liderança por mais um ano e crescendo mais que todas rivais diretas, com +12%, Fiat enfrentando nova queda, com -7% e VW estável, sem crescimento, porém perdendo participação, uma vez que o mercado se expandiu em 3,9%.
Em julho a Renault apresentou o esperado Kwid, um subcompacto com cara de suve, que parece ajustado ao novo gosto do comprador brasileiro. Até o fechamento desta coluna o Kwid já tem vendas fechadas de mais de 20.000 unidades, o que significa produção comprometida até novembro. Muitos concessionários da marca estão limitados a não mais realizar novas vendas antecipadas. Num ano que o mercado vem andando de lado, a criatividade e ousadia de uns, decidida lá atrás, parece ter dado o tom das mudanças, e o beneficiado é o consumidor.
Até o mês que vem.
MAS