Andei com um Renault Sandero R.S., versão Racing Spirit, na recente etapa do Torneio de Regularidade Interlagos (19/8) e pude analisá-lo numa condição diferente de um teste normal. Passei a gostar ainda mais desse carro.
Logo ao acordar e olhar pela janela embaçada vi que aquela manhã de sábado estava fria e nevoenta. Para ajudar, uma constante chuvinha gelada formava um quadro convidativo para que um sujeito normal ficasse na cama debaixo de cobertas secas e quentinhas.
O problema é que na minha garagem tinha algo que me puxava de dentro de casa, a versão limitada do Renault Sandero R.S., a Racing Spirit. O R.S. queria porque queria ir para Interlagos, onde haveria uma etapa do Torneio Interlagos de Regularidade, que entre nós é chamado de “Rali do Jan Balder”, pois o Jan, antigo companheiro de equipe do Bob, é quem organiza o campeonato.
A Renault do Brasil, pelo seu diretor de Comunicação, Carlos Henrique Ferreira, autorizou o AE a andar com o veículo na pista, uma vez que a cessão de carros de teste, de nenhum fabricante ou importadora, prevê esse tipo de uso.
Gosto muito do Jan Balder. De antigo admirador como piloto, passei a admirá-lo como escritor. Seus livros sobre o automobilismo brasileiro são os melhores, mais ricos, saborosos, e mais bem escritos. São livros com o poder de nos imergir num mundo do qual não se quer sair. O terceiro, e recentemente lançado, é “Paixão Pelo Automobilismo”. Se o leitor ou leitora quer saber como foi a fase áurea do nosso automobilismo e do internacional, época que infelizmente não vai voltar, leia-os. Os personagens, as máquinas, os desafios, estão lá; esse belo romance, escrito por quem o viveu, conta isso muito bem.
O primo Paulo, sempre apressado, esbaforido e cheio de mochilas de câmeras penduradas no pescoço, passou em casa e lá fomos nós para Interlagos, mas não sem antes passarmos no primeiro posto a duas quadras de casa para aumentar a pressão dos pneus. O recomendado pela fábrica é 32/32 lb/pol² com pneus frios. Como na certa choveria na hora da prova, subi os dianteiros só para 38 lb/pol² e os traseiros deixei com 33 lb/pol². Após a prova, aprovei essa decisão. Gostei de como ficaram. Os dianteiros dobraram um pouco só uma vez, pois a aderência estava baixa e antes que dobrassem, escorregavam. As pressões estavam no ponto, pois contribuíram para que o carro se mostrasse praticamente neutro nas curvas e com ótima tração nas saídas delas.
Para mim, após o rali ficou claro que a cereja do bolo dessa nova versão do R.S. não são os belos apliques e cores, mas os excelentes pneus Michelin Pilot Sport 4. Repito: excelentes. Por serem tão bons na chuva demorou um pouco para que eu realmente acreditasse neles. Pensava eu: Tudo bem, essa curva eles fizeram quase como estivessem no seco, então deve dar para fazê-la um pouquinho mais forte. Será? E na próxima o danado fazia, sim, mais forte; sem drama. E assim, com calma fui baixando meu tempo.
A medida deles é 205/45ZR17, onde o “ZR” indica serem próprios para velocidades acima de 240 km/h. Como, segundo a Renault, a máxima do R.S. é 202 km/h, eles sobram. Para lembrar, o Sandero R.S. faz 0 a 100 km/h em 8 segundos.
O tanque estava quase cheio de álcool, o que faz o motor entregar 150 cv a 5.750 rpm e 20,9 m·kgf a 4.000 rpm — com gasolina, 145 cv e 20,2 m·kgf, mesmas rotações. É uma boa potência para um hatch de 1.161 kg em ordem de marcha (7,7 kg/cv), ainda mais tendo um câmbio manual de 6 marchas próximas, escalonado quase que perfeitamente para o traçado de Interlagos.
Quando eu entrava forte nas duas retas e, vendo que não havia ninguém à frente, resolvia acelerar nelas.Uns 200 metros antes de começar a frear eu tinha que usar a 6ª, pois o motor estava quase entrando no corte, que é a 6.500 rpm, correspondente a 174 km/h em 5ª. Mas na grande maioria dos trechos retos eu me continha e não passava de 150 km/h, pois o grid se formara com 34 carros e a pista de vez em quando ficava embolada, e eu não queria atrapalhar ninguém.
A grande maioria dos pilotos estava lá para competir em regularidade. Eu e outros, não. Eu só queria me divertir, sem marcar “flying laps” — se bem que a coisa estava mais para “swimming laps” — e sem perturbar ninguém, tanto que meu melhor tempo ficou só em 2’30”. São sempre 50 minutos de pista e as dez voltas que fossem feitas em tempos mais próximos seriam consideradas para a classificação, coisa que depois o computador faria.
Cada carro levava um transponder que, por três vezes, o identificaria em postos desconhecidos ao longo da pista, isso para que o sujeito não corresse à vontade e a cada volta freasse na linha de chegada para atingir seu tempo ideal. O objetivo era fazer o piloto ser regular a volta inteira.
Não é permitido levar nada além de um cronômetro. Para orgulho do AE, nosso amigo e antigo leitor Fábio “RoadV8Runner” Pinho venceu o campeonato com seu Ford Focus. Esta foi a 3ª etapa e ele ganhou esta e a anterior. Viva! Parabéns!
O traçado na chuva
O traçado a ser feito na chuva é diferente do feito no seco. No piso seco o trilho emborrachado costuma ser o mais aderente. Já quando molhado o trilho mais emborrachado, o bem escuro, fica mais escorregadio do que a pista limpa, então o negócio é evitar forçar o carro sobre ele; é evitar freadas, curvas e aceleradas fortes. Deve-se tratar de cruzá-lo “sem provocá-lo”. Portanto, as curvas do Sol, Lago, Laranja e a Mergulho, por exemplo, eu procurava fazer por fora. Na saída da do Pinheirinho havia uma mancha de óleo, também a contornava por fora.
No painel do R.S. há uma providencial tecla onde pressionada é ativado o modo Sport, que deixa o motor mais responsivo. Até a marcha-lenta sobe. Segurando-a por mais uns segundos ela também desativa o controle de estabilidade e tração, o que foi feito. Não experimentei o carro com o controle ligado, o que eu deveria ter feito para poder depois aqui opinar. Mas como tudo estava tão bem com ele desligado, e como esses controles costumam atrapalhar meu entrosamento com o carro, esqueci que ele existia. O ABS, por exemplo, não me lembro de ele ter atuado.
Se no seco a tocada suave é importante, no molhado é mais ainda. Deve-se evitar brusquidões, pois elas quebram as boas relações dos pneus com o piso. Deve-se frear, claro, o mais tarde e forte possível, porém com suavidade, sem pancada no pedal (isso sempre, até no seco), mas sim, mesmo que rápida, uma pressão crescente, e em seguida, também sem brusquidão, aliviá-lo, para então entrar com suavidade na curva. Na freada comanda-se aceleração interina com o punta-tacco e eis aí uma de suas importâncias, que é também evitar trancos nas reduções.
O mesmo fica para a marcha a ser usada nas saídas de curva. Não adianta estar com marcha muito curta, giro muito alto, e ter que dosar com extremo cuidado a aceleração. Como o motor do R.S. é elástico e o câmbio tem bastantes marchas, o melhor é contornar e sair da curva numa marcha acima da que se usaria com piso seco. Assim tem-se como dosar melhor a aceleração máxima possível sem que os pneus percam tração. Por exemplo, no Pinheirinho e no Bico de Pato, curvas que no seco eu faria em 2ª marcha, fiz em 3ª, pois até ela própria, se acelerada a fundo, provocaria perda de tração. Então era melhor deixar em 3ª mesmo e assim evitar perda de tempo que uma redução e uma subida de marcha trariam.
Em suma, é ser o mais suave possível, mexer o menos possível no volante, é fazer traçados limpos, suaves, redondos e precisos como o traço de um bom pintor. Show de circo, espalhafato, fica para o circo. Na pista o objetivo é velocidade.
O R.S., do qual eu já gostava, e muito, se mostrou um companheirão. O acerto que a Renault Sport lhe deu é irrepreensível. Freia de modo muito equilibrado, com perfeita dosagem na distribuição de ação entre a dianteira e a traseira (os quatro freios são a disco). Há bem pouco “dive”, ou seja, mergulho da dianteira na freada (as molas dianteiras foram bastante aumentadas na constante elástica, são mais duras), e a direção com assistência eletro-hidráulica tem uma precisão muito agradável.
Nas saídas de curva ele impressiona pelo tanto que traciona mesmo sem ter bloqueio de diferencial, o que faz lembrar que não importa o quanto um motor produz de potência, mas quanta potência os pneus conseguem jogar no chão sem patinarem. Boa parte desse mérito se deveu os bons Michelin Pilot Sport 4, como já disse, mas outra se deveu ao carro, à sua distribuição de peso, à sua geometria de suspensão e outras características construtivas e de calibração.
O único senão para a condição de pista foi sentir um pouco de excesso de assistência dos freios, mas isso ressalto que é para o caso de pista, e molhada, onde eu preferiria um pedal menos sensível. Mas fora de pista, rua, estrada, tudo bem, acho certo como está. Ah, nada de fading. Zero!
A importância que particularmente dou ao R.S. é por ele ser o melhor esportivo que temos e talvez o melhor que já tivemos. É um legítimo de carro de turismo esportivado. A Renault teve coragem e disposição de fazer o que os autoentusiastas sempre pediram e sempre pedirão, e fez o serviço completo.
As outras fabricantes — Fiat, Ford, GM, Toyota, Volkswagen — bem que poderiam fazer o que a Renault fez no Sandero, esportivar seus hatchbacks de entrada repotenciando-os e adequando-os para o maior desempenho. Capacidade técnica para isso não lhes falta, tampouco motores e transmissões prontos, na prateleira. E, melhor, que o fizessem sem colocar preço muito alto por isso, só o justo.
Eu gostaria que você, leitor ou leitora, entrasse nesse rali conosco. Um autódromo, com as condições de segurança e divertimento oferecidas pelo Torneio, é a melhor escola. Além da satisfação de pilotar de verdade, além dos amigos que fazemos, sempre há o que aprender, sempre há o que melhorar.
Nos veremos lá?
Um vídeo:
AK
FICHA TÉCNICA SANDERO R.S. 2,0 RACING SPIRIT | |
MOTOR | |
Designação | Renault F4R |
Instalação | Dianteiro, transversal, flex |
Tipo | 4 tempos, 4 cilindros em linha, bloco de ferro fundido, cabeçote de alumínio |
Nº de válvulas por cilindro/atuação | Quatro, atuação indireta por alavanca-dedo roletada, fulcrum com compensador hidráulico |
Nº de comandos de válvula | Dois, no cabeçote, acionamento por correia dentada |
Cilindrada (cm³) | 1.998 |
Diâmetro x curso (mm) | 82,7 x 93 |
Taxa de compressão (:1) | 11,2 |
Potência (cv/rpm, G/A) | 145/150/5.750 |
Torque (m·kgf/rpm, G/A) | 20,2/20,9/4.000 |
Corte de rotação (rpm) | 6.500 |
Formação de mistura | Injeção eletrônica no duto |
Combustível | Gasolina comum e/ou álcool |
TRANSMISSÃO | |
Câmbio | Transeixo dianteiro, manual de 6 marchas mais ré, todas sincronizadas; tração dianteira |
Relações das marchas (:1) | 1ª 3,73; 2ª 2,10; 3ª 1,63; 4ª 1,29; 5ª 1,02; 6ª 0,8 ré 3,54 |
Relação do diferencial (:1) | 4,12 |
SUSPENSÃO | |
Dianteira | Independente, McPherson, braço triangular, mola helicoidal, amortecedor pressurizado e barra estabilizadora |
Traseira | Eixo de torção, mola helicoidal, amortecedor pressurizado e barra estabilizadora integrada ao eixo |
DIREÇÃO | |
Tipo | Pinhão e cremalheira, assistência eletro-hidráulica, diâmetro de giro 10,6 m |
FREIOS | |
Dianteiros (Ø mm) | Disco ventilado/280 |
Traseiros (Ø mm) | Disco/240 |
Auxílio | Servofreio com câmara de vácuo de 10″ |
Circuito hidráulico | Duplo em “X” |
RODAS E PNEUS | |
Rodas | Alumínio, 6,5J x 17 |
Pneus | 205/45ZR17 (Michelin Pilot Sport 4) |
Estepe | Temporário 185/65R15 (80 km/h) |
DIMENSÕES (mm) | |
Comprimento | 4.068 |
Largura | 1.733/2.000 com espelhos |
Altura | 1.499 |
Distância entre eixos | 2.590 |
PESO E CAPACIDADES | |
Peso em ordem de marcha (kg) | 1.161 |
Porta-malas (L) | 320 a 1.200 |
Tanque de combustível (L) | 50 |
DESEMPENHO | |
Aceleração 0-100 km/h (s, G/A) | 8,4/8 |
Velocidade máxima (km/h, G/A) | 200/202 |
CÁLCULOS DE CÂMBIO | |
v/1000 em 6ª (km/h) | 33,8 |
Rotação a 120 km/h em 6ª (rpm) | 3.550 |
Rotação à vel. máxima (6ª) (rpm) | 6.000 |
MANUTENÇÃO | |
Revisões (tempo/km) | 1 ano/8.000 |
Troca de óleo do motor (tempo/km) | 1 ano/8.000 |
GARANTIA | |
Tempo/km | 3 anos/100.000 |