Com um mercado tão carente de esportivos aqui fabricados, resta ao autoentusiasta procurar esportividade nos carros de passeio. O Fiat Argo, equipado com o motor E.torQ 1,8 e câmbio manual, é um dos poucos que podem suprir essa carência, se não plenamente, ao menos razoavelmente.
Seu motor de 135/139 cv a 5.750 rpm só tem que carregar 1.243 kg, o que resulta numa boa relação de peso-potência de 9,2/8,9 kg/cv. Daí que ele faz o 0 a 100 km/h em 9,6/9,3 segundos e atinge 190/192 km/h (dados do fabricante). Não é um desempenho excepcional, porém não é nada desprezível, ainda mais quando se leva em conta o bom comportamento dinâmico, como agilidade, boa e precisa direção, bom equilíbrio nas retas e curvas, bons freios, além do envolvente banco do motorista e a ideal posição para guiar.
Vale lembrar a facilidade com que nele se faz o punta-tacco, manobra importante para uma correta tocada esportiva. É, portanto, um bom conjunto, bem comunicativo, do qual se pode obter o tão necessário prazer de dirigir de maneira mais sanguínea, mais envolvente, coisa que só uma máquina mais espirituosa é capaz de proporcionar.
Esse foi o principal motivo que me levou pedir o Argo HGT 1,8 para teste: medir sua esportividade. Após testar o Argo com motor 1,3-l e câmbio robotizado, e gostado bastante de sua dinâmica, foi fácil estimar qual esportividade ele teria com o motor ainda mais potente e câmbio manual. Intuí certo. Sei que a esportividade não é o apelo que lhe foi dado, e prova disso é que não vem com faixas decorativas típicas, embora o nome da versão — HGT — sugira não ser apenas um pacato e familiar hatchback.
Por exemplo, o câmbio não é tão preciso na seleção dos canais, embora tenha engates leves, só que ao custo de um curso mais longo do que eu gostaria. Um curso um pouco menor seria bem-vindo e não tornaria os engates significativamente mais pesados. A assistência do freio é um tanto excessiva e requer atenção numa tocada forte, tipo num track day, pois dificulta o punta-tacco. Mas isso, como disse, é numa tocada forte mesmo, de pista. No uso normal não há nada de errado nessas características, mas elas deixam a desejar quando se olha pelo lado autoentusiástico, esportivo mesmo, da coisa. Porém, fora essas pequenas e contornáveis ressalvas, essa versão do Argo tem o bastante para atrair o autoentusiasta.
Bom, esgotado o tema esportividade, vamos ao dia a dia, onde ele não deixou nada a desejar.
O motor é suave, elástico, potente e silencioso. Esse mesmo motor equipa o Jeep Renegade, que pesa 1.470 kg, e a picape Toro, de 1.620 kg, ou seja, o suve pesa em torno de 230 kg mais e a picape 380 kg mais, e mesmo assim ambos, que já testei, têm bom desempenho. Por aí o leitor já pode imaginar como é gostoso dirigir o Argo 1,8-l; a leveza que tem, a facilidade com que acelera desde baixas rotações o faz retomar velocidade rapidamente seja em que marcha estiver.
Quando a picape Fiat Toro foi lançada, em fevereiro do ano passado, vimos que o motor E.torQ teve evoluções, e a partir daí recebeu o sufixo EVO VIS. A evolução consistiu num novo coletor de admissão, agora de dois roteiros (VIS de variable intake system), da adoção de bomba de óleo de vazão variável, uso de óleo menos viscoso e aumento da taxa de compressão, que de 11,2:1 foi para 12,5:1.
O ganho em potência foi de 3 cv/7 cv, mas o ganho maior foi em elasticidade. Muito disso se deve ao novo coletor de admissão com dois roteiros. O caminho mais longo, que favorece o maior potência em baixa, é usado até 4.000 rpm. Acima disso, um flape é acionado automaticamente e o ar segue o caminho mais curto, o que dá mais enchimento dos cilindros quando nas rotações mais altas, trazendo assim maior potência. Em resumo, o objetivo das mudanças era ganhar potência em baixa e em alta, e conseguiram. Com essas mudanças, além do aumento da potência, o torque máximo aumentou de 18,4/18,9 m·kgf para 18,8/19,3 m·kgf e num regime mais baixo: antes era a 4.500 rpm e agora é a 3.750 rpm.
Se antes eu já gostava desse motor por seu bom desempenho e som gutural, agora gosto ainda mais, pois além do aumento em desempenho veio redução no consumo. Com álcool, fez 7 km/l ao longo da semana no trânsito paulistano e fez 10,2 km/l na estrada, sendo que na estrada rodei a 120 km/h reais e com o ar-condicionado ligado.
Como referência, o consumo Inmetro/PBVE é 11,4/7,8 km/l na cidade e 13,3/9,2 km/l na estrada.
E nota-se que sua pegada mais forte vem logo após na troca de roteiro da admissão. A 4.500 rpm começa a transformação de Dr. Jekyll em Mr. Hyde. E é aí que começa a emoção. O dócil hatch vira um arisco hot hatch e ganha velocidade que dá gosto. O corte de rotação é a 6.200 rpm, 450 rpm acima da rotação de potência máxima. E ele gosta disso, gosta de giro alto, continua subindo de giro linearmente e com suavidade, até que vem o corte. A impressão é a de que, não fosse o corte de segurança, ele, de boa vontade continuaria subindo umas centenas de rotações por minuto a mais.
A 120 km/h e em 5ª e última marcha o giro está a pouco mais de 3.100 rpm, uma relação correta para o conjunto. Numa arrancada onde se “estica” as marchas até o limite de giro, a próxima entra um pouco acima de 4.500 rpm, ou seja, entra com plena força, típico de câmbios bem escalonados. E viaja suave e em silêncio. Bom estradeiro, sempre bem plantado e com boa reserva de potência, proporcionando assim uma viagem descansada. A suspensão é firme o bastante para garantir boa agilidade e segurança, e macia o bastante para poupar os ocupantes dos reflexos desagradáveis de um piso ruim. O acerto de suspensão mesmo irrepreensível. E tem controle de estabilidade e tração, desligável.
O Argo surpreende pelo grande espaço interno, principalmente para os passageiros do banco de trás e bom porta-malas (300 l). É só entrando no carro para acreditar, pois olhando de fora não se espera tanto. Infelizmente a intensidade da luz dos mostradores é forte e imutável. Mesmo quando se liga os faróis elas não diminuem. O resultado é que isso incomoda, e bastante, ao viajar à noite. Só a tela multimídia permite sua luz ser desligada.
Enfim, ao se avaliar um carro esportivo deve-se também levar em conta sua praticabilidade no uso diário como carro de passeio. Esta avaliação, mais focada no leitor autoentusiasta, fez o caminho oposto. Achou num ótimo carro de passeio predicados dignos de um bom esportivo.
O preço deste Argo HGT 1,8 com câmbio manual inicia em R$ 64.600. Este em particular veio com Kit Tech (R$ 2.800), Kit Parking (R$ 1.400) e rodas especiais (R$ 1.652), o que totaliza R$ 70.452.
AK
Nota: atualização com a inclusão do vídeo em 4 de outubro de 2017.
Equipamentos opcionais do Argo HGT 1,8:
Kit Parking: Câmera de ré, sensor de estacionamento traseiro com visualizador gráfico: R$ 1.400
Kit Tech: Ar-condicionado digital, retrovisores externos com rebatimento elétrico e luz de conforto, acesso sem chave, sensor de chuva, sensor crepuscular, retrovisor interno eletrocrômico: R$ 2.800
Kit Stile: Bancos revestidos em couro ecológico; rodas de alumínio 6,5Jx17 com pneus 205/50R17V: R$ 2.500
Bolsas infláveis laterais dianteiras: R$ 2.500
Pintura metálica ou perolizada: R$ 1.600
Preço dos opcionais: R$ 8.100; preço do veículo com todos: R$ 72.700
Obs: O kit Stile é incompatível com as bolsas infláveis laterais dianteiras, ou seja, ou um ou outro.
FICHA TÉCNICA ARGO HGT 1,8 FLEX MANUAL | |
MOTOR | |
Designação | 1.8 16V E.torQ VIS FLEX |
Descrição | 4-cil. em linha, um comando no cabeçote acionado por corrente com variador de fase, 4 válvulas por cilindro, transversal, flex |
Material do bloco/cabeçote | Ferro fundido/alumínio |
Cilindrada (cm³) | 1.747 |
Diâmetro x curso (mm) | 80,5 x 85,8 |
Taxa de compressão (:1) | 12,5 |
Potência máxima (cv/rpm, G/A) | 135/139/5.750 |
Torque máximo (m·kgf/rpm, G/A) | 18,8/19,3/3.750 |
Formação de mistura | Injeção eletrônica no duto |
TRANSMISSÃO | |
Câmbio | Transeixo manual de 5 marchas mais ré, tração dianteira |
Relações da marchas (:1) | 1ª 3,909; 2ª 2,238; 3ª 1,444; 4ª 1,029; 5ª 0,756; ré 3,909 |
Relação de diferencial (:1) | 3,933 |
SUSPENSÃO | |
Dianteira | Independente, McPherson, braço triangular, mola helicoidal, amortecedor pressurizado e barra estabilizadora |
Traseira | Eixo de torção, mola helicoidal e amortecedor pressurizado |
DIREÇÃO | Pinhão e cremalheira, eletroassistida indexada à velocidade |
Relação de direção (:1) | n.d. |
Voltas entre batentes | 2,7 |
Diâmetro mínimo de curva (m) | 10,5 |
FREIOS | |
Dianteiros (Ø mm) | Disco ventilado/284 |
Traseiros (Ø mm) | Tambor/203 |
Controle | ABS (obrigatório) e EBD |
RODAS E PNEUS | |
Rodas | Alumínio, 6Jx16 |
Pneus | 195/55R16V |
CONSTRUÇÃO | Monobloco em aço, cupê hatchback, quatro portas, subchassi dianteiro, cinco lugares |
CAPACIDADES (L) | |
Porta-malas | 300 |
Tanque de combustível | 48 |
PESOS (kg) | |
Em ordem de marcha | 1.243 |
Carga útil | 400 |
DIMENSÕES (mm) | |
Comprimento | 4.000 |
Largura sem espelhos | 1.750 |
Altura | 1.505 |
Distância entre eixos | 2.521 |
Distância mínima do solo | 157 |
DESEMPENHO | |
Aceleração 0-100 km/h (s, G/A) | 9,6/9,2 |
Velocidade máxima (km/h, G/A) | 190/192 |
CONSUMO DE COMBUSTÍVEL INMETRO/PBVE | |
Cidade (km/l, G/A) | 11,4/7,8 |
Estrada (km/l, G/A) | 13,3/9,2 |
CÁLCULOS DE CÂMBIO | |
v/1000 em 5ª (km/h) | 38,2 |
Rotação a 120 km/h, em 5ª (rpm) | 3.140 |
Rotação à vel. máxima, em 5ª (rpm) | 5.030 |