Um namoro, um noivado, um casamento entre pessoas não é nada fácil, sabemos que um dos principais fatores do sucesso desta união é a flexibilidade entre os parceiros. Agora imaginem um namoro, noivado e casamento entre duas grandes fabricantes de automóveis. Uma, de origem alemã, outra de origem americana, dirigentes brasileiros misturados com os estrangeiros de ambas. Pois tive mais essa experiência profissional, conviver com duas empresas que se tornaram uma só, controladas por uma holding, a Autolatina.
A foto acima faz parte dessa experiência, falo sobre ela adiante, mas primeiro vamos ver o porquê dela.
Em 1º de julho de 1987 a Volkswagen do Brasil S.A. e a Ford Brasil S.A., com 51% e 49% das ações, respectivamente, passaram a pertencer à Autolatina, o mesmo ocorrendo com essas fabricantes na Argentina.
O objetivo desta fusão era, basicamente, juntas as duas marcas se fortaleceram criando uma nova gama de produtos para o mercado e com isso aumentar a participação das duas marcas no mercado brasileiro. Também, era uma maneira de obter ganhos em custos de desenvolvimento e terem melhores condições de negociar preços com os fornecedores.
Depois de nove anos como gerente da Assistência Técnica/Produto da VW, fui convidado em 1989 a colocar minha experiência de campo em produto, clientes e concessionárias a serviço da área da Qualidade da Autolatina, onde assumi o cargo de gerente da Análise Central da Qualidade, o ACQ.
Como eu disse na semana passada, eu era o responsável por coletar com meus antigos colegas da Assistência Técnica da VW, e com os novos da Ford, informações sobre problemas que os clientes e as concessionárias VW e Ford estavam tendo com veículos de ambas as marcas.
Em meados de 1989 a Ford lançou o sedã duas-portas Verona, a versão-topo GLX com motor VW AP-1800 e a GL com o motor Ford AE-1600, ex-CHT. O Verona era um versão sedã do Escort, que na Europa se chamava Orion, de quatro portas, mas aqui decidiu-se por duas. Consta que os concessionários VW se sentiram prejudicados e pressionaram a fábrica para terem um veículo da mesma categoria e assim teria nascido, a toque de caixa, o VW Apollo, de base Escort, só que com motor AP-1800 nas duas versões, a GL e a GLS. Era duas-portas como Verona, mas tinha acento esportivo, com câmbio mais curto e um defletor na tampa do porta-malas.
E assim seguiu funcionando a Autolatina, lançando modelos compartilhando projetos das duas marcas com emblemas diferentes, como o Versailles, um Santana portando o emblema do oval azul, embora com diferenças, como o Ford sendo de duas portas no começo. Depois vieram a perua Versailles Royale, a “Quantum” da Ford, mas de duas portas somente (depois haveria a de quatro portas), e os VW Logus e Pointer, ambos baseados no Verona/Escort.. O VW Pointer era produzido na fábrica Ford em São Bernardo do Campo.
As negociações com fornecedores, as dificuldades operacionais com as produções de veículos similares e uma rede de concessionários não preparada para este tipo de comercialização fizeram com que os resultados financeiros não justificassem esta união e com isto, a Autolatina teve seu fim anunciado em 1994. Participei das duas etapas da fusão e criação da Autolatina e tive também a oportunidade de testemunhar o seu encerramento. Namoro, noivado, casamento e separação.
Durante o período em que estive na área da Qualidade tive a oportunidade de conhecer e testar todos estes veículos. A engenharia preparava os carros — pré-produção, é claro — e a área da Qualidade colocava adesivos como camuflagem para que a imprensa não pudesse conhecer a linha do carro antes do seu lançamento, e saíamos pelo Brasil para testes de rodagem e/ou validação, sempre em grupos, em caravana. Havia um cronograma para estes testes e os executivos gerentes das áreas técnicas eram convidados a participar desta rodagem por alguns dias. Participei de várias.
Numa delas peguei a caravana em Teresina (PI), para onde fui de avião, e já na manhã seguinte, depois de uma rápida preleção, saímos para fazer nossos 400/500 quilômetros no período da manhã. Na hora do almoço, por volta das 13 horas, voltávamos ao hotel onde uma outra equipe nos esperava para assumir o volante destes carros, sem ao menos desligar o motor; o novo grupo iria até à noite.
Passamos por vários lugarejos, todas as estradas de terra e muito pouco de asfalto. Fazia parte desta avaliação o teste do sistema de ar-condicionado. Paramos na cidade de Picos, uma das regiões mais quentes e secas do Brasil. A temperatura externa estava em 43 ºC, e ainda era de manhã.
Quando paramos em um bar para matar a sede perguntei a um garoto dos seus sete/oito anos há quanto tempo não chovia. Sabe qual foi sua resposta? “Não sei não senhor, chuva não me lembro não.”
Pelas fotos pode-se ver que as estradas de terra nem sempre eram bem conservadas e havia trechos onde se testava a vedação e funcionalidade das borrachas das portas contra a entrada de poeira. Para isso era necessário andar com os vidros levantados e não era permitido o uso do ar-condicionado — sua avaliação era feita em outro momento — e tampouco a ventilação da cabine, o ar interno ficava em recirculação. Que calor impressionante!
Todos os quilômetros rodados nesses testes foram para mim uma grande experiência, um verdadeiro aprendizado, e cheguei a uma conclusão: ser piloto de provas de fábrica, profissão tão desejada pelos jovens, não é aquela maravilha que se imagina quando se está do outro lado.
RB