Caro leitor ou leitora,
Esta é mais uma matéria do Portuga Tavares no seu retorno ao AE. A primeira foi em 16 de setembro p.p., “O tempo dá jeito em tudo“. Leia curta mais uma passagem da vida de autoentusiasta do Portuga.
Bob Sharp
Editor-chefe
Nota: Quem desejar contatar o Portuga Tavares, seu e-mail é portugatavares@gmail.com
CINQUENTÃO BOM DE ESTRADA!
Por Portuga Tavares
Sou fanático por Galaxie e não escondo de ninguém que esse é meu carro preferido. Tive a sorte de ser agraciado com uma baita responsabilidade, presidir o Galaxie Clube do Brasil. Estou no segundo mandato e 2017 trouxe uma responsabilidade enorme: o modelo completa 50 anos de Brasil.
E foi voltando de uma dessas comemorações dos 50 anos, a bordo do meu Galaxie 500 1972, que comecei a pensar no texto para o AUTOentusiastas. Era volta do feriado da Independência, uma quinta-feira e que se prolongou na sexta-feira, e eu, “lusitanamente”, deixei para voltar do evento de Águas de São Pedro no domingo de manhã. Ao sair da Rodovia Luiz de Queiroz (SP-304) e pegar a Rodovia dos Bandeirantes (SP-348), já notei que o fluxo era intenso, bem diferente da época em que o carro foi apresentado.
Visto pelo grande público pela primeira vez no Salão do Automóvel de 1966, o modelo americano exposto no pavilhão mostrou a novidade da Ford para o ano seguinte. Exatamente no dia 16 de fevereiro de 1967 a produção se iniciou e em abril os Galaxies começaram a chegar às concessionárias, ficando em produção por 17 anos. Seus modelos (500, LTD, LTD/Landau e Landau) foram se sucedendo no cargo de carro mais caro do país, até que seu último modelo saísse da linha de montagem, em março de 1983.
O carro que foi dos grandes industriais, empresários, políticos e demais abonados, hoje está com admiradores do modelo que não necessariamente estão com os bolsos cheios e, também, não é segredo para ninguém como nossa economia estraçalhou os orçamentos familiares de todos, mas as comemorações dos 50 anos do Galaxie não poderiam passar em branco. Afinal de contas, só se comemora meio século uma vez.
Fazer um único e grande evento seria legal, mas qualquer que fosse o lugar escolhido, as pessoas de longe não conseguiriam ir. A alternativa foi pulverizar as comemorações em eventos pelo país inteiro.
Fechamos parceria com 17 eventos, espalhados pelo país, e mandamos fazer 50 troféus. Em nossas regras estabelecemos que nenhum diretor do clube teria direito a premiação e escolheríamos, por região, pessoas que tivessem história com o Galaxie nacional. Foi nossa maneira de fazer com que o máximo de Galaxeiros possível fosse homenageado e, com a chance de a maioria possível participar sem maiores custos.
Ainda assim, os diretores do clube ficaram incumbidos de ir às comemorações e, sempre que possível com seus veículos para dar corpo ao evento e às festividades. No evento do Pick-Ups Club, aquele que comentei no início do texto e que é de onde estava voltando, foi ótimo, já enfrentar o trânsito intenso que subitamente virou um engarrafamento, sob aquele sol infernal, começou a ser algo cansativo. Os pneus diagonais permaneciam parados no asfalto quente, o motor ligado e a cada pequena saidinha sentia o carro começando a dar sinais de que ele tem 45 anos e está equipado como saiu de fábrica.
Sou do tipo que gosta de manter o carro original, gosto de carburador, platinado e condensador pelo simples motivo de se algum deles der problema eu resolvo. Muita eletrônica embarcada é ótimo, mas se der um “tilt” a única ferramenta útil é um celular com sinal e bateria, porque é guincho na certa. Mas meu carro estava em funcionamento e nunca me permiti ficar pelo caminho por bobagem, fato a se comemorar.
Falando em comemorações, elas iniciaram de maneira tímida, mas a divulgação andou por si só. Em Águas de Lindoia foram reunidos 37 modelos, um recorde no gramado da cidade que é sinônimo de antigomobilismo. Confesso que foi emocionante ver aquelas máquinas que superam a ocupação dos 10 metros quadrados parados lado a lado e precisando tomar espaço das ilhas próximas. Somente um Landau, com míseros 170 km registrados no hodômetro, chegou de plataforma; todos os outros foram andando.
Em meu trânsito intransitável, lá estava parado, pensei quando chegar numa descidinha desligo o motor e vou deixando o carro avançar só no freio, apesar de já ser o primeiro ano do modelo em que os freios a disco passaram a ser de série e contar com servofreio, não seria problema o pedal endurecer, porque as paradas estavam tão longas que a “cuíca do freio” respiraria novamente. Mas não deu tempo: o carro apagou, puxei o cabo do capô já pensando agora é esfriar a bomba de combustível ou a bobina.
Sabe aquela história de que a gente sempre sabe o que tem, mas nem sempre onde está? Pois bem, sei que tenho uma caixa de ferramentas e que ela sempre está num porta-malas, mas sei que minha memória já não é das melhores e, veja só, esqueci de colocá-la no carro. Aquela estopa, então, para garantir a água molhada esfriando, nem pensar. Minha namorada estava com uma garrafa de água recém-comprada, geladinha e uma toalha de banho na bagagem, outra coisa que sempre esqueço de levar comigo. Enquanto esfriava, um motor-home de um amigo parou, pensei logo na caixa d’água da casa sobre rodas e pensei: quem tem amigos, tem tudo.
Amigos que se reúnem por causa dos carros antigos e aqueles que você faz exatamente por conta desses amontoados de peças que tanto gostamos são fantásticos. No sul do país há um grupo cujo nome é exatamente esse: “Amigos do Galaxie”. Essa galera já tem 15 anos e sempre se reúnem. Em setembro comemoraram o aniversário do grupo e do jubileu do carro em Florianópolis em um hotel na praia do Bom Jesus: 52 Galaxies enfeitaram o estacionamento, oito vindos de São Paulo, uma viagem que eu adoraria ter feito.
Voltando ao acostamento, toalha devidamente molhada, em cima da bobina, uma garrafa pet cheia de água vinda do motor-home para emergência e o motor novamente ronronando feito um gatinho, pronto, já poderíamos pegar trânsito novamente. Usando aquele famoso aplicativo achamos um caminho mais livre e lá foi o “Galaxão” com seu V-8 de 292 polegadas cúbicas cortando por dentro das cidades dos arredores e desviando do trânsito.
O motor, aliás, foi um dos motivos que a fabricante viu como determinante para a produção do Galaxie no Brasil. O chassi aceitaria com facilidade o V-8 272 (4.452 cm³) que já equipava os utilitários da marca (F-100, F-350, F-600 e F-800) e em 1969 chegou o 292 (4.778 cm³), para a nova versão do Galaxie, o LTD, que poderia ser, também, equipado com câmbio automático, nascendo assim o primeiro carro nacional com esse tipo de câmbio. Só em 1976, quando a família Galaxie recebeu o maior dos seus face-lifts, deixando os faróis na vertical e adotando a posição horizontal, é que o motor também mudou para o 302 (4.942 cm³), que no Brasil ficou conhecido como “canadense”, já que esse motor (que equipava o Maverick V-8 desde 1973) vinha do Canadá.
Lembra da toalha que eu usei para esfriar a bobina? Então, o cheiro de queimado que começou a invadir a cabine me fez lembrar dela também. Parei, abri o capô e não é que deixei ela encostada no coletor de escapamento? Bom, digamos que aquela toalha “deu sua vida” por uma boa causa, ela nos tirou do acostamento, voltamos para casa bem, mas ela… bem, ela será transformada num belíssimo pano de chão.
Para minha sorte, ainda temos mais um evento de comemoração dos 50 anos de Galaxie, a Galaxata, será no primeiro domingo de dezembro. Sairemos de diversas cidades de São Paulo rumo a algum restaurante, ainda há 10 troféus para serem distribuídos, mas o melhor será poder lembrar que os carros andam bem e rendem boas histórias, seja pela trajetória do modelo no mercado da época ou na atualidade, conquistando a estrada, visitando eventos — e, eventualmente, acostamentos.
PT