Sempre gostei de carros com uma “pimentinha” a mais, seja ela original de fábrica ou não. Também pudera, meu primeiro carro, um Gol LS AP-1600 ’85 tinha uma preparação leve, mas que trazia vários sorrisos ao cara que vos escreve, isso nos idos de 1998.
Em 2002 fui fisgado pelo tal do turbocompressor. Havia comprado um Gol 1-L Turbo e, quer saber, a sensação de sentir o corpo jogado contra o encosto do banco é sensacional! Logo depois, tive a oportunidade de experimentar também um A3 1,8T de 180 cv, aí a picada estava dada.
De lá para cá, alguns carros entraram e saíram da minha garagem, mas eu sempre dizia que teria outro carro turbo novamente, fosse ele original de fábrica ou não.
Então em 2012, depois de muita insistência do amigo Carlos Morassi, resolvi customizar meu Voyage.
Os pilares do projeto eram: durabilidade, boa dirigibilidade sob qualquer condição e visual muito próximo ao original, um sleeper (expressão criada nos anos 60 a partir dos Ford Cortina preparados na Inglaterra).
Com isso em mente, conversei com muita gente, mecânicos, preparadores, amigos entre outros, montei a configuração na minha cabeça e saí às compras.
Com quase tudo comprado, procurei um preparador parceiro para desenvolver a empreitada, recebi uma indicação e fechamos negócio.
Carro encostado, peças em mãos, mãos à obra. Porém, neste meio tempo, como a doença de meu pai se agravara e logo em seguida ele viria a falecer, não pude dar a atenção devida na montagem da mecânica, mas mesmo assim a fizemos, da seguinte forma:
Motor aberto, revisado por completo, bronzinas trocadas, bomba de óleo original, anéis novos, junta de cabeçote original de aço, cilindros brunidos, cabeçote revisado, nele foi montado um comando 49G (049.109.101.G), um novo coletor de escapamento para montagem da turbina, o turbocompressor utilizado foi um Garrett APL 525 com as dimensões 42/48, e a caixa quente foi substituída por uma pulsativa (entrada da caixa quente dupla — dupla voluta, como é mais conhecido hoje — a fim de diminuir o turbolag). O carburador foi escolhido a dedo, um Solex-Brosol 2E com difusores de 22/26 utilizados na família 1,8 S movida a álcool, a linha de combustível foi refeita e o carro ganhou uma bomba de combustível da Bosch, originalmente utilizada no Gol GTi; manômetros foram instalados discretamente abaixo do painel.
O câmbio a ser utilizado foi de prefixo PVD (PVD = caixa curta do Gol GTS, que é a PV com diferencial 3,888:1, mais longo), e a embreagem escolhida foi a original do Santana 2-litros, da renomada ZF Sachs. O escapamento foi feito sob medida com 2,5″, e a meu pedido foram utilizados dois abafadores para minimizar ruído excessivo.
Carro no chão, pedi para que o mesmo fosse acertado inicialmente com 1 bar de pressão, rodei 1.000 km amaciando, sem abusar, fiz a troca de óleo e daí em diante, iria testá-lo de fato — iria, meus problemas só estavam começando.
Percebi que soltando o pé do acelerador “fumava”, levei o carro em uma autorizada Garrett e o tal “preparador” havia ligado a alimentação de óleo da turbina antes do filtro.. Motor novo, partículas no óleo, limalhas no mancal da turbina e lá se foi minha Garrett 0-km!
Por conta própria, levei o carro ao meu mecânico de confiança (Sr. Edison), desmontamos a turbina, levei-a à Garrett onde a mesma foi recondicionada e me foi dada garantia de como se fosse 0-km. Fiz o tal “preparador” me pagar este prejuízo e nunca mais voltei lá.
Com a cabeça mais no lugar, eu e o Sr. Edison começamos a caçar muitos trabalhos malfeitos, sanamos um vazamento de óleo no retorno da turbina e voltei a rodar com o carro.
Um dia fui trabalhar bem cedinho, saí disposto a testar o carro no Rodoanel Mário Covas. Estava talvez a uns 150 km/h quando senti a frente do carro “cair”… o motor havia morrido! Desconsolado, fui encostando devagarzinho, liguei o pisca-alerta, coloquei o triângulo e ao abrir o capô, o álcool borbulhava em cima do coletor de admissão. Muito contrariado, peguei o extintor e fiz o que tinha que fazer… Ali pensei em largar tudo e vender o carro, fiquei com muita raiva. Com mais calma, porém, comecei a analisar o que podia ter acontecido e o que constatei foi que o tal “preparador” tinha deixado mais um rabo para trás: vinha com uma mangueira de 8 mm até o carburador, mas ele tinha um niple de 6 mm… Em vez de o cara acertar a mangueira ou niple, ele vestiu o niple com uma mangueira pneumática e colocou a mangueira de alimentação vestindo o niple. A mangueira se soltou e lavou o motor de álcool.
Carro de volta à oficina, todas as mangueiras de alimentação e conexões acertadas, todas mangueiras substituídas por mangueiras de alta pressão, próprias para injeção eletrônica e quanto ao acerto, sempre ouvia dizer muito bem de um “tal” Eduardo Keller de São Bernardo do Campo… Eu tinha um pouco de receio de ser “esfaqueado” ($$$) mas como com o tempo aprendi que economia e preparação não combinam muito, resolvi levar o carro para o Eduardo e lá relatei toda a minha novela.
Combinamos o que havia a se fazer, deixei o carro em uma manhã por lá e no fim do dia, ele inacreditavelmente me ligara dizendo que o carro estava pronto! Não acreditava! Fiquei até com medo de perguntar o valor, mas perguntei: R$ 250,00! Quase caí para trás, não acreditara que em meio dia de trabalho minha novela havia sido resolvida, e por esse preço. E foi… andei com esse acerto por mais de dois anos sem nenhum problema e ele ficou desde então como o acertador desse carro.
Enfim, fui pegando mais experiência e inventando muitas coisas, sempre pensando em aumentar a durabilidade e dar um conjunto à altura da potência do carro.
A suspensão foi revista, amortecedores com mais carga foram utilizados e o carro foi levemente rebaixado, deixando a frente pouca coisa mais baixa que a traseira.
Coloquei uma barra estrutural, feita sob medida, para amarrar as longarinas dianteiras, fiz uma captação de ar pela grade com um filtro esportivo K&N:
A turbina foi retrabalhada, os mancais foram substituídos por mancais de liga leve que retêm maior quantidade de óleo, foi instalado o trocador de calor óleo-água de AP-2000 que fica no cavalete de óleo, a caixa quente da turbina e o coletor de escapamento ganharam um banho de cerâmica afim de isolar um pouco o calor gerado do cofre, o filtro de óleo utilizado agora é do EA-113 1,8 turbo que possui uma peneira mais fechada a fim de “entregar” um óleo mais “puro” à turbina.
Algumas mangueiras foram isoladas com isoladores térmicos:
Caixa quente com banho de cerâmica:
Resolvi instalar as rodas do Passat VR6 B4, vi estas instaladas em um Gol e achei que ficariam bacanas, porém, existe um grande problema::essas rodas possuem furação 5×100 e o Voyage usa 4×100. Mais uma vez, fui atrás de informações, desenhos, estudos, dicas de amigos, até que conheci meio sem querer, na internet, o amigo Reginaldo, que já havia feito a mesma montagem em um Passat utilizando peças de prateleira da VW e assim foi feito, sem “gambiarra” alguma, tudo feito com muito cuidado pelo Sr. Edison, muito diferente do que vemos nas ruas por aí (refurações e adaptadores de funcionalidade questionável). Gastei bem nessa montagem, mas valeu cada centavo. Os pneus, novamente com medidas escolhidas à dedo, 185/55R15 a fim de chegar em um bom compromisso entre conforto e desempenho:
Este ano, resolvi restaurar o cofre Voyage (havia sido danificado por um defeito na bateria há pelo menos uns 23 anos). Novamente, eu e o Sr. Edison perdemos muitos finais de semana, noites, cabelos e mais uns tostões, mas o resultado foi gratificante:
E a última invenção foi o reservatório do respiro de óleo: o pessoal fura o carro, inutiliza o vaso do esguicho, etc.. Lá vou eu quebrar a cabeça novamente: vi que no cofre existe um suporte soldado à carroceria que era utilizado para fixar a caixa de ar dos Voyage com motorização AE-1600. Fiz um croqui, construí um suporte e olha ele aí:
Enfim, como eu disse lá em cima, o céu é o limite. Tem que ter disposição, tempo, pés no chão, conhecimento e dinheiro (muito!), é um hobby, nunca termina, mas o resultado até então tem sido satisfatório, são cinco anos rodando sem quebras, contrariando muita gente, de mecânicos a preparadores.Enfim, está no sangue, qualquer economista me chamaria de maluco, mas a vida é uma só e essa é a minha válvula de escape.
Quem sabe qualquer hora eu não coloco na prática o projeto de uma Quantum 2,5-l de Jetta!
Luciano Gonzalez
São Paulo – SP