“… só usando mesmo, que a gente vai descobrindo as peculiaridades de um carro.”
Me apropriei da frase acima, escrita pelo leitor “Mr. Car” na seção de comentários, para dar início ao comportamento do Renault Kwid Intense nesta que foi sua terceira semana de uso. O propósito deste teste mais extenso, de 30 dias, é esse mesmo o objetivo do AE: aprofundar o convívio para conhecer melhor os carros e oferecer aos leitores um panorama mais completo. Felizmente a maioria dos fabricantes apoia esta editoria, mas alguns não, alegando não poder praticar empréstimos em períodos mais extenso que uma ou duas semanas. Paciência. Perdemos nós, e mais ainda eles, cujos produtos deixam de ser “radiografados” em sua intimidade.
No caso do Kwid, esta semana trouxe um retrato ainda mais definido de dois aspectos que foram apenas esboçados nos posts anteriores e dizem respeito ao uso em rodovia e ao comportamento com álcool no tanque. Desta vez a viagem foi por roteiro bem mais completo para fins de avaliação. Saindo da capital paulista escalamos a serra da Mantiqueira rumo a Campos do Jordão, SP, cerca de 380 km ida e volta. Com porta-malas cheio e quatro no carro, a curiosidade por saber como o pequeno Renault se comportaria nesse uso, digamos, extremo, era grande. Especialmente nas grandes altitudes, como nos quase 1.700 metros daquela cidade.
Abastecido com gasolina, deixei São Paulo no auge do horário de pico em um dia quente, o que revelou uma carência da novidade da Renault: o ar-condicionado. No para e anda da marginal do Tietê, onde “atolei” por mais de uma hora até alcançar a rodovia Presidente Dutra, mesmo com a ventilação no máximo e o sistema de recirculação acionado, o conforto térmico na cabine em dados instantes não foi o ideal. Principalmente os passageiros do banco de trás, que reclamaram de calor uma vez que o econômico Kwid, obviamente, não dispõe de saídas de ar para a turma da 2ª classe.
Outro fator vem, certamente, da estratégia bastante comum com motores de baixa cilindrada, a que desconecta o compressor do ar-condicionado por 10~12 segundos quando se exige mais potência do motor. Assim, vez por outra, naquela situação em que o congestionamento desempaca por instantes e o acelerador é usado com mais intensidade, foi nítido perceber como o fluxo de ar fresco dava lugar a um ventinho apenas morno.
Estes longos minutos de congestionamento permitiram perceber outras características do Renault, algumas delas características intrínsecas a todo carro compacto, outras específicas do projeto. A primeira delas? A cabine é pequena mesmo, especialmente na largura. Melhor que os companheiros (ou companheiras) de viagem sejam pessoas íntimas ou pelo menos de porte físico de mediano para baixo. O motorista roça ombros em seu acompanhante e atrás o contato de joelhos entre os ocupantes é inevitável. E com cinco a bordo? Não foi preciso testar esta configuração para saber que tal lotação só será suportável em pequenos trajetos. Além disso, espaço para pernas atrás não é o forte deste Renault.
Quanto às deficiências específicas do Kwid, a primeira delas é referente à pedaleira. Frequentemente, ao frear, o bico do calçado encosta na haste do pedal, o que para não ocorrer exige “mirar” a sapata, e que para ser corrigida ensejaria revisar o desenho do conjunto como um todo. Outro detalhe “vizinho” e chato é a falta de um válido apoio para o pé esquerdo, algo que especialmente em viagens mais longas seria bem-vindo.
No inferno do para e anda outro aspecto que se confirma como a melhorar é a manobrabilidade da alavanca de câmbio, cujo comando (por cabos) tem um tato e precisão que mereceria revisão, além de ter um curso ser um tanto longo demais para meu gosto.
Por falar em câmbio, estou tão acostumado a dirigir vários carros de teste que só agora me dei conta de que a ré desse câmbio, que é exclusivo do Kwid, não fica sob a 5ª marcha, como nos demais Renault, mas ao lado da 1ª, com nos Volkswagen de motor transversal. Mas isso não muda nada, é apenas diferente.
Encerro o “apedrejamento” com uma crítica ao viva-voz do telefone. Como manda o figurino de um carro que pretende agradar a jovens de idade e de espírito, a Renault equipou seu Kwid em versão mais cara com uma fornida central multimídia dotada de navegador, sistema de áudio com leitor de mídias externas (pen drives, iPods, iPhones, iTudos…) e com a possibilidade de usar smartphones conectados ao sistema via Bluetooth. O problema é que qualquer ligação torna-se um martírio, pois as pessoas chamadas reclamam da baixa qualidade de recepção da voz. Pista para o problema? Ao meu ver é a localização do microfone, situado no teto à direita do espelho retrovisor. Local adequado para um Kwid com volante de direção na direita, como o vendido na Índia, onde o projeto nasceu. Seria o caso de rever o posicionamento do microfone trazendo-o para mais perto da cabeça dos motoristas da versão brasileira; acredito que a eficiência do sistema melhorasse.
Outra questão resultante do passar o volante para o lado esquerdo é a carcaça dos espelhos terem ângulo para motorista no lado direito — esses ângulos em função da mão de direção são diferentes sempre —, o que faz os espelhos quando regulados corretamente saírem dos limites das carcaças. Aliás, o Kwid foi precedido nessa questão dos espelhos “saltarem” das carcaças pelo Omega importado da Austrália para o Brasil a partir de 1998, onde a mão é esquerda e o volante, na direita.
Qualidades confirmadas nesse uso urbano crítico e em viagem? A resposta do motor, especialmente sua elasticidade. Exagerando (mas não muito!) ele aceita rodar em 3ª ou 4ª marcha a velocidades ínfimas e, chamado à causa, responde com razoável energia. Sem dúvida o tricilindro Renault é um dos melhores da atualidade quando o assunto é retomada desde as mais baixas rotações. Vibra, é certo, bem pouco, mas vai em frente. Outro ponto louvável é derivado do pequeno tamanho da carroceria que promove uma tocada quase que motociclística, pois com o Kwid é possível se enfiar em frestas e serpentear pelo trânsito como eu não fazia desde o tempo do Fiat 147.
Chegando à rodovia, o Kwid mantém os 120 km/h resvalando o ponteiro do conta-giros na marca dos 4 mil rpm (3.870 rpm exatos) e a esta rotação, caso seja necessário, é capaz de reagir de forma digna ao afundar do pé no acelerador mesmo com a configuração de quatro adultos a bordo e porta-malas cheio. Quanto à suspensões, nesta velocidade a sensação de segurança é razoável apesar de permanecer a impressão da viagem da semana inaugural, de que é melhor não ser muito brusco nas mudanças de faixa de rolamento: leve, alto e estreito, o Kwid demanda uma tocada um pouco mais atenta quando o ponteiro do velocímetro supera os 110~120 km/h.
No trecho de subida da serra, que dos 580 metros acima do nível do mar de Taubaté me levaria aos quase 1.700 metros de Campos do Jordão, o destaque foi do motor, que aceitou ser levado em alta rotação, assim como em marchas baixas, sem dar a impressão de perda de potência em cerca de 16% causada pela altitude. Para mitigar tal realidade, antes de encarar a subida abasteci com álcool e efetivamente senti o acréscimo na cavalaria (de 66 para 70 cv) e torque (de 9,4 para 9,8 m·kgf). Podem parecer ínfimas vantagens, mas efetivamente os 6% de acréscimo em potência e 4% no torque se sentem, especialmente na zona alta do conta-giros, dos 4,5 aos 6 mil giros.
Se no que diz respeito ao vigor de seu motor o Kwid encanta, nas curvas a atitude não é tão bacana. Alto, especialmente carregado, a rolagem nas curvas é acentuada, o que não passa uma sensação muito boa ao encará-las como mais vigor. Mas fica na sensação apenas, pois rolagem não é sinônimo de insegurança, é bom que se diga.
Na volta, sem os companheiros, “despenquei” serra abaixo abusando um pouco mais mas com a mesma sensação de não poder exagerar com o Kwid por conta de um acerto de suspensões que, ao meu ver, mereceria ser revisado, como reduzir um pouco a altura de rodagem e/ou adotar barra estabilizadora dianteira. Semana que vem, na ida à Suspentécnica, vamos ver o que dirá Alberto Trivellato… Em contrapartida, nessa descida de serra surpreendeu-me não haver nenhum sinal de fading de freio, que seria normal por o discos não serem ventilados.
No que diz respeito a consumo, permaneceu a sensação de que o pequeno Renault poderia (deveria!) fazer melhor. A melhor média em cidade com gasolina foi de 12 km/l, recordando que tal cifra foi sob “fogo cerrado”, mesclando congestionamentos e a região montanhosa de São Paulo com um pé pesadinho. Na estrada, a 120 km/h o número é menor que 14 km/l com gasolina e 12 km/l com álcool, o que mostra ser o motorzinho do Kwid mais propenso ao combustível de origem vegetal do que ao fóssil “batizado” — e bem — com álcool, algo especialmente vantajoso com a atual configuração de preços, ao menos na capital paulista, onde paguei R$ 3,69 pelo litro da gasolina comum e R$ 2,39, pelo do álcool.
Caminhando para o final do teste, o Kwid vai encarar alguns quilômetros urbanos e a tão esperada visita à oficina onde Alberto Trivellato investigará o que há nas entranhas do menor dos Renault à venda no Brasil.
RA
(Atualizado em 31/10/17 às 8h45, correção de informação sobre o Omega)
Leis os relatórios anteriores: 1ª semana 2ª semana
RENAULT KWID INTENSE
Dias: 21
Quilometragem total: 1.497 km
Distância na cidade: 861 km (57,7%)
Distância na estrada: 636 km (42,3%)
Consumo médio: 11,0 km/l (48,9% álcool/51,1% gasolina)
Melhor média: 13,8 km/l (álcool)
Pior média: 6,9 km/l (álcool)
Melhor média: 13,4 km/l (gasolina)
Pior média: 7,6 km/l (gasolina)
Média horária: 26 km/h
Tempo ao volante: 57h34minutos
FICHA TÉCNICA RENAULT KWID INTENSE | |
MOTOR | |
Tipo | B4D, L-3, comando por corrente, 4 válvulas por cilindro, flex |
Instalação | Dianteiro, transversal |
Material do bloco/cabeçote | alumínio/alumínio |
N° de cilindros/configuração | 3 /em linha |
Diâmetro x curso (mm) | 71 x 84,1 |
Cilindrada (cm³) | 999 |
Aspiração | Natural |
Taxa de compressão (:1) | 11,5 |
Potência máxima (cv/rpm, G/A) | 66/70/5.500 |
Torque máximo (m·kgf/rpm, G/A) | 9,4/9,8 m.kgf @ 4.250 |
N° de comando de válvulas/localização | 2 /cabeçote |
Formação de mistura | Injeção eletrônica no coletor de admissão |
TRANSMISSÃO | |
Rodas motrizes | Dianteiras |
Câmbio | SG1, manual 5 marchas à frente e uma à ré |
Relações das marchas (:1) | 1ª 3,769; 2ª 2,048; 3ª 1,290; 4ª 0,949; 5ª 0,791; ré 3,54 |
Relação de diferencial | 4,38 |
FREIOS | |
Dianteiro (tipo, Ø mm) | Disco, n.d. |
Traseiro (tipo, Ø mm) | Tambor. n.d. |
SUSPENSÃO | |
Dianteira | McPherson, triângulo inferior, mola helicoidal e amortecedor pressurizado |
Traseira | Eixo de torção, mola helicoidal e amortecedor pressurizado |
DIREÇÃO | |
Tipo | Pinhão e cremalheira eletroassistida |
Voltas entre batentes | 3,5 |
Diâmetro mínimo de curva (m) | 10 |
RODAS E PNEUS | |
Rodas | Alumínio, 5Jx14 |
Pneus | 165/70R14 |
PESOS (kg) | |
Em ordem de marcha | 786 |
Carga máxima | 375 |
Peso bruto total | 1.171 |
Reboque máximo sem freio/com freio | n.d. |
CARROCERIA | |
Tipo | Monobloco em aço, 4 portas, 5 lugares |
DIMENSÕES EXTERNAS (mm) | |
Comprimento | 3.680 |
Largura sem/com espelhos | 1.579 / n.d. |
Altura | 1.474 |
Distância entre eixos | 2.423 |
Bitola dianteira/traseira | n.d. |
Altura do solo | 180 |
AERODINÂMICA | |
Coeficiente de arrasto (Cx) | n.d. |
Área frontal calculada (m²) | 1,86 |
Área frontal corrigida (m²) | n.d. |
CAPACIDADES (L) | |
Porta-malas | 290 |
Tanque de combustível | 38 |
DESEMPENHO | |
Velocidade máxima (km/h, G/A) | 152/156 |
Aceleração 0-100 km/h (s, G/A) | 15,5 / 14,7 |
Relação peso-potência (kg/cv, G/A) | 11,9/11,2 |
CONSUMO DE COMBUSTÍVEL INMETRO/PBVE | |
Cidade (km/l, G/A) | 14,9 /10,3 |
Estrada (km/l, G/A) | 15,6 /10,8 |
CÁLCULOS DE CÂMBIO | |
v/1000 na última marcha (km/h) | 31 |
Rotação do motor a 120 km/h em 5ª (rpm) | 3.870 |
PREÇO (R$) | 39.990 |
GARANTIA | |
Termo | 3 anos e 5 anos para veículo financiado pelo Banco Renault |