Administração do autódromo não detalha gastos. Prefeito mudou discurso de campanha. Veteranos querem salvar pista.
Em um momento em que a sociedade vive transformações amplas a ponto de impor mudanças drásticas e até a extinção de profissões, autódromos estão longe poder exibir uma garantia de habeas corpus. Ainda assim, enquanto alguns definham, muitos são aperfeiçoados e outros tantos surgem com propostas mais adequadas as demandas de um mercado em ebulição. Tal panorama apenas reforça a tese que vender Interlagos, como pretende claramente o vereador Milton Leite e indica o prefeito João Dória Jr, tem todas as feições de um negócio muito mal explicado. Se você é contra a privatização do autódromo de Interlagos expresse sua opinião assinando esta petição pública que cobra a preservação do circuito.
Dória elegeu-se com uma plataforma que incluiu claramente a privatização do autódromo paulistano, entre outros bens públicos, entre eles o estádio do Pacaembu e o Parque Anhembi, parte dele ocupada pelo sambódromo. Em momento algum o então candidato sugeriu ou deixou transparecer que sua ideia de privatizar era a venda pura e simples do terreno e a consequente liberação do uso desse espaço aos desejos de um eventual comprador. Recentemente Dória Jr veiculou um vídeo em redes sociais onde destaca a honestidade como valor indiscutível. Detalhe: tal vídeo foi gravado em uma daquelas igrejas onde o líder vive de doações que incluem comprar pedaços de uma camisa ensanguentada.
Autoproclamado defensor ferrenho da gestão eficiente, o novo prefeito ainda está por mostrar qualquer planilha que esclareça o movimento financeiro do autódromo de Interlagos. Segundo Milton Leite, um dos seus maiores apoiadores na câmara Municipal, o circuito dá prejuízo de anual de R$ 200 milhões, como se nota aos 11’30″ deste vídeo. Entre outras coisas Leite é um dos responsáveis pelo aumento de salário dos vereadores de São Paulo, que passou de cerca de R$ 15 mil para R$ 18 mil, cerca de 20%, com efeito retroativo que significará gastos mais de R$ 20 mil por edil.
É sabido que o principal evento do calendário do circuito, o GP do Brasil, é um dos maiores eventos da cidade, ao lado da Parada do Orgulho Gay. É sabido também que todas as despesas para deixar a casa em ordem para a etapa brasileira do Campeonato Mundial de F-1 ser em Interlagos são pagas por verbas públicas. Por sua vez, o automobilismo paulista paga aluguel de R$ 52 mil por três dias de uso, indeniza possíveis danos ao equipamento público; além disso, os promotores regionais arcam com despesas que não existiriam se as eternas e absurdamente caras reformas feitas no local fossem planejadas com seriedade e competência.
Gerenciado pela SPTuris, empresa de capital misto controlado pelo governo municipal, Interlagos as finanças de Interlagos são mantidas em autêntica caixa preta no que diz respeito aos seus balanços e contratos, como se pode averiguar neste link. Mais, seus edifícios sofrem alterações variadas, geralmente desconexas e que não contribuem para o melhor aproveitamento da área. Algumas das principais características locais foram simplesmente dilaceradas em nome da F-1: a criação de um traçado alternativo que não preservou o antigo — um dos mais completos e desafiadores do mundo —, e as edificações de box, que simplesmente cercearam a visão do público.
A grandeza do terreno de Interlagos, historicamente tida como algo em torno de 999 mil m2, sempre provocou problemas em consequência das dificuldades de manter uma vigilância eficiente. Vários autódromos do mundo superam essa deficiência criando um parque tecnológico ao lado da pista, o que gera movimentação no local, novos negócios, impostos, empregos, dilui os custos de manutenção para seus usuários e permite levantar fundos para melhorias. Galpões para escolas, oficinas, serviços de apoio e um centro de convenções são alguns exemplos para essa ocupação. Algo próximo do que ele defende para o samba, como se vê neste vídeo.
O processo que ameaça o autódromo de Interlagos serviu também para unir boa parte da comunidade automobilística, em especial os veteranos. Uma comissão de cinco integrantes, incluindo este colunista, foi formada para dialogar com vereadores e há grande movimentação para investigar os reais motivos dessa cruzada que tenta apagar um local dos mais importantes na história esportiva do País. De sua utilização como pista de provas da então nascente indústria automobilística brasileira, nos anos 1950/1960, até ser consolidado como um dos palcos mais tradicionais da F-1, Interlagos tem uma história que não merece ser apagada por decreto, muito menos por interesses difusos.
O Brasil já tem dois exemplos claros do descaso com que trata um esporte que já lhe deu mais títulos mundiais que o futebol: o autódromo de Jacarepaguá foi arrasado para se construir um legado de ilusões e o de Brasília está dilapidado em nome de uma reforma mal planejada e que não passou de capítulos de destruição. Interlagos não pode ser o terceiro nessa lista.
WG