Uma má notícia para quem vai viajar neste final de ano pelas estradas do país: o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT, que a imprensa teima em chamar de “denit”, pronunciando o impronunciável) suspendeu o funcionamento de parte dos 3.000 radares de fiscalização instalados nas rodovias federais. Alegando questões de segurança, o DNIT não informa quantos estão desligados.
Se fosse somente isso, não deveria haver tanto problema assim, mas o fato gerou uma confusão monumental, digna de um conto de Franz Kafka. Algumas empresas que detêm a concessão da exploração dos radares resolveram cobrir os aparelhos com sacos plásticos em diversas cidades de vários estados, como Natal (Rio Grande do Norte), Ipatinga (Minas Gerais), Fortaleza (Ceará) e algumas cidades de Santa Catarina. Mas também cobriram várias placas indicativas de velocidade máxima. Se cobrir os radares não está previsto no contrato com o DNIT, cobrir as placas de velocidade simplesmente atenta contra o Código de Trânsito Brasileiro, pois velocidade máxima deve, sim, ser indicada obrigatoriamente ainda que não haja radar para multar os infratores.
A suspensão tem motivos burocráticos e se deve a questionamentos feitos na Justiça por empresas que perderam a licitação feita em 2016 e em alguns casos por questões orçamentárias. Não atinge todos os equipamentos instalados em rodovias federais mas, convenhamos, qualquer que seja o número até 3.000 radares em rodovias federais é suficiente para criar uma boa confusão, especialmente nesta época em que muitos viajam para passar as festas com a família ou mesmo de férias.
Juro que não entendo por que cobrir os radares, mas tenho algumas teorias. Todas elas bastante perversas. Avisar os motoristas de que eles não estão funcionando apenas reforça o péssimo hábito que já se criou nos brasileiros que apenas seguem as normas de trânsito quando vem um radar e não porque deveriam seguir o Código de Trânsito Brasileiro. É como placa de “pare”: o pessoal já não sabe quem deve passar primeiro se não há um semáforo que sinalize verde ou vermelho.
Pessoalmente, acho que as concessionárias fizeram isso de propósito para chamar a atenção para o fato e, quem sabe, provocar acidentes, numa forma maquiavélica que mostre serem necessárias. Se não, como seria possível a coincidência de que cidades em estados diferentes e com empresas vencedoras diferentes tenham adotado a mesma medida? Mas até quem somente apertou minha mão uma vez sabe que sou paranoica quanto às boas intenções de diversos segmentos até prova em contrário. Mas os meus caros leitores não precisam iniciar uma vaquinha para minhas sessões de terapia, pois anos de jornalismo me fizeram assim e receio dizer que não há cura para isso. Aliás, acho até saudável essa desconfiança profissional. Desconfiança até prova em contrário, frise-se. Não teimosia burra. Se me provarem que estou errada serei a primeira a reconhecer e gritar aos quatro ventos que estava enganada e pedirei desculpas. Não vejo nada de mais nisso. Mas tenho enorme curiosidade em saber os motivos disto.
A Polícia Rodoviária Federal disse que fará fiscalização com radares portáteis mas obviamente a cobertura não será a mesma por absoluta falta de efetivo.
Surpreendeu-me também a reação de diversos usuários entrevistados por meios de comunicação, especialmente a televisão. Bem, talvez surpresa não defina bem minha reação. Está mais para catatonia. Vários disseram que sem os radares ficaram confusos. Entendo que tenham ficado confusos com as placas de velocidade cobertas – qualquer um ficaria. Afinal, cada rodovia tem uma velocidade máxima e que varia muito – esquizofrenicamente em alguns casos, dir-se-ia (arrá, a mesóclise da semana, caprichadíssima). Mas, por que alguém ficaria confuso por que um radar não está funcionando?
Novamente voltamos ao desserviço que se cria com o excesso de controles quando desnecessários. Temos um exército de zumbis que não sabem dirigir se não são constantemente obrigados a fazer uma coisa ou outra. Já comentei aqui sobre o estúpido radar fotográfico de velocidade que foi colocado na frente da Prefeitura de Araçoiaba da Serra, interior de São Paulo. A máxima foi estipulada em 30 km/h para uma avenida de quatro faixas com canteiro central. OK, tem uma escola também, mas há faixa de pedestres que sempre foi respeitada e nunca houve um único acidente. Se as pessoas sempre respeitaram os limites, para que colocar um radar? A cidade tem 30.000 habitantes espalhadíssimos em 255 quilômetros quadrados. Muitos alunos vão para casa a pé, de bicicleta ou mesmo a cavalo. É uma escola pública de uma cidade simples. Pobre, diria. Os carros que passam por lá o fazem basicamente a caminho de dois condomínios que tem e muita gente que vai só no final de semana, não para buscar crianças. E, por óbvio, não dá para falar em trânsito pesado. O radar acaba tendo função arrecadatória e deseducativa, pois é o único da cidade. Cria nos motoristas a ideia de que apenas quando há radar é que deve se respeitar o limite de velocidade. E, parênteses, foi nessa avenida que fotografei as vacas andando pela ciclofaixa.
Quem lê minhas colunas ou me conhece pessoalmente sabe quão caxias sou. Não gosto de transgredir, não vejo graça nem emoção. Faço minha catarse em montanhas russas ou viajando por destinos radicais e fazendo coisas como andar num Shotoverjet ou mergulhar com tubarões brancos. É nesses lugares que corro riscos. Calculados, é claro. Mas acho ridículo doutrinar as pessoas a somente cumprirem as normas de trânsito sob ameaça de uma multa. E não é que “brasileiro é assim”. É o contrário. Acaba ficando justamente porque é ensinado a só cumprir as regras de trânsito sob pena de tomar multa e não porque é assim que deve ser, porque é seguro, porque essa é a velocidade natural da via, porque a preferência é de quem vem do outro lado ainda que não haja sinalização, de quem está dentro da rotatória. Claro que velocidades máximas irreais não colaboram para que se tenha essa percepção… mas aí vou ficar até o Dia de Reis escrevendo sobre isso.
Mudando de assunto: aos meus caríssimos leitores, um ótimo Natal para todos e sei que já passou, mas feliz Hannukah. Ou feliz outra comemoração. Importante é o espírito de congraçamento. Gosto muito desta época e sou daquelas que enfeitam a casa toda. Passo metade do mês fazendo reuniões pré-natalinas em casa e a outra metade na cozinha preparando os acepipes. Acho um período de esperança e é bom ter um pouco disso. Felicidades a todos.
NG