Dias depois de finalizar o texto de “O cúmulo da falta do que fazer”, eu soube da existência do Projeto de Lei nº 82/2015, de autoria do deputado Pompeu de Matos (PDT-RS) que trata da obrigatoriedade de os fabricantes de veículos dotarem seus carros de rodas sobressalentes com as mesmas dimensões das demais rodas e pneus.
Em conversa com nosso editor-chefe Bob Sharp, resolvemos desenvolver um pouco o tema sobre o grau do absurdo dos projetos de lei em tramitação nas comissões da Câmara dos Deputados. Muitos sequer saem do âmbito das comissões, todavia o processo legislativo, como todos sabem, é lento, requer trânsito em comissões, gera muito papel, perda de tempo que poderiam estar sendo aplicado em atividades mais úteis e proveitosas à sociedade.
Parece que essa gente tem mesmo falta do que fazer e toca a “cranear” besteiras.
Aproveito essa introdução para mencionar que quando soltei o texto acima no Facebook, um leitor habitual nosso comentou que o AUTOentusiastas está perdendo sua essência por estar, em sua visão, mais preocupado com nossos legisladores e políticos do que com o autoentusiasmo.
Pois digo que o AUTOentusiastas não está perdendo a sua essência, pelo contrário: estaria perdendo-a se não questionássemos certos temas relacionados com o mundo do automóvel, entre eles a legislação pertinente. Se perdermos essa capacidade crítica e o questionamento sobre legislação de trânsito e automobilística, estaremos perdendo a voz como autoentusiastas e em breve a paixão por carros morrerá de tantas regulamentações sobre o assunto. Se perdemos a capacidade de nos indignar, então o melhor a fazer é comprar um esquife, entrar dentro e pedir para alguém sepultá-lo.
É claro que existem excelentes propostas em tramitação. Uma que merece destaque é o Projeto de Lei 8.338/2017 do deputado Lucas Vergílio (SD/GO) que propõe a criação do SOAT (Seguro Obrigatório de Acidentes de Trânsito) em substituição ao DPVAT e visa permitir o regime de livre concorrência para a contratação do seguro obrigatório. Todavia, a maioria dos projetos são inócuos, inúteis e revelam a superficialidade ou desconhecimento com que o tema “automóvel” é tratado pelos legisladores.
Vamos às leis “criativas” (para usar uma palavra agradável).
Lei 82/2015 do deputado Pompeu de Matos (PDT/RS), que trata da obrigatoriedade dos fabricantes de veículos dotarem seus carros de rodas sobressalentes com as mesmas dimensões das demais rodas e pneus.
O absurdo já começa no nascedouro da lei: trata-se da reedição do Projeto de Lei nº 3.214/2012 de autoria do deputado Vieira da Cunha (PDT-RS) que, embora aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (em outras palavras, não feria qualquer outra lei), foi rejeitada pela Comissão de Viação e Transportes, sendo arquivado portanto.
Considerando que o referido projeto foi arquivado pela sua rejeição na citada comissão, já é um absurdo a reedição do projeto citando inclusive longos trechos do Projeto de Lei anterior, sendo claramente apenas mais um PL (Projeto de Lei) que serve apenas para entupir pauta, gerar movimento de papel e burocracia no legislativo e atrair holofotes da imprensa e de alguns setores.
Sobre a essência do projeto, há flagrante ignorância dos autores no que diz respeito pneus sobressalentes — estepes, como são mais conhecidos. Pneu sobressalente serve para substituir o conjunto avariado e permitir o deslocamento do veículo, seja para prosseguir viagem ou buscar reparo. Só.
Do ponto de vista técnico, o estepe de medida idêntica aos pneus em uso não são necessariamente adequados para rodar na esmagadora maioria dos casos, haja vista que os pneus em uso estarão com desgastes que os diferenciam do estepe e, em outros casos, o pneu pode estar simplesmente ressecado, sendo igualmente inadequados para o uso pleno. Só isso já mata a questão, do ponto de vista técnico.
Quando ocorre de as medidas serem diferentes, há inúmeras e obrigatórias, pelo Contran, etiquetas e avisos bastante chamativos espalhados, desde o manual do proprietário (que pouca gente lê) até mesmo na roda de aço com etiquetas amarelas dizendo serem pneus de uso temporário e com expressa limitação de velocidade. Neste caso, o argumento do então deputado Vieira da Cunha, “Esse procedimento, além de suscitar dúvidas relativas à segurança do veículo que, em caso de emergência, trafegará com três pneus iguais e um diferente, certamente causará prejuízos ao consumidor que necessitar substituir uma roda ou pneu avariado pelo estepe”, cai por terra antes mesmo de nascer.
Sem esquecer por razões técnicas os pneus podem ter medidas diferentes na frente e atrás, de smart a Porsche 911. Mas o nobre deputado dá mostras de desconhecer esse pequeno detalhe.
Falta do que fazer, sem dúvida.
Projeto de Lei Nº 1.529/2015 do deputado Adail Carneiro (PHS-CE) que dispõe sobre a renovação das frotas das empresas prestadoras de serviço de locação de veículos.
Obriga as locadoras de veículos não disporem de carros para locação com mais de 120.000 km ou dois anos. Desnecessário dizer o quão tal projeto carece de qualquer sentido: as principais locadoras de veículos promovem renovações frequentes da frota de veículos e, no caso das empresas menores, devido ao ambiente concorrencial, ou oferecem bons veículos para os locatários ou estão fadadas ao fechamento. Simples.
Fora que quilometragem avançada e bastante tempo de uso não necessariamente significam veículo impróprio para locação.
Imagine-se a seguinte situação: em um local turístico com duas locadoras de carros em que em uma delas os veículos são mais novos, e na outra, carros mais rodados e antigos,:em qual delas você colocaria seu dinheiro para alugar um carro?
Mais um projeto de lei que parece falta do que fazer.
Projeto de Lei Nº3.404/2015 do deputado Moses Rodrigues (PMDB/CE) que altera a Lei nº 9.503, de 1997, para incluir, entre os equipamentos obrigatórios dos veículos, extintor de incêndio tipo ABC.
Depois da baderna que foi a questão dos extintores de incêndio, culminando com a exigência do tipo ABC, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran), numa decisão racional que pode ser chamada de histórica, publicou a Resolução nº 556/15 tornando facultativo o uso de extintores de incêndio nos veículos, uma vez que a esmagadora maioria das pessoas não sabe sequer usar um extintor de incêndio, entre outras justificativas.
Todavia, parece que o deputado Moses Rodrigues não se conformou e partiu para o contra-ataque submetendo novo texto da Lei nº 3.404/15 à Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados, que voltou a aprovar a volta do extintor obrigatório. Agora precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça para depois seguir para o Senado.
Essa absurda insistência desse deputado contraria as estatísticas de incêndio em carros particulares e, principalmente, a própria evolução dos automóveis, para considerar necessário ter um extintor pendurado em algum canto do interior do veículo, aliás um equipamento perfeito para sair fora da (estranhamente) curta validade e servir de instrumento de arrecadação governamental através de multas e problemas para o motorista como o da apreensão do veículo.
De fato, depois que muitos passaram não ter mais o extintor a bordo e os carros novos saírem sem ele, houve um número expressivo de incêndios sem controle nos carros… Falta do que fazer no mais alto grau!
Projeto de Lei Nº3.547/2012 do Dep. Hugo Mota (PMDB/PB) que dispõe sobre a informação do ano de fabricação e do ano-modelo no Certificado de Registro de Veículo e no Certificado de Licenciamento Anual, previstos na Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997.
O argumento do autor do projeto é que há veículos que sofrem mínimas modificações e já logo saem como um ano-modelo subsequente. Dessa forma, o autor do Projeto de Lei crê que, o correto é marcar o ano modelo do veículo de acordo com a “inovação” (substancial, diga-se de passagem) que este apresente em relação ao modelo imediatamente anterior, sendo vedado qualquer alteração de ano modelo antes de 1º de setembro.
Dessa maneira, o comprador de um Ford New Fiesta, por exemplo, estaria comprando um veículo 2017 ano-modelo 2013. Seria um “17/13”. (?)
Trata-se da prova cabal do Governo “metendo a colher” em classificações de produto que não lhe dizem respeito. Cada fabricante decide a nomenclatura e as evoluções em seus produtos de acordo com sua conveniência. Cabe o consumidor aceitar ou não (como ocorre muitas vezes — basta ver produtos que entram em declínio rapidamente) a estratégia do fabricante. Não cabe ao governo se intrometer nesta seara.
Projeto de Lei Nº3.934/2015 do Dep. Marcelo Belinati (PP/PR) que acrescenta o inciso VIII ao art. 252 da Lei nº 9.503, de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, para estabelecer a infração de fumar ao dirigir veículo com crianças e gestantes.
Sem comentários. Defender passageiros de veículos particulares do fumo passivo é risível. Ao que me consta o espaço interno de um veículo particular não cabe regulação por ser um espaço…particular!
Se fosse um táxi, um carro de aluguel, ônibus, totalmente de acordo, mas dentro do carro particular? Uma regulamentação dessa em breve permitirá a algum deputado “genial” proibir de fumar no banheiro, na cozinha e no quarto, independente se for num local público ou na residência do cidadão!
Projeto de Lei Nº8.099/2017 da Dep. Flávia Morais (PDT/GO) que Altera o art. 1.647 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil –, para condicionar a alienação de veículo automotor de transporte terrestre à vênia conjugal, e o art. 122 da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro –, para consignar no Certificado de Registro de Veículo o nome do cônjuge do proprietário.
Para que simplificar se podemos complicar? No Código Civil de 2002, a questão da vênia conjugal é tratada pelos art. 1.639 ao Art. 1.652 e são claros em atestar as questões em que ela se faz necessária.
A necessidade do nome do cônjuge no Certificado de Registro do Veículo é mais um daquelas “ideias geniais” que devem ter sido feitas visando unicamente agradar a um grupo de eleitores ou para tentar ganhar algum destaque junto à mídia.
Na argumentação da deputada, a vênia conjugal faz-se necessário para resguardar o direito do cônjuge sobre o veículo, haja vista que em muitos casos o sustento familiar vêm de um veículo automotor. O que a deputada parece desconhecer é ser o automóvel um bem de consumo. Sendo um bem de consumo, embora em nome de um dos cônjuges, ele faz parte do rol de bens familiares e em qualquer separação litigiosa, estará na relação de bens do casal. E ai independe se tem o nome de um ou de ambos cônjuges no documento de propriedade.
Projeto de Lei da Câmara (PLC) 156/2015 do Senador José Medeiros (PSD-MT) que trata do uso de faróis baixo nas rodovias.
O Projeto de Lei da Câmara 156/2015, aprovado, na verdade é a continuação de um projeto de lei datado de 27 de fevereiro de 2013 de autoria do deputado Rubens Bueno (PPS-PR), complementada pela Lei nº 13.290/16, e é mais uma daquelas leis feitas com base em ouvir o galo cantar sem saber onde. Em regiões acima do Trópico de Câncer/abaixo do Trópico de Capricórnio, de maior latitude, os períodos do amanhecer e entardecer são mais longos. Por isso nessas regiões criou-se, ainda nos anos 1970, o farol de uso diurno, de menor intensidade luminosa mas suficiente para deixar os veículos mais visíveis. Isso porque o farol normal, mesmo de dia, sempre incomoda um pouco o tráfego contrário.
Mas hoje o farol de menor intensidade deu lugar às fileiras de LEDs, que deixam o carro visível tão visível quanto com os faróis normais ligados mas não incomodam. Apesar disso a lei aqui passou e está em vigor. Esse assunto já bastante discutido aqui no AE. Mas há um Projeto de Lei do Senado, o PLS 6/2017, proposto pelo senador Jorge Viana (PT-AC), no sentido de revogar a Lei 13.290/16. O projeto tramita de forma terminativa na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, e caso seja aprovado sem receber emendas para votação em Plenário, segue direto para a Câmara dos Deputados. No Brasil, 8% apenas situado em latitudes superiores ao do trópico de capricórnio, os 92% restantes ficam na zona intertropical com altíssima incidência da luz do sol, onde, convenhamos, o uso de faróis é mais do que desnecessário. Chega a ser preciosismo.
Portaria 346/1979 do Ministério da Indústria e Comercio que proíbe a comercialização de carros a diesel no Brasil, disciplinada pela Portaria 23/1994 do antigo Departamento Nacional de Combustíveis.
Há 40 anos, a decisão do governo pelo Conselho Nacional do Petróleo, seguido algum tempo depois por portaria do antigo Ministério da Indústria e Comércio sepultava a comercialização de veículos a diesel com capacidade de carga inferior a 1.000 kg. Naquela época fazia algum sentido, uma vez que o país precisava desesperadamente reduzir os gastos com importação de petróleo, que havia subido de preço desmedidamente após a crise do petróleo de 1973. Hoje o Brasil, por ineficácia, importa diesel, gasolina e álcool, não havendo mais motivo restringir o consumo do primeiro. O motor inventado pelo alemão Rudolf Diesel continua dando banho em eficiência nos motores de ciclo Otto, 45% a 35%.
Havia uma brecha na lei que permitia o emprego de motores de ciclo diesel em veículos com tração nas quatro rodas dotados de caixa de redução e na época contemplava o Toyota Bandeirante. Posteriormente o emprego de uma primeira marcha extra reduzida contemplou o emprego de motores de ciclo diesel no jipe Engesa-4, e hoje, o Agrale Marruá se vale deste artifício.
Todavia a homologação do Mercedes ML 320 CDI com motor de ciclo diesel se valendo do mesmo artifício que viabilizou o Engesa-4 acabou permitindo o surgimento de outros veículos movidos a diesel.
O próprio Jeep Renegade 4×4 pode ser comercializado no ciclo diesel se valendo de uma caixa automática de 9 marchas na qual a primeira é bastante reduzida mas longe de configurar uma transmissão com primeira extra reduzida como o Agrale Marruá.
Art. 112 do Código de Transito Brasileiro regulamentado pela Resolução 42/1998 do Contran e revogado pela Lei 9.792/1999 que trata da obrigatoriedade do kit de primeiros socorros
Já dizia minha avó, cabeça vazia, morada do capeta! O kit bobagem, apelido dado na época, foi mais uma daquelas grandes ideias surgidas na cabeça de algum “gênio” de cabeça vazia. Ou alguém com um mínimo de bom senso acreditaria na eficácia de uma “bolsa de primeiros socorros” composta por:
Art. 1º Os materiais e equipamentos de primeiros socorros de porte obrigatório nos veículos são os seguintes:
I – dois rolos de ataduras de crepe;
II – um rolo pequeno de esparadrapo;
III – dois pacotes de gaze;
IV – uma bandagem de tecido de algodão do tipo bandagem triangular;
V – dois pares de luvas de procedimento;
VI – uma tesoura de ponta romba.
Art. 2º (…).
Parágrafo único. Nenhum produto perecível ou com prazo de validade deverá fazer parte deste quite de materiais.
Chega a ser cômico se não fosse trágico: milhares de proprietário de veículos multados pela ausência do referido kit. Agentes de trânsito “amolando” as canetas e loucos para sacar o talão de multas e autuar o “irresponsável” e “sem noção de cidadania” que trafegava sem o conjunto.
O que não era claro era a utilidade do referido kit: Todos os ensinamentos de primeiros socorros rezam para, em caso de acidente, mexer o mínimo possível na vítima e providenciar o quanto antes, o resgate com pessoal capacitado. Sendo assim, qual a utilidade do conjunto? O que fazer com um conjunto de gaze e bandagem para estancar ferimentos se não havia antisséptico? Fazer o curativo com sujeira dentro?
O único uso racional que vi para o kit foi o de uma pessoa, com um Chevrolet Monza. Após uma colisão na traseira, a tampa do porta malas não se fechava e ai, nada mais prático que recorrer ao kit: pega-se o esparadrapo e a tesoura e passa tiras para segurar a tampa fechada. A luva de procedimentos, a pessoa que colidiu no Monza empregou para verificar o líquido do sistema de arrefecimento e proceder as verificações no compartimento do motor antes de recolocar o veículo em funcionamento…
DA