Vendas em alta, juros em queda, melhor vontade dos bancos em conceder crédito e apetite do consumidor em obtê-lo, 2017 pareceu encerrar um período de pesadelos. O licenciamento de automóveis e comerciais leves foi 9,4% superior a 2016, segundo dados da Anfavea no balanço do ano, apresentados na reunião com a imprensa do último 5 de janeiro.
Os fabricantes tiveram expansão de 25% na produção total de autoveículos, grande parte do impulso foi obtido graças a recorde histórico das exportações, que atingiram um volume embarcado de 762 mil unidades. Novamente a Argentina foi quem mais comprou automóveis brasileiros, seguida de outros países do continente.
Antonio Megale, presidente da entidade, transmitiu otimismo também nas suas projeções de crescimento para este ano de ’18, 11,7% no licenciamento (2,5 milhões de unidades), 5% na exportação (800 mil) e 13,2% na produção, quando superaremos novamente a marca dos 3 milhões de veículos. Segundo Megale, a conjuntura macroeconômica permite um cenário positivo, a despeito de nossa política.
Porém este escriba tem maior cautela que a Anfavea quanto ao futuro no curto prazo, quando normalmente sou mais otimista que eles. Dezembro era para ter sido melhor, seguindo dados históricos de nossa sazonalidade, esperava-se vendas mais de 15% superiores a novembro e, mesmo com um dia útil a mais, elas cresceram ‘somente’ 4%, ou seja, no parâmetro de ritmo diário de emplacamentos, esses meses foram praticamente iguais. Ficou a impressão de que o 13º salário não entrou na conta de consumo.
Segundo dados da Fenabrave, em ’17, as vendas no varejo repetiram o desempenho de ‘16, 1.303.560 vs. 1.307.664 . Portanto, para um total faturado de automóveis e comerciais leves de 2.172.235 vs. 1.986.303, em ‘17 licenciou-se mais 185.932 veículos, quem ficou com o todo o aumento de um ano ao outro foram as vendas diretas, i.e., frotistas e o programa PcD (acrônimo de Pessoas com Deficiência), modalidade de renúncia fiscal do qual falaremos mais adiante. O total de vendas diretas de ’17 foi de 552.314 unidades, enquanto ’16 foi de 380.510, salto de 45%.
Ainda segundo dados da Fenabrave, nas vendas por região, mês a mês, notamos que o Sudeste, por sua magnitude (representa mais de 50% do total dos emplacamentos), puxava a reação e vinha exibindo crescimento vigoroso e superior a 20%, quando comparado com igual mês do ano anterior, mas esse fôlego durou até outubro. Em novembro a expansão foi de 11,2% e em dezembro de 0,8%.
Nosso mercado seguia e segue descolado da turbulência política e calendário eleitoral, mas ainda não encontramos explicação para esse leve tropeço de dezembro. Há uma conjunção de fatores que empurram ao crescimento, volta das contratações, PIB, maior disponibilidade de crédito, inadimplência em queda, consumo em alta, enfim, mais ventos a favor do que turbulências e ventos de través ou contrários. Iniciamos janeiro com mais um rebaixamento da nota de crédito do país pela agência S&P (Standard & Poor’s), espera-se as outras agências repitam o gesto, tornando o crédito internacional mais oneroso, todas concluindo por nossas dificuldades fiscais crescentes, enquanto não se as reverte com uma improvável aprovação de reforma da previdência no congresso, adiada para o próximo 19 de fevereiro.
Inegável o avanço na agenda macroeconômica depois que a doutora Dilma foi desempossada. Ela ainda não conseguiu nos explicar, nem conseguirá, como ela fez para sairmos de um superávit fiscal de R$ 220 bilhões em ‘13 para um déficit de R$ 170 bi em ‘17. Como você faz para evaporar 370 bilhões por ano? Este país sofreu duramente às investidas da Dilma contra os princípios elementares de gestão fiscal. E olhem que ela tentou seguir seu manual de destruição com afinco até que as suas pedaladas nos salvaram do precipício, ao qual seguíamos com aceleração a pleno, uma vez usadas como razão principal para seu “impeachment”. Deus foi brasileiro e sem bandeirinha da CUT.
O programa PcD
Voltando ao programa PcD, temos um exemplo de como transformar uma bela ideia de justiça social em uma avacalhação típica tupiniquim. Lembro nos anos 90, o jornalista e escritor Marcelo Rubens Paiva ergueu a bandeira de que nosso mercado de automóveis punia os deficientes físicos. As opções de câmbio automático restringiam-se a poucos modelos de luxo, ou importados, mais caros e inacessíveis ainda. As pessoas portadoras de deficiência motora estavam praticamente condenadas a ficarem em casa, as empresas não os contratavam e quando o faziam não os promoviam (alguém aqui já viu gerentes, diretores ou presidentes executivos cadeirantes?). Sem salários suficientes para aquisição de bens de consumo de alto valor, crédito, nem opções de mobilidade individual, avançou-se em agendas para mudar essa realidade com novas leis de acesso ao emprego e ao mercado de consumo. Por sua vez os fabricantes passaram a popularizar o câmbio automático, que hoje alcança quase todos modelos de todos os segmentos. Com mais uma boa vontade, justa, a meu ver, concedeu-se a isenção de IPI e ICMS na aquisição de automóveis para essas pessoas, desconto que chega à casa dos 30%. Mas no reino da banânia sempre haverá alguém com uma esperteza maior que os demais e as exigências quanto às restrições de mobilidade individual começaram a serem relaxadas.
Hoje, se você tem como eu, uma artroscopia em cada ombro, ou cirurgia cardíaca, ou mesmo tiver enfrentado e superado os males do câncer com sucesso, pode pleitear o seu desconto de IPI e ICMS, independente se o seu marca-passo, safena ou stent lhe devolveram a saúde vascular e permitem correr uma maratona, ou se a sua artroscopia o autoriza a malabarismos e esportes com bola, natação ou triatlo.
Formou-se uma verdadeira indústria de isenção tributária para o programa PcD, que servem à todas etapas necessárias para obter esse benefício. Empresas de certificado médico, médicos, despachantes, você pode visitar um concessionário de veículos e todos, sem exceção, terão uma pessoa dedicada especialmente ao PcD. As benesses chegaram a tal ponto, que caso a sua condição física seja perfeita, você ainda pode conseguir um parente direto que se enquadre na lista de males e, mesmo que não disponha de habilitação, você consegue obter o benefício. Fácil, não?
Há questão de dois meses, a Fenabrave lançou nota explicando que as vendas diretas também incluíam a modalidade PcD (sem no entanto destacá-las dos outros modais, o que acredito deve mudar em breve). Estima-se hoje superem os 10% do total de licenciamentos. Está aí também uma explicação para o substancial aumento de vendas diretas em 2017, modelos como o Jeep Renegade tem 55% de seus licenciamentos por esse modal de vendas, Captur 42%, Corolla 40%, temos aí uma verdadeira distorção. E farra de benefícios a poucos.
Quem afinal, não contrataria uma dor no ombro para comprar um Jeep Renegade por 54 mil reais? Ou Captur por R53,5 mil? Vários modelos de sedãs médios e agora de suves compactos são oferecidos ao programa, em alguns, o fabricante teve o cuidado de remover pouco de conteúdo, para permitir o preço baixasse de cerca de R$ 85 mil para o limite de isenção de IPI, que é de R$ 70 mil. Os outros 16 mil e poucos reais vão no desconto tributário. Evidentemente o concessionário se encarrega de devolver parte do conteúdo removido após faturar e emplacar o veículo, assim sua central de multimídia, com câmera de ré, navegador GPS, conectividade vão todas no carro, instaladas na loja e sem o imposto.
Como a avacalhação parece longe de acabar, espera-se que em 2018 o PcD ultrapasse de longe os 10% do total vendido em ‘17, para pessoas perfeitamente saudáveis na maioria. Afinal, todos sabemos que o Brasil não tem 10% de deficientes motores em sua população economicamente ativa. Por mais que se force nas estatísticas.
Ranking do mês e do ano
Em dezembro, Hyundai cresceu 17% e Renault, 16%. Num mês em que as vendas foram 4% maiores, Jeep caiu 8%, Ford, 6% e Citroën 4%. Olhem o 13º fazendo falta aí.
As marcas que mais se destacaram em 2017 dentre as quinze maiores foram a Jeep, que cresceu 49%, graças ao lançamento e sucesso estrondoso do Compass, seguida da VW, com +19%, Ford, com +15% e Chevrolet, com +14%. Lembremos o mercado expandiu-se 9,4%. Na outra ponta da tabela, Citroën caiu 8% e Fiat -4%, a marca italiana da FCA ensaia reação com lançamento sucessivo de novos modelos. A Chevrolet liderou as vendas no ano, com 394.099 unidades, aumentando a sua fatia no ‘market share’ e também a distância para a segunda colocada, a Fiat, com 291.324.
O Chevrolet Onix chegou ao terceiro ano na frente, com 188.654 licenciamentos, aumentou a diferença para os demais. No entanto, observou-se menos emplacamentos que em dezembro de ’16 (17.508 vs. 18.432). O compacto da marca americana vinha exibindo uma performance invejável, 36 meses de contínua expansão, em ’17 emplacou 23% mais unidades que no ano anterior. Será o seu fôlego está dando sinais de cansaço? Ou já seriam os efeitos dos lançamentos de concorrentes diretos como o Argo e Polo? Um novo Onix é esperado somente para 2020.
No mês, HB20 retomou a segunda posição, com 8.770 unidades, seguido do Ka, com 7.881, Corolla num impressionante 4º lugar, com 6.588, Gol, com 6.054. Argo alcançou 5.990, que era o objetivo de vendas declarado da marca italiana. Polo também foi bem, com 4.898, em 10º lugar no ranking de emplacamentos em seu segundo mês de vendas.
Compass liderou a venda de suves no ano, com 49.187 emplacamentos, mesmo estando uma categoria acima dos compactos e custando cerca de 15~20 mil a mais. Um feito extraordinário que serve para nos confirmar a força da marca Jeep. Creta foi o suve compacto mais vendido do mês. Cabe ressaltar que, a despeito da queda de emplacamentos do HB20, em dez de ’16 havia vendido 12.234 unidades, já falamos aqui, tanto a Hyundai quanto a Honda vêm operando no limite de sua capacidade produtiva. Isso significa eles tentam atender aos seus clientes e pedidos com o que tem à mão e a posição no ranking por modelos passou a ser menos relevante ainda. A marca coreana não tem planos de expansão no curto prazo, a Honda porém tem uma fábrica nova em folha esperando por essa recuperação de mercado que se desenvolve e, esta coluna espera seja feito um anúncio de início de operações de Itirapina para o primeiro semestre ainda. É contratar mão de obra, treinar, ligar a energia e apertar os botões das máquinas.
Nos comerciais leves, o Strada foi novamente o mais vendido no mês e no ano, com respectivamente 6.903 e 54.870 unidades, seguido da média Toro, com 4.229 (dezembro) e 50.723, em ’17.
Hilux segue reinando nas médias chassi-cabine, com 4.019 unidades, seguida da S10, com 2.996 e da Ranger, com recorde interno de 2.459 emplacamentos. Cabe destacar a VW Amarok, com 1.317 e um certo alvoroço pela espera da motorização V-6 turbo diesel.
Há diversos lançamentos no calendário, dentre eles os sedans VW Virtus e Fiat Cronos, Toyota Yaris, Amarok V-6, a picape média da Mercedes, enfim, 2018 deve marcar outro ano de recuperação. As incertezas após o fim do Inovar-Auto devem ser esclarecidas em breve, mas há uma ameaça de os três fabricantes de veículos de luxo encerrarem as suas operações em breve, em caso não se atinja uma boa equação no novo programa do governo. Bom lembrar que essas fábricas somente se tornaram viáveis aqui para evitar a tungada da Dilma de 30 pontos percentuais adicionais de imposto sobre produtos industrializados (IPI). Com o fim dessa exigência e todas amargando baixos volumes de produção, a conta não fecha. Uma pena.
Um ótimo 2018 a todos os leitores.
MAS