Viajando a trabalho em novembro do ano recém findo, calhou de ir a Toulouse, na França, e precisar alugar um carro. Aproveitei para saciar uma vontade que me ocorria desde 2014, quando do lançamento na Europa desta última geração: a de experimentar o Renault Twingo novo, cujo maior diferenciador é ter “tudo atrás”, ou seja, motor e tração traseiros.
Lançado em 2014, o Twingo de terceira geração é fruto de uma parceria entre a fabricante francesa e a Daimler AG , que sobre a mesma base fabrica o Smart atual. Trata-se da primeira vez que o Twingo conta com esta configuração. Em sua primeira geração o carrinho conquistou muitos adeptos com sua forma retangular para máximo aproveitamento do espaço, além de inúmeros detalhes pensados para a praticidade — como, por exemplo, os bancos que podiam ser rebatidos para formar uma cama, além da decoração interna com cores alegres e chamativas.
Nesta terceira geração o aspecto lúdico e jovial é manifestado através da hoje rara configuração mecânica, além do excelente aproveitamento de espaço na cabine e do desenho interessante que (opinião pessoal, claro), trouxe uma boa dose de personalidade que havia sido perdida na mais “normal” segunda geração, produzida de 2007 a 2014.
Como de costume com locadoras, a reserva é por segmento, ou seja, tipo de veículo e não se garante modelo específico; antes mesmo de embarcar estava eu cá com meus botões torcendo por haver o francesinho disponível, tamanha era a minha curiosidade. Chegando ao balcão, qual não foi a surpresa da atendente em ouvir minha insistente preferência pelo carro que imagino era simplesmente o mais barato e simples disponível na frota. Confesso que recusei uma razoável oferta de upgrade por 10 euros diários para obter, segundo ela, “um modelo com GPS”, o que naquele dia tratava-se de um Golf ou um lindo Alfa Giulietta (sacrilégio!!). Mas não adianta, eu estava em terras francesas, e nem mesmo a desejável macchina do país de meus antepassados me convenceu a mudar de ideia. Se fosse um dos novíssimos Giulia, talvez…
No pátio, dou de cara com o simpático carrinho, versão Limited SCe 70, em um lindo tom de vermelho metálico que posteriormente descobri ser chamado “Rouge Flamme”, vermelho Chama. O carro é bonito, percebe-se que houve esmero na equipe que o desenhou e tem proporções agradáveis (talvez um pouco estreito, mas condizente com o segmento). Na dianteira, faróis de parábola simples que lembram os do Kwid, não no desenho mas sim na questão de somente a parábola em si, bem “redonda”, ser cromada, naturalmente, e todo o restante da parte interna do farol ser pintada em preto fosco, numa iteração atual da clássica “máscara negra”.
Faróis que iluminam muito bem à noite e trabalham aliados a duas luzes de uso diurno (DRL) em LED localizadas logo abaixo da grade dianteira, estas em uma disposição que evoca um pouco os consagrados Renault 5 de rali ou mesmo os Alpine. Na traseira fica ainda mais óbvia a homenagem ao R5, com porta de carga inclinada, os “ombros largos” e lanternas na exata mesma disposição do carro dos anos 80.
Mala no bagageiro, tratei de me acomodar no interior e logo fechar a porta, pois fazia gelados 9 ºC com uma insistente garoa — segundo me falaram, um pouco incomum para o Sul da França na primeira semana de novembro.
Abro a porta e na cabine descubro um interior jovial sem ser exagerado, e uma conhecida alavanca de câmbio me espera: idêntica à usada em nossos Sandero e Duster. Ao longo dos três dias que passarei com ele descobrirei diversas outras peças de acabamento usadas por aqui em nossos Renaults, como, por exemplo, as saídas de ventilação laterais, painel de comando da ventilação/aquecimento e ar-condicionado, e maçanetas internas.
Banco ajustado, volante de pega confortável e bom formato já regulado (somente em altura), endereço configurado no Google Maps; posicionei o “espertofone” no prático suporte que vem como parte integral do próprio rádio e permite fixação firme, com o inconveniente de que com telefones maiores, ou algumas teclas do sistema de som ficam ocultas, se o telefone ficar na horizontal; ou então a tela do rádio fica escondida, se o telefone ficar na vertical . Posicionei na horizontal e contornei a questão com o uso do consagrado comando satélite padrão da linha Renault, que particularmente acho excelente — assim como a solução semelhante usada pela Peugeot, ambas muito mais práticas que botões no volante ou os atualmente celebrados comandos via tela tátil.
Os espelhos retrovisores desta versão são de regulagem manual, o que me é um pouco incômodo, entretanto o tamanho compacto do Twingo permite alcançar a alavanca de ajuste do lado do passageiro sem muito sofrimento.
Dei a partida e o familiar som de um pequeno três-cilindros fez-se notar discretamente na cabine. Trata-se de um motor de 999 cm³, o nosso famoso “mil”. Com duplo comando de válvulas, 4 válvulas por cilindro e injeção eletrônica no duto de admissão, parece muito com o SCe 1,0 empregado pela Renault aqui, entretanto com números de desempenho diversos: 70 cv a 6.000 rpm e 9,3 m·kgf a 2.850 rpm — com gasolina, aqui essa potência é com álcool, com gasolina é 66 cv. E a rotação de pico aqui é menor, 5.500 rpm, e o torque é maior, 9,4/9,8 m·kgf, porém em rotação mais alta, 4.250 rpm, números que peguei aqui mesmo no AUTOentusiastas. Interessante, essas diferenças.
Passado um tempo para o ar quente começar a fluir e quebrar o gelo que reinava na cabine, pus em marcha o Renaultzinho. “Finalmente!”, pensei. Logo nos primeiros metros chamou-me a atenção a direção bem leve, o que creio vem não somente da calibragem da assistência ou suspensão, como também do menor peso sobre as rodas dianteiras. Câmbio com comandos firmes sem serem duros demais — bem como eu gosto, e curso um pouco mais curto que os nossos Renaults nacionais. A caixa é muito precisa e dá prazer usá-la.
Passo a primeira rotatória com cuidado, a segunda também. Quando chega a terceira afundo um pouco mais o pé em segunda marcha, e ele responde bem: até aqui nada muito diferente do Sandero, mas pode-se perceber a maior agilidade do subcompacto, bem como sutilmente sente-se que a força está vindo de trás; também o som do motor vem de forma diferente do habitual.
Ao chegar à autoestrada, ainda cauteloso pois a garoa não desistia de cair, procuro acelerar explorando um pouco mais os giros do motor, e percebo o carro leve, os algo finos “sapatos” dianteiros de medida 165/65R15 gerando pouco atrito, mas não a ponto de me sentir inseguro. Isto é, até ultrapassar os 95 ou 100 km/h. O que ocorre a partir desta velocidade? A dianteira fica solta, levinha como uma pena, e o pequeno francês passa a sentir os ventos laterais ao passar caminhões e mesmo outros carros maiores. Passo a despender razoável esforço em manter o volante firme e alinhado no percurso.
Confesso que tive certa decepção neste momento, esperava um carro um pouco mais afinado e de condução mais tranquila em velocidade de cruzeiro. Talvez fosse também a minha grande inexperiência com tração traseira que causou esta sensação? Creio que sim, em parte, pois um pouquinho mais de firmeza na dianteira não faria mal. Também desconfiei da calibragem dos pneus, mas nos curtos três dias que passei com ele e na área onde transitei, incrivelmente os calibradores de pneus estavam quebrados (Hors-service), ou pior, muitos postos simplesmente não tinham o equipamento… Sem poder eliminar o fator calibragem dos pneus como causa, pensei que caso não seja este o motivo, pode ser que o acerto mais firme, igual ao que era minha expectativa, esteja reservado para o mais apimentado Twingo GT TCe 110, turbo e com potência de 110 cv a 5.750 rpm e torque máximo de 17,3 m·kgf a 2.000 giros.
Usando bem a caixa de câmbio ele acompanha com tranquilidade o trânsito, mas como viajei sozinho minha experiência se baseia em um carro vazio, somente motorista mais 18 kg de bagagem e uns 5 kg de casacos… A autopista tem limite declarado de 110 km/h; apesar disso todos seguem tranquilamente acima desta velocidade, entre 125 e 135 km/h, sem medo de radares maliciosos ou repentinas mudanças de limite de velocidade. Dirigir aqui, pouco importa qual carro, é muito mais recompensador e tranquilo.
Minha tranquilidade só não é total devido à dianteira “alegre” do pequeno Renault. O lado positivo de toda esta leveza? Ao chegar à zona urbana com suas estreitas ruas e raras vagas de estacionamento, a tarefa de arrumar uma vaga para o carro fica em muito facilitada devido ao reduzidíssimo diâmetro de giro de somente 8,6 m, aliado comprimento total de 3.595 mm.
O banco do motorista é muito confortável e com a boa ergonomia passa-se horas conduzindo sem qualquer cansaço maior. Pessoas mais altas talvez prefeririam um assento mais longo para maior apoio às pernas — para mim está excelente… O punta-tacco é possível embora não “telepático” como visto em outros carros.
A suspensão se ressente um pouco dos buracos e irregularidades que apesar de serem a exceção (não regra, como em terra brasilis) também aparecem por aqui em vias vicinais, gerando uma pancada seca típica de fim de curso ao passar sobre depressões ou mesmo curiosos (e maldosos) redutores de velocidade sob forma de um prisma quadrado elevado na pista, chamados de coussin berlinois, travesseiro berlinense em francês, por a solução ter sido usada pela primeira vez em Berlim nas zonas de 30 km/h. O “travesseiro” ocupa parcialmente o leito de rolamento de modo a permitir a passagem de bicicletas e motocicletas e ônibus, que com as maiores bitolas e vão livre do solo não o atinge. Acredito que o Twingo ganharia muito com uma “visita” à equipe de engenheiros de suspensão da Renault Brasil, afinal Duster, Sandero e companhia portam-se muito bem neste quesito. Quem sabe o pessoal daqui poderia melhorar também a questão da excessiva leveza da frente e do volante acima de 100 km/h?
Em preparação para devolver meu companheiro à locadora, estaciono em um posto de gasolina para encher o tanque e aproveito estar sob uma cobertura para fugir da garoa enquanto tiro algumas fotos. Após rodados 446 quilômetros, o tanque se enche com 29 litros, rendendo média de 15,4 km/l em percurso 40% urbano e 60%, rodoviário. Coloco dois litros adicionais para os 30 quilômetros a serem cumpridos na madrugada seguinte até o aeroporto, em um total de 31 litros. Esperava um carro pouco mais econômico, mas há de se ver que meu pé não lhe deu sossego e confesso que a cada saída de pedágio ou retomada explorava ao máximo a aceleração do carrinho.
À procura do estepe, penso que pela posição do motor, talvez esteja alojado na dianteira. Para abrir o capô dianteiro me vejo obrigado a consultar o manual de instruções, onde descubro que é necessário remover dois acabamentos na estreita grade dianteira, inserir a chave do lado do motorista para destravar, e então puxar duas alavancas marcadas em vermelho. O minúsculo capô é levíssimo, feito em material plástico e não abre totalmente, apenas corre para frente, preso por cintas de tecido, para revelar os reservatórios do lavador de vidros e do fluido de freio, além da bateria. Nada de pneu sobressalente ali…
Sem achar o estepe, por fim descubro em consulta ao manual que o carro simplesmente não o tem. Em substituição conta com um compressor de ar com uma garrafa de selante, alojados por detrás de uma capa de plástico à frente dos pés do passageiro dianteiro. Solução que para um carro meu não serviria, pois onde vivo só viajo tranquilo tendo uma roda-reserva igual às que estão montadas no carro…
Abro também o cofre do motor, traseiro e sob o bagageiro, para matar a curiosidade. Operação um pouco demorada pois requer, após levantado o forro do bagageiro, a remoção de seis parafusos-boboleta de fixação, pensados para serem sacados à mão, sem ferramentas. A questão é que não foi assim tão fácil remover os parafusos à mão, já que o torque com o que estavam apertados era bastante elevado.
Sob a tampa, tudo muito bem arranjado, mas o espaço disponível para intervenções é exíguo. Não tive a oportunidade de erguer o carro para uma espiada na parte inferior, mas desconfio que diversos procedimentos de manutenção foram imaginados pelo fabricante para serem feitos com o Twingo no elevador.
Visto mais de perto:
Antes de partir do posto em direção ao hotel, aproveito para fazer mais fotos, inclusive do interior, sem imaginar que mais tarde esqueceria no quarto o cartão de memória com quase todas elas! (por isso é que precisei arranjar mais fotos na internet). Apesar das contidas dimensões internas, é notável o aproveitamento de espaço, e dentro podem viajar quatro pessoas com relativo conforto. Não fiz o teste do ajuste de bancos “eu atrás de mim” pois considerando minha baixa estatura (1,64 m) o resultado seria pouco relevante para o leitor. Arrisco dizer que com um motorista de até 1,75 m, eventual passageiro de mesma estatura, sentado atrás, viajaria no limite do confortável.
Os bancos traseiros têm o espaço abaixo do assento vazado permitindo seu uso como porta-objetos, com redes para manter as coisas no lugar.
O revestimento das portas é plástico, com boa textura e na mesma cor branca dos detalhes do painel, emoldurado por borda preta. Nas portas traseiras, traz somente o essencial — puxador, maçaneta e manivela do vidro — sem porta-objetos, e nestas portas o revestimento é convexo para dentro da porta de modo a ampliar o espaço lateral ao máximo, já que os vidros traseiros não descem e portanto não ocupam qualquer espaço dentro da porta; eles somente basculam, como no VW up! europeu. Os puxadores das portas traseiras trazem em relevo um simpático desenho do perfil do carro. Acabei reconhecendo as maçanetas internas — são iguais às de Duster e Sandero, embora neste carro tenham pintura em tom de alumínio escovado.
Ao final destes três dias com o Twingo, a conclusão a que se chega é que este é um notável carrinho urbano e para quem viaja sozinho ou com no máximo mais uma pessoa, até mesmo serve como bom estradeiro, com um motor valente que aliado ao baixo peso permite um desempenho que em muito me lembra o VW up! MPI de minha excelentíssima; já o comportamento dinâmico é bastante diferente, com um ajuste de suspensões mais típico de marcas francesas, confortável sem ser demasiado macio. Um trabalho de refinamento no conjunto dianteiro permitira eliminar a única deficiência que encontrei neste quesito que é a dianteira um pouco “alegre”.
Acho uma pena a Renault não comercializar o modelo por aqui, afinal de contas seria um concorrente e tanto para o segmento onde hoje está praticamente sozinho o Fiat 500, o de subcompactos charmosos para 4 ocupantes (o que os diferencia do smart que só leva duas pessoas). E ele contaria com a vantagem, ou mesmo que seja apenas o charme, de ter motor e tração traseiros. Da próxima vez tentarei conseguir um Twingo GT para entender a diferença que o motor TCe 110 e acerto de suspensão diferente, além de pneus maiores, trariam no comportamento deste pequeno notável.
ALP