Sou contra o excesso de “mimimi”. Acho que tem gente demais reclamando demais de coisa de menos. Faz-se uma questão gigantesca de algo totalmente irrelevante. Tenho uma amiga que cismou que tinha algum problema na gengiva e fez um monte de exames. Nem os médicos nem o dentista achavam nada. Um dia, numa reunião na minha casa, ela pediu para um dentista amigo que ele desse uma olhada nos exames e fizesse um diagnóstico. Ele olhou pensativamente os resultados e o raio-X e disse que tinha a receita para ela se curar disso. Pegou um bloco (nem sei se era o receituário dele mesmo) e começou a anotar. Demorou algum tempo e entregou o papel, dizendo que se ela fizesse o que estava no papel se curaria. O que dizia? Lavar dois tanques de roupa; cortar a grama do jardim; lavar o carro… e por aí ia. Na opinião dele, o problema dela era falta do que fazer, falta de problemas de verdade. Não havia nenhum problema médico.
É bem por aí. Pior ainda nas mídias sociais, onde todo mundo se acha no direito de opinar sobre tudo. Sou daquelas pessoas que acham que o silêncio vale ouro em determinados momentos. Posso discorrer sobre Física quântica? Poder, posso — mas não devo. Não entendo e só vou falar bobagem. Também não acho que tudo deva ser comentado. Há coisas que leio e, OK, estou ciente. Ponto. Não preciso me manifestar sobre tudo o que leio. Nem procurar pelo em ovo. Há um meio termo — e é aí que mora o perigo.
Ultimamente tenho me incomodado muito com jornalistas que falam sobre o que não conhecem nem pesquisaram. E parece que os erros passam não apenas por eles, mas pelos editores que deveriam ser mais experientes e vetar certas coisas.
Há pouco tempo numa reportagem na televisão que falava sobre mobilidade vi, estarrecida, o repórter falar sobre a indevida ocupação das calçadas por mesas e cadeiras de bares. Explicou como era a legislação e em quais casos era permitida – até aí, OK. Mas como exemplo de lugar onde se fazia tudo errado mostrou a calçada de um bar, totalmente ocupada por mesas e cadeiras, e entrevistou um ciclista que “foi obrigado a sair da calçada e ir para a rua, pois a calçada estava totalmente tomada”. Como assim, “foi obrigado a ir para a rua”?. Pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB) lugar de bicicleta é em ciclovias, ciclofaixas ou na rua, jamais na calçada, exceto quando nela há ciclofaixa, o que não era o caso. Já foi absurdo o ciclista reclamar disso, pois deveria saber como funciona a legislação antes de sair por aí pedalando, mas qual é a desculpa do jornalista que vai à rua para falar sobre mobilidade e nem pesquisa antes? E quem editou e levou a matéria ao ar também não observou isso?
Infelizmente é muito comum isso, mesmo na emissora de TV com mais recursos financeiros e mais gente. O mesmo acontece com os tais “motolinks”, motociclistas que andam pela cidade e transmitem imagens do trânsito. Mesmo com a rua totalmente livre, como neste começo de ano, andam pelas pistas da esquerda em vez de pela direita. Pelas câmaras do capacete dá para ver que isso não se deve à presença de buracos, já que eles estão igualmente espalhados por todas as pistas de rolamento, portanto não dá para alegar que façam isso para fugir de pistas irregulares. Fazem isso por hábito ou porque não sabem que devem trafegar pela direita e somente ultrapassar pela esquerda. O mesmo acontece quando o repórter está num carro com motorista, transmitindo ao vivo. No vídeo que coloquei aqui, em 0:32 dá para ver a moto passando sobre uma faixa onde é proibido.
O problema destas coisas é que o cérebro retém imagens e frases com muita facilidade e cada vez que vemos algo errado sem que seja pelo menos destacado que não deveria ser assim, gravamos como certo algo que não deveria ser aceito. Isso sem falar em neurolinguística, que estuda que mesmo uma frase negativa podemos reter principalmente a parte afirmativa. Exemplificando: quando dizemos a alguém “não faça isso”, a maior parte da frase é “faça isso”. O “não” é proporcionalmente uma pequena parte e o cérebro tende a reter apenas o restante. O correto seria dizer “faça assim”, ou seja, já da maneira correta. Eu simplifiquei demais o que faz a sério a neurolinguística, mas é apenas para ilustrar.
O mesmo acontece com acidentes de carro. Canso de ver imagens em cruzamentos onde há placas indicando qual é a preferencial e, no entanto, o jornalista insiste em culpar a falta de semáforo pela batida. Ou pedestre atropelado por atravessar no meio da rua. Recentemente, um senhor foi atropelado quando caminhava pela rua. E o jornalista “suavizou” o texto dizendo que ele o fazia “próximo” da calçada. Ora, reconheço que nossas calçadas não são nenhuma maravilha, mas se alguém transita fora delas assume o risco de ser atropelado e o mínimo que deve fazer é decuplicar as precauções. E jamais a imprensa deveria deixar de mencionar que havia, sim, um risco aumentado pelo fato em si. Para fazer o trabalho completo podia mostrar a calçada se ela estivesse em más condições e cobrar do subprefeito o conserto dela.
Lembro que há um par de anos também vi na televisão como uma iniciativa linda, maravilhosa, que faria a cidade ficar mais amável, mais culta, blablabla (modo irônico ativado) um sujeito que pintava versos no asfalto, logo antes da parada obrigatória nas esquinas de uma cidade do ABC paulista (foto de abertura). O jornalista se acabou em elogios e ainda disse quão maravilhoso seria o mundo se as cidades tivessem mais atitudes como essa… Bem, lembro de ter corrido para consultar o CTB pois não me lembrava de que alguém pudesse fazer do asfalto um espaço próprio nem sair por aí pintando o que bem entendesse, por mais que se tratasse do meu admiradíssimo Fernando Pessoa — o que também não era o caso, era produção própria. De fato, o CTB não permite algo assim. Mas cadê o bom senso da imprensa nessas horas? Em 2017 ciclofaixas que foram cobertas por reasfaltamento reapareceram imediatamente pintadas a mão (e mal) por cicloativistas que se gabaram de terem feito isso e lá foi a imprensa dar espaço para isso sem sequer falar que isso é proibido. Além da iniciativa em si, pintaram diversas outras mensagens, que também se chocam com o CTB.
Não é porque a bicicleta tem a simpatia de boa parte da imprensa que fatos assim deveriam ser noticiados sem, pelo menos, fazer a ressalva de que não se pode fazer isso e quais as leis que estão sendo violadas. É a mesma coisa que aplaudir quem joga lixo na rua. Mas por enquanto não se encontrou uma justificativa “simpática” para isto, daí a não ser aceito e sim ser noticiado como algo a ser repudiado. A imprensa pode ser parcial, desde que nas páginas (ou espaços) editoriais. No restante deveria ser neutra. Ainda que não seja (pessoalmente acho que não precisa em determinadas situações, mas aí a discussão vai longe) acredito que continua tendo a obrigação de mostrar todos os lados envolvidos, inclusive as questões legais.
Trabalhei a maior parte da minha vida em jornal diário — exceto por alguns anos em assessoria de imprensa, mas em contato diário com meios de comunicação — e sei perfeitamente como funcionam esses processos. Alguém vê as frases pintadas no asfalto e avisa à redação do jornal ou da televisão. Às vezes é o próprio autor da iniciativa querendo divulgá-la, às vezes um telespectador, às vezes alguém que trabalha na tevê ou no jornal. A ideia (ou pauta) é submetida à editoria (grupo de jornalistas) que cuida dessa área (“Cidades”, “Esporte” e assim por diante). Discute-se a viabilidade, o interesse para o público e, na teoria, se está dentro de um determinado marco legal e normativo. Aí o repórter vai a campo, faz a matéria (reportagem), volta, participa (ou não) da edição e ela vai ao ar ou é publicada. Ou não, dependendo de uma nova triagem. Ou seja, passa por várias pessoas.
Ao longo da minha vida tive diversos chefes. Um deles especialmente rigoroso e a quem devo boa parte da minha formação: Matías Molina, durante muitos anos editor-chefe da Gazeta Mercantil. Quando apresentávamos a ele uma sugestão de matéria, por menor que fosse, ele fazia um verdadeiro inquérito. No caso de um acidente numa empresa: Tinha seguro? Qual a cobertura? Quais os danos? O que esses produtos podem fazer ao meio ambiente? Pode haver vítimas, agora ou mais adiante? Qual é a legislação para isso? Essa empresa é reincidente? Pagou as multas anteriores? Como o produto será substituído no mercado? Haverá falta do produto final? E por aí ia. Mesmo que fosse apenas uma notinha.
Lembro que uma vez houve uma discussão dentro da igreja católica entre alas discrepantes. A editora de Internacional ia fazer um pequeno registro sobre isso, mas ele começou a questionar várias coisas na reunião de pauta. Ele não queria as respostas na hora, apenas que elas constassem do texto que seria publicado. Lembro que a editora de Finanças, sentada ao meu lado, cochichou ao meu ouvido um palavrão seguido de “até disso ele entende!”. E era um jornal econômico, portanto uma nota sobre um possível cisma na Igreja Católica não passaria mesmo de algumas poucas linhas.
Acho que falta gente assim nos meios de comunicação. E certamente há muita preguiça em pesquisar, apesar das enormes facilidades que a internet proporciona. Por que antes de reclamar que o ciclista tem de ir para a rua não se dá uma olhada no CTB para ver qual é a legislação para bicicletas? Apesar de que acho algo tão óbvio que a maioria das pessoas deveriam saber.
Mudando de assunto: Eu tinha conseguido evitar os filmes da série “Velozes e furiosos” com bastante dificuldade. Puro preconceito meu. Fazia-o (a ênclise da semana) apenas pela dificuldade que era fazer isso quando a toda hora tem um passando na tevê a cabo, pois assim como Gangues de Nova York ou A múmia é uma questão de tempo até passar no canal que você está assistindo (mas desses eu gosto). Mas por descuido meu acabei vendo o 5, o que teoricamente se passa no Rio. Aparentemente é o pior de todos e nem as cenas de perseguição de carro valem a pena. Fiquei tão traumatizada que acho que vou continuar fugindo dos demais da série.
NG