Como é bom recordar os bons tempos da juventude! Já se vão 48 anos desde a minha primeira prova automobilística, e isto aconteceu em 28 de junho de 1970, a um mês de eu completar 23 anos. A foto de abertura é dessa minha estreia.
Um baú bem fundo tem a vantagem de nos trazer as alegrias do passado e a história que vou lhe contar hoje, meu caro ou minha cara autoentusiasta, é mais uma das muitas que espero poder levar até você.
Sempre fui um entusiasta de tudo que tem motor e faz barulho. Pratiquei barco modelismo, aeromodelismo, enfim, fazia barulho e se movimentava, era comigo mesmo.
Desde a minha infância acompanhava as competições automobilísticas em Interlagos e foram várias as vezes em que fui “bandeirinha”, sinalizador de pista, aquele louco que ficava nas curvas mais perigosas munido de um jogo de bandeiras e sinalizava aos pilotos quando algo de anormal ocorria na pista. Já contei, mas vale a pena repetir.
Em provas noturnas como 12 Horas de Interlagos, 24 Horas e Mil Milhas Brasileiras, eu era “bandeirinha”, e pelo fato de a prova ser em parte noturna, tinha além das bandeiras uma lanterna importada — veja que luxo — que dispunha de um sistema manual de iluminação com as cores verde, amarela ou vermelha. Em caso de emergência, sob ordem do diretor de prova, acendia-se a luz a vermelha; a amarela era de atenção e a verde era sinônimo de pista livre após cessar a exibição da luz amarela.
Na antiga curva da Ferradura, ainda no tempo do asfalto péssimo, os carros passavam e atiravam pedras para os lados, colocando-me em situação de risco. A noite chegara e com ela a neblina comum em Interlagos naquele tempo. Com medo de levar alguma pedrada, desloquei-me alguns metros mais adiante na curva onde a velocidade dos carros já era menor, com menor risco de tomar uma pedrada na cabeça. Aconteceu então o que eu não previa: eu era a referência para a tomada da curva e ponto de freada, a neblina tirava toda visibilidade, e com a minha posição eu ajudava aos pilotos a fazerem as manobras mais seguras. Só que mudei minha posição… Percebi isto ao ver que os carros passavam em velocidade e quase se perdiam do meio para a saída da curva. Depois de alguns sustos, voltei à minha posição de risco, me protegi como podia e após algumas voltas os pilotos perceberam a minha atitude e tudo voltou ao normal.
Mas, por que contar tudo isto? O meu desejo sempre foi pilotar em Interlagos. Teria coragem? Era economicamente viável? Só tentando para ver e assim fiz.
Começando a correr
Eu tinha uma Variant adquirida zero-km na própria VW com desconto de funcionário. Vendi a Variant e comprei um Fusca 1300 na cor azul claro ou, como na época era conhecida, azul-calcinha.
O que fazer agora? Como fazer, preparar o carro para uma prova seria muito difícil, mas nada que em dois ou três meses eu não tivesse as respostas.
A família, informada, muito a contragosto aceitou o meu “hobby”, mas em nada me auxiliou financeiramente. Fui à luta atrás de patrocinadores, queria apenas combustível e pneus, estas eram as maiores despesas uma vez que o regulamento não permitia grandes mudanças no carro e, além disso, este carro era o que eu usava diariamente para ir até São Bernardo do Campo trabalhar.
Primeira prova agendada, categoria estreantes e novatos, data 28 de junho de 1970. O carro estava pronto e a inscrição feita. Meu número, o simpático a mim 27, lembrando que nasci em 27 de julho (mês 7) de 47, daí a simpatia pelos 7, número que também, na época, era o do Emerson Fittipaldi.
Nervoso, muito, preparado diria que sim, ansioso mais ainda só que agora não dava mais para desistir. Fui em frente.
Prova de classificação para definir ordem de largada. Também poderia ser por sorteio o que na época era muito comum. Seriam duas baterias de 7 voltas cada e uma bateria final de 10. Chegou a minha vez, seria a minha estreia como piloto de competição na categoria Estreante, a próxima já seria Novato.
A primeira bateria foi disputadíssima, tínhamos Opala 3800, FNM 2000 JK, Renault 1093, Puma 1600 e uma quantidade indescritível de Fuscas e Corcéis.
Na primeira bateria não fui muito bem, fiquei para trás, cauteloso e estudando os adversários. Minha maior preocupação eram os possíveis danos materiais. no meu Fusca. Não queria e nem podia me dar ao luxo de me envolver em acidentes.
Na segunda bateria a coisa ficou melhor, depois de uma boa disputa com carros de maior potência, cheguei em segundo lugar, atrás do Hiroshi Yoshimoto.
A “colônia” me perseguia: depois do Hiroshi veio outro forte rival, Edson Yoshikuma, um grande piloto, amigo com que tenho bom relacionamento até hoje, em que nos tratamos mutuamente de “braço-duro”.
Terceira bateria para mais 10 voltas estava próxima a se iniciar e a sorte estava ao meu lado. Os principais carros que haviam chegado à minha frente nas primeiras baterias não largariam nesta, em função de danos sofridos em batidas nas baterias anteriores — refiro-me ao VW do Hiroshi Yoshimoto e o Opala do Oswaldo de Luca.
Dada a largada para a bateria final e seguiam em primeiro o Opala 3800 nº 1 de Franco Canozzi, em segundo o VW1600 de nº 27 de Ronaldo Berg — inacreditável — e em terceiro o FNM 2000 JK nº 9 do Oswaldo Barros, e assim foi até o final.
Na soma dos tempos das duas baterias das quais participei mais ativamente, e pelo fato dos carros que haviam chegado à minha frente não terem pontuado, acabei com uma segunda colocação no quadro geral da competição.
Grande festa, grandes comemorações, matérias em jornais, na época davam cobertura a todos estes tipos de prova.
Momento bem emocionante da prova, pelo menos para mim, foi a ultrapassagem, por dentro, que fiz sobre o FNM 2000 JK que estava naquele momento em segundo lugar (veja na foto o carro nº 9) e veja também que eu não estava distante do primeiro colocado, o Opala nº 1 (foto de abertura, de Salvador Sendin).
Outras emoções
A segunda prova da qual participei, isto em 19 de julho de 70, teve um incidente, em uma precipitação de novato, fui disputar a freada na entrada do Pinheirinho com um FNM 2000 JK pilotado por Milton Oliveira e este fechando a porta de forma limpa e habilidosa, fez com que batêssemos de lado e como consequência fiquei por ali mesmo com uma roda traseira esquerda quebrada. Aprendi a esperar, esta foi a lição da prova que levei para mim por todas as outras provas das quais participei. Estávamos na primeira volta e ainda teríamos nove pela frente. Minha classificação foi 11º e último lugar.
A terceira prova, em 8 de agosto de 1970, preliminar da 250 Milhas de Interlagos, em 8/8/70foi vencida pelo meu inimigo de pista e amigo fora dela, Hiroshi Yoshimoto, aquele de quem me livrara na primeira prova. Cheguei em 2º lugar a apenas três metros do seu carro. Vejam a matéria publicada no Jornal da Tarde que trouxe notícias no dia seguinte.
Um mês depois, a quarta prova, a III Uma Hora de Calouros, finalmente a primeira vitória! À frente de um FNM 2000 JK!
Esta é mais uma história da qual muito me orgulho, desafiar o desconhecido, concorrer de igual para igual com outros pilotos e, o mais importante, cativar novas amizades. Depois desta experiência bem-sucedida, continuei participando de provas em Interlagos. Como já contei em outra coluna, cheguei a participar da prova de inauguração do autódromo de Tarumã, em Viamão, na Grande Porto Alegre.
Mas o maior prêmio dessa curta vivência no automobilismo de competição foi ter sido reconhecido pela direção da VW como pessoa “do ramo”, o que influenciou bastante na minha designação, em 1981, para assumir a gerência da VW Motorsport no Brasil, cumulativamente com minha função de gerente nacional de Assistência Técnica/Produto.
E no novo cargo ter precisado de alguém para ser meu braço direito, daí advindo a contratação do nosso grande amigo Bob Sharp.
Vale dizer que algum tempo antes, um dia meu chefe no escritório regional do Rio de Janeiro, o Miguel Barone, me perguntou com seu habitual jeito seco e direto: competições ou emprego? Decidi pelo emprego, do que não me arrependo. Tudo tem seu tempo!
RB