A ideia desta parte é conversar sobre as técnicas que são usadas em um estúdio de design para se desenhar um carro. Mais que as técnicas de desenho, abordar limites e necessidades que têm que ser consideradas quando se desenvolve um novo produto.
Na engenharia moderna o design é o centro aglutinador das necessidades de todas áreas, não somente da engenharia, mas também da produção, de compras, de qualidade e, principalmente, driblar os gostos pessoais dos administradores, a visão limitada de marketing, política pessoal e interesses dos diretores, financistas, e da Matriz.
Além disso, temos que lidar com normas, parâmetros, testes, leis e pesquisas e a pior praga de todas que é o timing plan, o cronograma. O prazo para se cumprir as inúmeras etapas do desenvolvimento são imutáveis, mas nem sempre as condições de trabalho são suficientes para realizá-lo.
Uma luta sem fim, quando você lida com vários projetos em diferentes pontos do timing ao mesmo tempo.
Tenho certeza de que vocês vão gostar.
LV
ROUGH SKETCHES (RAFS) OU ESBOÇOS
Os rafs (ROUGH) são desenhos rápidos, feitos com caneta esferográfica ou lápis, ou mesmo em iPads. Não importa a ferramenta, mas são feitos à mão livre e muito rapidamente, quase como falar e desenhar.
Com o tempo você aprende a usar os rafs, não somente para materializar, através de um desenho, uma ideia que se tem em mente, mas acaba se tornando uma forte ferramenta criativa, e na grande maioria das vezes define-se os temas durante o ato de desenhar.
Sua grande característica emocional está no fato de que no raf você não tem medo de errar, ou mesmo necessidade de terminar o desenho. Por isso mesmo, as linhas, são mais espontâneas.
Os melhores servem de referência para os sketches, porém quando você adapta o raf para o sketch, por vários motivos a espontaneidade desaparece, o desenho fica duro, controlado.
Acredito que nós todos poderíamos ser grandes desenhistas, pois a prática te leva à perfeição, porém poucos têm a tenacidade suficiente para continuar melhorando, se aperfeiçoando.
Desenhar e’ um trabalho solitário pois exige foco total (nesse caso a musica é uma bênção).
Todos grandes desenhistas ou artistas são antissociais, mas não dá para desenhar e socializar ao mesmo tempo. Preferimos o desenho.
Para um supervisor de estúdio você pode mostrar e trocar ideias através de rafs, e durante a discussão, outros novos surgirão.
Para um “chief designer” se apresentam sketches, que são desenhos muito mais elaborados, feitos com ferramentas de precisão, hoje em dia todas incluídas em softwares para Design gráfico.
O sr. Warkuss, que foi meu “Chefe Alemão” durante quase uma década, adorava os rafs e eu presenciei muitas decisões importantes onde ele escolheu um minúsculo raf quase que invisível no meio de infindáveis desenhos sofisticadíssimos e enormes. O desenho feito à mão livre, com uma caneta BiC sobre um bom papel pode ser um passatempo ideal em qualquer situação.
Eu sempre desenhava durante os períodos de espera nos lounges das companhias aéreas, ou mesmo na sala de espera padrão. Durante os voos eu tinha uma tática infalível para ganhar uma garrafa de vinho ou champanhe extra. Como sempre fazia, me sentava na cabine e já começava a desenhar, normalmente desenhos livres de carros.
Na primeira passada a aeromoça, principalmente as da Swiss e Lufthansa já percebiam e arriscavam uma olhada no desenho. Eu sempre recebia um elogio e noticia se espalhava entre os colegas de cabine.
Se a aeromoça fosse bonita (todas são, cada uma a seu modo), antes e durante o jantar, eu começava um retrato dela. O tempo em que era servido o jantar era ideal para observação e finalização de um belo desenho. Então no momento certo eu entregava o retrato, que frequentemente era feito no cardápio (que nas duas companhias tinham um papel luxuoso).
Normalmente elas ficavam vermelhas (e entendiam finamente porque eu tanto olhava para elas e para o bloco de papel) e, muito agradecidas, colocavam o desenho no quadro de noticias na área de serviço do avião.
Então quando eu menos esperava lá vinha a sacolinha com o agradecimento da equipe.
Tudo muito formal, elegante e dentro do protocolo, mas de coração, pois isso não acontece muitas vezes durante um vida de uma aeromoça, principalmente nos dias de hoje onde todos os passageiros estão escorregando o dedo em telas de iPhones.
SKETCHES
Sketches são os mais populares e, aqui entre nós, os mais deliciosos de serem feitos. Especialmente os construídos com programas eletrônicos, exigem concentração total, e são construídos através de vários “layers”, camadas, que vão sendo sobrepostas.
Normalmente primeiro vem o desenho, feito com “mouse” ou com caneta eletrônica. Neste tipo de construção o desenho é diverso do feito no papel, pois no eletrônico, além das linhas serem construídas com “control points” (ponto na linha para você controlar as curvas), as linhas definem as zonas que vão representar as cores, sombras e zonas luz.
Somente algumas linhas permanecem no desenho final, normalmente nos “gaps” de portas ou divisão de peças. Além das sombras e áreas iluminadas no automóvel, graças à pintura brilhante, você também pode representar o cenário do entorno na superfície do carro.
E assim você vai formando a ilusão de tridimensionalidade, e representação do produto futuro. As imagens têm que ser boas o suficiente para convencer diretores e gerentes executivos — inclusive os financeiros!
É um milagre que ainda recebamos salário para nos divertirmos tanto!
Pena que a parte dos sketches represente apenas 10% das tarefas de um designer sênior, e principalmente para os “gestores”, que quase não desenham mas carregam uma carga de responsabilidade que só muito bem preparado consegue-se suportar. É muito dinheiro em jogo, muita política, e até golpes baixos. Uma competição constante onde você precisa estar preparado para tudo.
O nível de qualidade dos sketches nos dias de hoje é altíssimo. Mas também podemos perceber “modinhas” e uma pasteurização do design automobilístico.
O automóvel de hoje, devido à produção em massa, tem uma carroceria composta de clichês interpretados segundo o DNA de cada marca, ou do Designer-chefe. Um exemplo típico e fácil de se perceber são as entradas de arrefecimento dos freios dianteiros, na sua grande maioria são “fakes”, falsos, não servem para nada, a não ser como elementos decorativos, emocionais. Eu como sou um purista, odeio este tipo de truques, sinais falsos, que no fim iludem o cliente.
O mesmo se passa com a grade dianteira, que é totalmente dispensável, já que a ventilação dos radiadores na dianteira não precisa nem da metade da área da grade, e isso em grades “decentes”.
Aliás, quanto mais fechada a abertura de ventilação frontal, melhor performance aerodinâmica. Portanto, elas são elementos decorativos que dão caráter aos modelos. Como se fosse a expressão de uma boca.
Voltando aos sketches, no passado eram peças únicas, feitas em papel (Vellum, Canson), tudo à mão, e no processo usávamos elipses e curvas para nos ajudar no traço perfeito.
Além dos markers (canetas hidrográficas importadas, com incrível variação de cores, inclusive os “cinzas” quentes e frios em 10 tonalidades ), usávamos também o pastel seco e aerógrafo, para degradês, os lápis Prismacolor nas linhas gerais mas especialmente nos “highlights”, e para os “spots”, guache branca.
E’ muito importante para o designer criar sua marca, seu estilo, além de preservar e evoluir sempre o DNA da marca. De qualquer maneira, eles são uma visão “física” do produto que virá depois de quatro quatro anos de trabalho!
(Continua na semana que vem)
LV