Na última parte do texto sobre os 60 anos da era do jato, trataremos dos jatos Convair, o 880 e o 990, aeronaves que embora tenham sido construídos apenas 102 exemplares (65 do 880 e 37 do 990) também tiveram um significado na aviação no início dessa era, bem como uma participação na história da aviação brasileira.
A Convair era uma empresa de destaque tanto no mercado civil quanto militar. Nasceu da fusão das Consolidated Aircraft com a Vultee Aircraft e ambas tiveram grande destaque durante a Segunda Guerra Mundial, com a fabricação dos famosos B-24 Liberator, PBY-5 Catalina (Consolidated), a aeronave de ataque A-31 Vengeance e os treinadores BT-13 e BT-15 (Vultee).
No pós-guerra, ambas já unidas sob o nome Convair (CONsolidated Vultee AIRcraft), continuaram a atuar tanto no mercado civil quanto no militar. Foi dessa época aeronaves militares marcantes como o Convair B-36 Peacemaker (um dos símbolos do início da guerra fria) e posteriormente os rápidos jatos fabricados pela empresa como o B-58 Hustler, o primeiro bombardeio operacional a voar duas vezes a velocidade do som e retratado brilhantemente por Juvenal Jorge em matéria anterior, além dos caças da chamada “Série Century” empregados pela Força Aérea dos Estados Unidos, os F-102 Delta Dagger e o F-106 Delta Dart.
Por outro lado, no mercado civil, a empresa no pós-guerra iniciou a produção do modelo CV-240, aeronaves inicialmente projetadas a pedido da American Airlines como substituto do legendário DC-3. O modelo obteve boa aceitação comercial e evoluiu, surgindo os modelos 340 e 440 que dentre outras modificações em relação ao 240 original incluía o emprego de cabine pressurizada.
Talvez, devido a experiência militar com aeronaves a jato e uma linha de produtos civis movidas a pistão muito bem-sucedidas a Convair hesitou em tomar um rumo nas recentes mudanças do mercado civil, anunciando apenas em 1956 o inicio do projeto de sua aeronave comercial a jato, entrando na briga junto com a Boeing e a Douglas, mas buscando diferenciações em relação à ambos: tamanho da aeronave, alcance e velocidade.
Neste conceito, a empresa vislumbrou um cenário para seu produto onde seria menor que os os DC-8 e 707, projetada para rotas de médio alcance entretanto obtendo velocidade superior aos demais concorrentes. E justamente em virtude dessa diferenciação, encontrou como primeiro cliente a TWA – Trans World Airlines.
A TWA havia se lançado tarde na era do jato graças a indecisões de seu excêntrico controlador — o milionário Howard Hughes — e por conta disso, Hughes teve participação direta nas especificações da aeronave. Consta inclusive que Hughes pessoalmente voou no protótipo em seus primeiros voos, com a encomenda de 30 aeronaves, ganhando a numeração 880, também em alusão a sua velocidade, 880 pés por segundo — 600 milhas por hora/965 km/h.
A concepção original era de uma aeronave pequena, rápida e de médio alcance, apta para um costa a costa dos Estados Unidos, para até 124 passageiros dispostos em fileiras de 5 (o 707 e o DC-8 eram de até 6). Essa limitação de passageiros sentados lado a lado era graças aos seus 3,5 m de diâmetro da fuselagem. Para o desenvolvimento da aeronave, a Convair contou com a participação da General Electric e da Hughes Tools, empresa de Howard Hughes.
O desenho da aeronave, se olhado em um aeroporto, poderia facilmente ser confundido por um olhar desavisado com um Boeing 707 ou um Douglas DC-8 das versões curtas, entretanto um olhar mais crítico mostra bem o DNA “de guerra” da aeronave: além do nariz e leme lembrarem o militar Convair B-58 Hustler, os motores turbojato GE CJ-805 do Convair 880 eram versões “taxadas” (de empuxo reduzido) dos motores GE J79 que equiparam lendas como o Lockheed F-104 Starfighter, McDonnell Douglas F-4 Phantom e o próprio Convair B-58! Produziam 11.200 lbf/5.080 kgf de empuxo.
Hughes desde o inicio foi um dos apostadores do projeto. Fez a TWA lançar o Convair com a encomenda de 30 aeronaves, logo sucedida pela Delta Airlines. Hughes teve uma participação tão forte que chegou a mudar o nome da aeronave: batizada inicialmente de “Skylark”, Hughes acabou impondo o nome “Golden Arrow” e o protótipo do 880 saiu inclusive com uma pintura com faixas douradas.
O primeiro voo do Convair 880 se deu em janeiro de 1959 e sua entrada em operação foi em maio de 1959 mas pela Delta Airlines. Problemas com o financiamento do projeto e da própria aeronave levaram a TWA ser a segunda operadora do modelo.
Entretanto embora o Convair se apresentasse como uma aeronave inovadora, ela não conseguiu criar um nicho de mercado para aeronaves (ligeiramente) mais rápidas de voos domésticos: já em 1960 quando entrou em operação, sofria a concorrência do Boeing 720 (707-020) otimizado para médias distâncias que, além de maior, era mais barato e econômico que o jato da Convair. E para agravar ainda mais a situação do Convair, a aeronave não entregou a velocidade prometida. Ficou com uma velocidade de cruzeiro média de 550 mph (885 km/h), pouco acima do 707 e do DC-8.
Visando tornar o Convair mais atraente, a empresa lançou o modelo denominado 880M que nada mais era que um Convair 880 com modificações para reduzir o tempo de permanência em solo, reduzindo o intervalo das escalas. Além disso, a introdução de motores de 11.650 lbf /5.284 kgf de empuxo e slats no bordo de ataque das asas visava deixar a aeronave com um desempenho de pista superior ao concorrente. Mas ainda assim não conseguiu reverter a sorte do programa, encerrando com apenas 65 unidades vendidas.
Talvez, graças a entrada tardia da empresa na era do jato, em 1958, antes mesmo do modelo 880 fazer o seu primeiro voo, a Convair, atendendo a uma solicitação da American Airlines, lançou o Convair 990, um Convair 880 alongado em 3 metros, para até 159 passageiros, novos motores turbofan GE CJ-805 com 16.100 lbf /7.302 kgf de empuxo e uma maior autonomia.
Uma característica única dos motores CJ-805-23 era a localização de seu fan: no lugar da parte dianteira, o GE emprega o fan na parte traseira do motor, próximo à saída dos gases quentes. Foi uma configuração incomum empregada pela GE e encontrada, além do CJ805-23 do Convair, no motor CF-700 do Rockwell Sabreliner e Dassault Falcon 20.
Inicialmente batizado de Convair 600 (alusão a sua velocidade de cruzeiro de 600 mph), o modelo 990 deveria ser ainda maior que o 880, estimado para cerca de 630 mph a 21 mil pés (cerca de 1000 km/h a 6.400 m). O plano da American era criar voos costa a costa de primeira classe, feitas com o Convair e outros, mais econômicos, com Boeing 707. E em virtude da alta velocidade de cruzeiro, visando reduzir as ondas de choque sônico (o ar escoa sobre algumas partes da superfície da aeronave em velocidades superiores a aquela do avião em relação ao solo), foram introduzidos protuberantes corpos antichoque sônico no bordo de fuga das asas, sendo aproveitados como tanques de combustível adicional.
E no afã de atender o cliente para colocar seu produto no mercado, a Convair aceitou um contrato com cláusulas altamente favoráveis a American Airlines, com a aceitação de alguns Douglas DC-7 como pagamento, a valores bastante acima do de mercado e cláusulas punitivas em caso da aeronave não atingir as especificações propostas.
E o pior aconteceu: além das vendas do Convair não conseguirem deslanchar frente ao 707 e ao DC-8, a aeronave não obteve o desempenho esperado, atrasando ainda mais a sua entrada em serviço. A despeito de seu primeiro voo ter ocorrido em 1960, somente em 1962 ele pôde efetivamente entrar em operação.
Por conta dessa não conformidade com as especificações projetadas, muitos pedidos foram cancelados, a empresa teve que modificar a aeronave visando recuperar um pouco do desempenho projetado e assim, essas modificações foram incorporadas a todos os Convair produzidos, que foram batizados 990A.
E embora fosse uma aeronave mais veloz que os concorrentes, essa velocidade adicional não era significativa nem em valores nem em tempo economizado. A pilotagem do Convair não era uma das tarefas mais simples, em especial nos 990 com tanques nas carenagens antichoque nas asas, requerendo especial atenção no manejo de combustível.
Os motores CJ-805 consumiam combustível em demasia encarecendo ainda mais a operação da aeronave. Nos anos 70, algumas unidades sofreram uma atualização nas câmaras de combustão das turbinas visando reduzir o nível de emissão de fumaça.
Com tudo isso, em 1962 o programa 880 foi encerrado com apenas 65 unidades produzidas e em 1963, o 990 se despede com meras 37 aeronaves. Os principais operadores de Convair 880/990 se desfizeram da frota ainda na década de 1960.
Os Convairs 990 ainda tiveram sobrevida com companhias aéreas de passageiros menores, todavia os Convairs 880 foram convertidos para cargueiros já nos anos 70 e muitos desmanchados e sucateados ainda nesta mesma década.
O fracasso do projeto 880/990, ao longo de todo o seu ciclo de vida (1956 a 1963) custou a controladora da Convair, a General Dynamics, um prejuízo declarado de US$ 185 milhões (cerca de US$ 1,5 bilhão atualmente) embora rumores da época falem em US$ 475 milhões (US$ 3,86 bilhões). Seja qual for o número, foi considerado o maior prejuízo corporativo da história empresarial americana.
No Brasil
Na segunda metade da década de 1950, a empresa Real — Redes Estaduais Aérea Ltda — buscava incrementar sua atuação internacional com voos para a América Latina e Estados Unidos operados por Super Constellations adquiridos novos da Lockheed. Entretanto havia uma verdadeira revolução em curso com a Era do Jato e a Real não poderia estar a margem dela.
Talvez graças a bem-sucedida operação dos Convairs 340 e 440 nas rotas da empresa ou mesmo pelo fato da Varig ter optado pelo Boeing 707 e a Panair pelo Douglas DC-8, a Real escolheu adquirir quatro Convair 880, encomenda posteriormente alterada para três unidades do modelo 990.
A Real, contudo, passou por sérios problemas financeiros nesta época, culminando a sua incorporação pela Varig e junto com ela, de suas aeronaves e encomendas. E com isso a empresa gaúcha acabou levando consigo a encomenda de três Lockheed Electra e três Convair 990.
Os Electras, a despeito de não fazerem parte dos planos da empresa gaúcha, foram recebidos sem maiores contestações, todavia o Convair foi alvo de uma ampla batalha entre a empresa gaúcha e a fabricante americana.
Naquele ano de 1960 o primeiro Boeing 707 chegava ao Brasil, trazido pela Varig e já em 1961 era patente que o Convair frustrava as expectativas de desempenho e assim, a Varig tentou de todas as maneiras cancelar a compra dos 990 destinados à Real. Houve até a apreensão de um Boeing 707 da Varig, nos Estados Unidos, visando assegurar o pagamento das parcelas.
Entretanto, a assessoria jurídica agarrou-se em uma brecha contratual que poderia ensejar o cancelamento da encomenda: O Convair deveria ser apto a operar a partir do Aeroporto de Congonhas estando completo em sua carga. Essa foi a última cartada da Varig, uma vez que tanto o Boeing 707 quanto o DC-8 não poderiam operar normalmente a partir deste aeroporto.
O que a Varig não contava foi na aceitação da Convair ao desafio. Enviou um demonstrador ao Brasil que aterrissou normalmente em Congonhas. A aeronave foi lastreada com sacos de areia e a bordo, o presidente da Varig, Rubem Berta e sua equipe jurídica. A aeronave correu a pista, o piloto cortou um dos motores de forma deliberada e ainda assim continuou a decolagem que transcorreu normalmente e o seu posterior pouso. Depois deste voo nada mais restou a Varig aceitar os 3 Convair CV990A “Coronado” que receberam as matriculas PP-VJE/PP-VJF e PP-VJG.
Os Coronados da Varig operaram basicamente as linhas para a América Latina embora houvessem voado também para os Estados Unidos e Europa, foram desativados das linhas da empresa em 1971, sendo o PP-VJE desativado em 1969 com sua venda à Alaska Airlines e o PP-VJF e o PP-VJG em 1971 com a venda para a Modern Air.
Uma curiosa observação é que entre 1965, com a cassação das linhas da Panair do Brasil, até 1971 com a venda do último Convair CV-990, a Varig foi a única empresa aérea do mundo a operar, de forma simultânea, os três modelos de jatos americanos de primeira geração.
Atualmente não resta nenhum Convair 880 ou mesmo 990 em condições de voo. Somente aparelhos em demonstração estática como o “The Lisa Mary”.
O “Lisa Mary”
Antes de John Travolta, Elvis Presley também adquiriu uma ex-aeronave comercial para servir de avião executivo. O Convair 880 originalmente da Delta Airlines foi adquirido em 1975 e totalmente customizado para ser uma aeronave executiva com quartos, banheiros com torneiras banhadas a ouro, sala de reuniões e uma sala de vídeo/TV com amplo sistema de som.
O cantor só aproveitou a aeronave por dois anos, logo em seguida à sua morte ela acabou vendida e hoje encontra-se em exposição em um Museu/Memorial em homenagem ao cantor na cidade de Memphis, Tennessee.
FICHAS TÉCNICAS COMPARATIVAS
FICHA TÉCNICA | |||||
MOTORIZAÇÃO | BOEING 707-120 | DOUGLAS DC-8-20 | CONVAIR 880 | CONVAIR 990A | |
Turbinas | 4 x Pratt & Whitney JT3C-6 | 4 x Pratt & Whitney JT4A-3 | 4 x General Electric CJ 805-3 | 4 x General Electric CJ 805-23 | |
Empuxo (lbf) | 13.500 lbf com injeção de água / 11.200 lbf sem injeção de agua | 16.800 lbf com injeção de água / 15.800 lbf sem injeção de agua | 11.200 lbf sem injeção de água | 16.100 lbf sem injeção de água | |
Velocidade de cruzeiro (km/h) | 869 | 873 | 893 | 915 | |
Autonomia (máx. combustível – em km) | 6.900 | 8.180 | 6.530 | 8.870 | |
DIMENSÕES (m) | |||||
Comprimento | 44,00 | 45,50 | 39,00 | 42,00 | |
Envergadura | 39,80 | 43,20 | 36,00 | 36,00 | |
Altura (até o leme) | 12,80 | 12,80 | 11,00 | 11,80 | |
Largura da fuselagem | 3,76 | 3,73 | 3,50 | 3,50 | |
PESOS / CAPACIDADES | |||||
Cap. máxima de passageiros | 179 | 177 | 144 | 159 | |
Peso máximo de decolagem (kg) | 116.500 | 125.100 | 83.650 | 108.400 | |
Peso vazio (kg) | 53.500 | 56.170 | 40.150 | 52.500 | |
Capacidade de combustivel (L) | 65.800L Jet A1 + 2600L de água + metanol | 67.900 L de Jet A1 / 2.700 L de água + metanol | 40.380 | 57.180 | |
Para efeito comparativo, não usar as informações sobre o Convair 990A destacadas. O 990A seria comparável aos Boeing 707-320/420 e aos Douglas DC-8 50 |