Os altos e baixos na indústria, atacado, varejo e em toda a economia nacional, em anos de eleições presidenciais, são conhecidos dos brasileiros. Como ocorrem num espaçamento de quatro anos, esse fator permite a muitos esquecerem-se de como foi “da última vez”.
Estivesse o mundo com as pernas firmemente apoiadas no chão, poderíamos culpar a instabilidade político-institucional brasileira por nossas mazelas, porém neste ano temos fatores de instabilidade internacional de sobra: Trump abrindo fronts de guerra comercial com seus principais parceiros; Turquia de Erdogan com economia afundando ameaçando calote a bancos europeus, seus principais credores; Argentina e seu socorro no FMI e cancelamento de importações de milhares de automóveis brasileiros; leste europeu com líderes populistas assumindo o comando de seus países, enfim. Os economistas e analistas de mercado dirão que as reservas brasileiras de quase US$ 400 bilhões nos dão um colchão que amortece qualquer pancada causada por maus humores internacionais e nos permite traçar planos num horizonte estável como mar calmo. Não é bem assim.
Fato é que nosso mercado de autoveículos vinha em trajetória de frágil recuperação e qualquer espirro da economia lhe traz efeitos de pneumonia dupla. O locaute dos caminhoneiros nos últimos 11 dias de maio está aí para demonstrar. Lembremos que em 2014, ano da reeleição da errática Dilma, as vendas do setor seguiam trajetória descendente, que se transformou num mergulho profundo assim que a presidente reeleita antecipou em um ano o corte final do subsídio de IPI para aquisição de carros novos.
Meses depois, com a Operação Zelotes da Polícia Federal iniciada, soube-se que esses subsídios do governo vieram em troca de propinas, envolvendo até o filho caçula do ex-presidente e agora presidiário, senhor Luiz Inácio L. da Silva, e um ex-diretor da Anfavea, em prisão domiciliar, e sua esposa, enjaulada. Em 2010, último ano de mandato do presidente Luiz Inácio, este concedera desconto do IPI para reestimular a indústria e trazer os compradores de volta às lojas, o que foi considerada uma manobra bem-sucedida. Adotara ação anticíclica, coisa a que o Brasil não estava acostumado.
Todos felizes comprando mais carros zero-km, mas aquilo teve propina em troca de MP de redução de IPI, investigação ainda em andamento e desdobramentos imprevisíveis. Sabe-se apenas que vão sobrar sentenças de prisão.
Neste ano de 2018, com uma presidente deposta, seu ex-vice e agora presidente da República numa batalha contra investigações, procuradores e parlamento para escapar das garras da justiça, não podemos dizer que o Brasil viva seu melhor momento, muito menos que há estabilidade suficiente que permita a indústria se recuperar. Não irá. Não até o novo presidente assumir seu posto em 1º de janeiro.
Assim, contentemo-nos com as migalhas e com cada dia em que cada concessionário de veículos consegue atingir sua meta de vendas.
Em julho venderam-se um total de 217.509 veículos, sendo 209.074 automóveis e comerciais leves, 6.591 caminhões e 1.844 ônibus. A surpresa maior e mais positiva foi a venda de chassis rodantes para coletivos, quase o dobro da média habitual. Ano de eleições, vendem-se tradicionalmente mais ônibus, mas isto é mais frequente nos de pleito para prefeitos, que são nos anos bissextos.
Na conta da média diária de licenciamentos, temos 9.503 veículos, um patamar que pode ser considerado razoável, mas que se mantido inalterado não permitirá atingir a meta de 2,42 milhões de veículos leves que a Anfavea projetara. Para alcançá-la seria necessário que as vendas médias diárias atingissem o patamar de 10.300, ou seja, o setor está a procura de boas notícias e elas não vêm do governo. Para resgatar a confiança dos compradores, precisa-se de estabilidade, e esta anda em falta.
Pois bem, as vendas atuais estão estimuladas pelo subsídio do programa PcD. No primeiro semestre, 1/5 dos licenciamentos de carros novos foi destinado aos inscritos e, se nada for feito, essa proporção irá aumentar. A indústria vem fazendo a sua parte, mês passado tivemos quatro novos lançamentos: Chevrolet Cobalt, Ford Ka com motor 1,5-litro tricilindro (foto de abertura), VW Gol e Voyage com câmbio automático em versões que visam atender a esse programa.
Na linguagem de marketing tradicional, aquele que chega por último na festa paga a conta dos outros. Trocando em miúdos, o contendor que apresentar seu produto ao mercado por último, tem pouquíssimas chances de tomar a liderança daqueles que inauguraram o segmento. Claro, disputará compradores tentando arrancar quinhão de cada um dos concorrentes. Tivessem essas novas versões de automáticos demandado investimentos específicos para o programa PcD, bem provável que não veriam retorno aos seus investimentos.
Quem de nossos leitores já esteve recentemente em filas dos Detrans de seus respectivos estados para tirar a sua CNH ou renová-la, certamente terá notado a quantidade de velhinhas que nunca dirigiram, tampouco têm habilitação, mas estão lá para receber a tal carta que permite comprar o carro zero km, com 0% de IPI E 0% de ICMS, em seu nome e depois ceder o uso desse automóvel a seus filhos ou netos .
A desproporção que esse programa atingiu já chamou a atenção das autoridades fazendárias, porém como o PcD está protegido por lei, demora um pouco para conter ou mesmo reduzir seus efeitos. Enquanto esse freio não vem, 54% das vendas do Jeep Compass são por venda direta, estimamos acima de 90% deles para o programa.
Devido ao preço desse modelo Jeep ultrapassar o teto de 70 mil reais, o benefício restringe-se somente à isenção de IPI, de 11%, o ICMS mantém-se intacto. Ou seja, arrume uma dor no ombro, um atestado médico e compre um Compass por pouco mais do preço de um HR-V.
Olhando para o gráfico acima, notamos o impacto do programa nos automóveis, vendas diretas eram menos de 30% do total em janeiro e saltaram para mais de 40% em julho último. Venda direta inclui o PcD e mistura-se com os faturamentos para locadoras de veículos, frotistas e outros, mas podemos deduzir que esse crescimento deve-se quase exclusivamente ao programa. Nota-se que vendas diretas de comerciais leves também cresceram, porém menos, de 70% para 74%, uma vez que o PcD não o alcança.
RANKING DO MÊS E DO ANO
Num mês em que as vendas de automóveis e comerciais leves reagiram 6,9% sobre junho e 16,6% sobre julho de ’17, destacaram-se a Nissan, a VW e a Renault, com licenciamentos superiores a mesmo mês do ano passado de respectivamente 39%, 31% e 24%. A fabricante alemã com planos de lançamentos de novos produtos a todo vapor, permite-lhe sonhar em atingir o topo novamente até a virada do ano. O crescimento nas vendas da Nissan vem puxadas pelo Kicks e da Renault, pelo Kwid.
O Chevrolet Onix mantém-se em primeiro no ranking nacional sem ser ameaçado há mais de dois anos, com 16.856 unidades, 8% superior a julho de ’17, porém sua distância para os demais vem sendo paulatinamente reduzida. Ford Ka em 2º, com 9.558, depois HB20, 9.124, Gol com 6.631 e Polo com 5.828.
O Compass foi o suve mais vendido, 5.360 e figurou em 7º na classificação geral. No acumulado do ano, o Onix cresceu 8%, Ka 11%, enquanto o segmento expandiu-se 13,5%. Sabia-se o crescimento do Onix não seria eterno. O pequeno Chevrolet está longe de exibir falta de fôlego, contudo sua concorrência armou-se para disputar compradores com novos produtos e atrativos. O sucessor do Onix é esperado somente para meados de 2020.
Nos comerciais leves, o Fiat Toro encabeça a lista pelo segundo mês consecutivo, com 6.226 emplacamentos, em 2º o Strada, 5.765, Saveiro em 3º, 3.635, em 4º Hilux, 3.080, depois S10 com 2.630, Ranger e Amarok e Oroch. Esse segmento segue aquecido, cresceu 17,7% no acumulado do ano, comparado com mesmo período de ’17. Com o início das vendas da Nissan Frontier made in Argentina e ainda Renault Alaskan e Mercedes Classe X, todos oriundos da mesma linha de montagem, espera-se novos compradores de picapes médias, aumentando e dividindo o bolo em diferentes fatias. A picape VW para concorrer com o Toro também deve vir no final do ano que vem ou começo de 2020.
Até próximo mês.
MAS