Os textos que estamos publicando sobre os nossos dez anos tem o jeito de cada um de nós, e o do Arnaldo Keller me lembrou mais uma vez de meus carrinhos de brinquedo e de minhas ruas e estacionamentos no chão do quarto.
Quando nasci, meus pais moravam em um apartamento antigo, daqueles que hoje tem área útil apenas para milionários, mas na década de 1960 era algo simples, em um edifício de três andares, sem elevador e sem garagem.
Pois bem, esse lugar de onde tenho muitas lembranças ótimas tinha um quarto enorme só para mim, pois meu irmão só chegaria depois de algum tempo, quando eu já tinha oito anos de idade. Os carrinhos Matchbox e de marcas desconhecidas no chão, ruas demarcadas com pedaços de papel, lápis, fita métrica, o que fosse, e vários estacionados lado a lado. E minha mãe querendo limpar o chão… Depois de algumas discussões, ela resolvia varrer em volta.
Sair para a rua com meu pai era sempre bom, pois era 99% das vezes de carro. Lembro claramente do Corcel 1969 branco, que uma vez sumiu e depois de alguns dias voltou com a decoração externa do GT. Capô preto, entrada de ar falsa, faixas laterais, e mais algumas coisas muito legais para quem tinha 5 anos. E que são legais ainda hoje.
Vários outros carros depois, Opalas, VW TL, Dodge 1800, outros Corcéis e Del Reys, chegam meus 16 anos e o pedido para aprender a dirigir. A primeira vez em que andei mais de 10 minutos foi no litoral de São Paulo, numa chuvosa Peruíbe, fora do verão e por isso com pouca gente na rua. Muitos quilômetros a bordo de um Del Rey, com uma embreagem que pesava uma tonelada. Depois, vários meses sem dirigir, e uma noite dei um ultimato a meu pai: vamos começar de novo com as aulas, eu não quero ir em autoescola para aquelas aulas sem graça em que só se anda em segunda marcha!
E ele, com paciência enorme, me fez rodar uns 50 quilômetros naquela noite, dentro da cidade apenas, me obrigando a parar e sair em cruzamentos de uns 10 bairros umas 3 mil vezes. Ele escolhia ruas em subida para eu parar e sair — câmbio manual, claro — até ficar com pés coordenados. Quantas vezes o motor apagou? Umas trezentas.
Depois dessa vez, mais algumas dúzias de treinos, e pouco antes dos 18 anos, chega em casa para mim um Chevette! Já falei sobre ele nesta matéria. Daí para frente, foi só diversão.
O tempo passou rápido demais, vários carros chegaram e saíram da garagem dos lugares onde morei, e chegamos à nossa primeira década de existência do AE.
Para mim, descrever o que é o AUTOentusiastas é facílimo e muito difícil ao mesmo tempo. A parte fácil é entender que alguém que a vida toda norteia sua existência por carros e aviões passou a fazer parte de algo grandioso no melhor sentido, o da qualidade, podendo criar textos e fotos — nos últimos anos também alguns vídeos — tentando passar da melhor forma possível as sensações do que dirigimos. A foto abaixo mostra mais um lugar bacana que visitei com o objetivo principal de mostrar aos amigos que nos acompanham: o Museu do Corvette, em Bowling Green, Kentucky, EUA. Como dizem os americanos, stay tuned.
O modo complicado de esclarecer o AUTOentusiastas é tentar imaginar o que seria nossas vidas sem esse espaço virtual, os carros que experimentamos, os lugares onde vamos, e mais importante de tudo, as pessoas que conhecemos. Sejam pertencentes às fábricas ou importadores, sejam nossos leitores amigos próximos ou aqueles que conhecemos apenas pelos comentários, pessoas são o mais importante, sempre. E são sempre reais, nunca apenas “na nuvem”, e isso é o melhor de tudo.
Sem leitores, revistas, jornais, sites ou páginas de redes sociais não existem. Somem, morrem, sublimam. Qualquer um deles, por melhor que seja, precisa de gente olhando, analisando e criticando o que é publicado. Para mim, sempre tento imaginar da melhor forma o que nossos amigos gostariam de ver, de ler e de entender. Mais ou menos tento preencher as lacunas — uma delas, mais fotos de detalhes — que ficavam naqueles tempos das revistas que nos atraíam, e que tinham os personagens que nos entretinham e faziam sonhar. Cada um a seu jeito, todos de grande valor, tenho como regra não ter preconceitos nessa admiração.
Nosso mestre do AE, que nos colocou e mantém no trilho do profissionalismo, Bob Sharp, com uma gentileza, experiência e conhecimento gigantes. Leio-o desde Quatro Rodas e Oficina Mecânica. Quem não conhece o Bob de perto não sabe o que está perdendo.
Fabrício Samahá no Best Cars Web Site, sempre denso, excelente e preciso, o mestre José Luiz Vieira e sua equipe na inigualável Motor 3, um verdadeiro curso ilustrado e resumido de engenharia automobilística, com menção honrosa para Fernando de Almeida e seus textos divinos sobre aviões. Roberto Agresti na Motoshow, com seus comparsas Gabriel Hochet e Marc Pétrier. Agresti fala e escreve com a mesma maestria, com correção e pontuação irretocáveis, e um humor e carinho humano de quem tem um coração enorme.
Décio Correa na AeroMagazine e agora na Revista Asas, onde o editor Cláudio Lucchesi inaugurou um tipo de publicação como nunca antes existiu no Brasil, uma revista de cultura e história da aviação absolutamente imperdível a cada bimestre e deliciosa de ler.
Também não dá para esquecer do Ricardo Caruso com a Auto&Técnica, onde Claudio Carsughi foi um dos fundadores e ambos tanto ensinaram. Nas poucas edições da Quatro Rodas Clássicos, conheci o querido Arnaldo Keller, um cara sem cerimônias, que faz a vida ser simples e fácil de ser entendida, e de uma calma exemplar; Luís Fernando Carqueijo, um verdadeiro mestre de andar longe do asfalto, com a tranquilidade de quem está sempre sabendo o que faz.
E o que dizer de Roberto Nasser na Motor 3, depois na Auto&Técnica e agora com sua coluna independente “De carro por aí”, e sendo nosso colega de AE? Pouco a dizer, apenas lembrando a placa preta, o Museu Nacional do Automóvel — lacrado por estupidez política — e chega. Nasser é um mito.
Fernando Calmon, fonte de informações firmes e quentes, conhece absolutamente todo mundo, e que me presenteou há muitos anos num Salão do Automóvel com uma edição de Autoesporte que eu não havia comprado; Boris Feldman com seu estilo único e crítico, além de um cabedal de histórias daqueles de formar roda em volta. Nisso ele compete com o “tio” Josias Silveira, criador de revistas históricas como a Oficina Mecânica e Duas Rodas, fonte inesgotável de histórias e gargalhadas, e ótima informação sobre carros de ontem e de hoje e de como manter qualquer cacareco andando. Não consigo ficar um minuto perto do Josias sem rir de alguma tirada que sai daquela mente prodigiosa.
Carlos Meccia e suas lembranças notáveis de quem viveu dezenas de projetos, informação sempre saborosa e rica, além de detalhar de fato os lançamentos. Os recém-chegados Douglas Mendonça, de tantos anos de matérias ótimas, e nossos caros amigos Fernando Silva e Márcio Salvo. Novas forças para manter o carro andando!
Wagner Gonzalez, figura única e que P-R-E-C-I-S-A escrever um livro com o que viveu na sua fase de Fórmula 1. Está nos devendo! Não é preciso falar muito, basta ver a foto abaixo, publicada na revista Autoesporte há alguns anos, quando existia o suplemento F-1 Racing, para imaginar o que esse homem tem na sua memória. Notem também a equipe Toleman em pé e o Wagner bem acomodado em uma cadeira, para perceber a figura que é nosso amigo.
Reencontrar amigos que podem ser considerados irmãos como o Marco Antônio Oliveira, um cara único, uma cabeça pensante e pesquisadora, com a clareza de quem sabe que sempre é preciso cavocar mais fontes para achar a água pura da sabedoria, do começo das coisas, dos pioneiros que evoluíram o nosso amado automóvel. Referência.
Dividir ideias, lamentos, risadas, pontos de vista opostos e discussões filosóficas com o compadre Paulo Keller, o grande arquiteto-planejador do AE desde seu início, nosso motor. Só estou aqui porque ele surgiu na minha vida quando estudávamos na FEI.
Observar o detalhismo educadíssimo e gentil do Alexander Gromow com seu conhecimento multinacional sobre Fuscas e seus quase infinitos derivados; a empolgação do Daniel Araújo com os aviões e com detalhes nas suas matérias riquíssimas; o conhecimento de carros de corrida de longa duração do discreto porém firme Milton Belli; o embasamento e precisão da Nora Gonzalez em seus textos nota 11, coisa de jornalista profissional de gabarito elevadíssimo (fora o bom humor constante).
Hans Jartoft, amigo de tantos anos, lá longe na Suécia mas sempre perto, com seu espírito que entende muito bem o Brasil, nos supreendendo com carros inacreditáveis que ele avalia e nos conta como são; o Marco Aurélio Strassen, com sua análise mensal do mercado, algo pensado e não apenas uma “juntada de números”, trabalho a ser guardado como referência.
Ronaldo Berg, bagagem incrível que dividiu conosco generosamente em dezenas de textos que são verdadeiras conversas com quem lê, bem como as matérias do Luiz Veiga sobre um dos assuntos mais apaixonantes sobre automóveis, o Design, onde somos brindados com seus desenhos fabulosos; e o Portuga Tavares, que ainda não consegui conhecer ao vivo, com suas peripécias Fordianas incríveis. Conte mais para nós Portuga, por favor! E fotos, fotos, fotos!
A turma é vasta, alguns participaram e se foram de nossas páginas, como o amigo Bill Egan, o Alexandre Garcia e o André Dantas, mestres em suas habilidades tão diferentes e tão curiosas. O Alexandre Cruvinel, outro grande amigo que tem ótimas histórias. Não dá para falar de todos, mas com eles aprendo e tento ser uma soma de pontos positivos, para tentar entender melhor o que leio, escrevo e dirijo.
A todos e muitos mais, só tenho a agradecer. Passar momentos com eles é algo que jamais imaginei quando lia minhas revistas ou brincava com meus carrinhos no assoalho do quarto.
Mas principalmente você, nosso leitor e amigo, que é a real razão do AUTOentusiastas existir e continuar existindo. Fique com a gente. E muito obrigado, de coração.
JJ
Galeria com alguns momentos AE ao longo desses 10 anos