“A long long time ago
I can still remember how
That music used to make me smile
And I knew if I had my chance
That I could make those people dance
And maybe they’d be happy for a while” – Don McLean, “American Pie”
Me lembro perfeitamente de como, há muito, muito tempo atrás, aquelas revistas me faziam sorrir. E eu sabia que, tivesse eu a minha chance, eu poderia ajuda-las com isso. E talvez as pessoas, ao ler essas revistas como eu, pudessem ser um pouco mais felizes, nem que fosse por um breve espaço de tempo.
Minha chance apareceu a muito muito tempo atrás. Minha filha Bruna acabara de nascer, minha esposa em frangalhos (hoje sabemos que sofria de severa depressão pós-parto), comecei a escrever de noite em casa para esquecer um pouco aquele turbilhão de emoções do dia; da alegria de ser pai misturada com o estresse extremado por uma doença psicológica ainda não diagnosticada; tudo somado aos problemas do dia a dia que já fazem nossa vida complicada mesmo sem nenhum complicador em cima.
Escrevia só por escrever sem nenhum outro objetivo. Escrevia sobre carros, claro. É tudo que sei escrever com alguma propriedade, fruto de leitura obsessiva desde os 10 anos de idade. E aqui aproveitando para dar uma banana para todos que não entendem nossa paixão e nutrem algum sentimento anticarro, é um tema tão válido quanto qualquer outro. Na verdade, acredito ser o mais válido. Carros são arte. São técnica. São ciência. São paixão. São liberdade individual. São poesia. História. Nosso mundo físico, aquele de verdade fora das telinhas e dos escritórios e todas estas outras algemas que nos prendem feito criminosos a um existir pequeno, foi construído para o carro, para que ele nos leve lá fora, para longe. Andando de carro para algum lugar, ainda temos hoje momentos únicos e impossíveis de se ter de outro jeito. Carros nos dão vários superpoderes, mas o maior deles sem dúvida é a liberdade individual; aquela exercida quando a gente sai lá para fora para qualquer lugar que nos dê na telha. Dirigindo assim, nossa cabeça viaja e podemos nos encontrar conosco, em nossos pensamentos, sem interrupção, embalados por uma velocidade sobre-humana, e um conforto danado. Como disse Jackson Browne, “olhando a estrada correndo debaixo de minhas rodas, eu não sei como lhe dizer o quão doida esta vida me parece”.
Mas divago; escrevia eu noites afora sem nenhum canal para compartilhar esse monte de coisa que saia dos meus dedos como uma cachoeira. Apenas escrevia. Mal sabia eu que, longe dali, um cara muito esquisito chamado Paulo Keller começava um grupo de e-mails com amigos que gostavam e entendiam alguma coisa do assunto. O assunto era carro, claro, se você desligou o cérebro por um minuto.
Um dia ele precisa nos explicar como inventou isso, de onde veio. Mas ele naquele ponto dos anos 90 criou algo que mudou a vida de um montão de gente, e continua fazendo com cada um que nos descobre. Ele criou o AE. Assim, do nada, aparecido onde antes havia nada. Aquele modesto grupo de e-mails teria ramificações inimagináveis no futuro. De cara, nas conversas do grupo, algumas tradições que seriam familiares a um leitor de hoje já apareciam: Bob Sharp era o BS, Paulo Keller era o PK, e assim por diante. Chamávamos uns aos outros por siglas, e não nomes, o que, no mundo real era bem esquisito para os não iniciados. O chamado profético “Vida longa AE!” já aparecia frequentemente também.
Mas eu ainda não sabia de nada disso. Nesse tempo, comecei a escrever no Best Cars Web Site, respondendo um chamado no site para redatores amadores interessados a divulgar seus rabiscos. Foi lá onde comecei a realmente publicar o que escrevia. Primeiro artigo em setembro de 1999. Uma grande emoção, leitor se tornando escritor. Como esquecê-la?
De volta ao AE, que era um grupo de e-mails se tornou um círculo de amizades. O Fabrício Samahá, editor e fundador do BCWS, entrou para o grupo. Nele estava também logo nosso querido mestre, Bob Sharp. O Juvenal Jorge, amigo do PK, e colega meu da época de faculdade, sugeriu minha entrada para o grupo, ao ler meu nome no BCWS e lembrando de nossa amizade, ali esquecida. O JJ é um cara bem esquisito, e de longe bem rabugento. Mas é um grande amigo, e de pertinho, não há quem não goste dele. Retomar o convívio com ele foi algo que o AE, de cara, fez para mim. Só isso seria suficiente para agradecer, mas não foi só isso.
Conhecer esse monte de gente que conhecia muito de carro foi uma grata surpresa; até ali nunca tinha conhecido gente nem remotamente parecida. Brigas vieram claro, desentendimentos. Muita gente entrou muita gente saiu de lá. Mas em 2008 o PK, de novo, teve um momento de brilhantismo e resolveu publicar nossas discussões do grupo, em forma de blog. Dez anos depois, ele é esta augusta publicação automobilística que vocês acompanham diariamente. O PK às vezes não é reconhecido como merece; mas este site, sua criação, fez uma diferença na vida de muita gente. O que mais podíamos querer além disso em nossas vidas? Ser lembrado por algo que criamos não para nós, mas para o mundo lá fora? Isso é o maior sucesso.
Trazer seu primo Arnaldo Keller para o AE também foi uma sacada genial do PK. Antes de conhecer o Arnaldo, tinha lido seu livro “Um Corvette na Noite”, e de cara me tornei fã incondicional. As suas histórias, ficção ou de vida, são sempre uma delícia de ouvir. Um contador de histórias de primeira grandeza. Conhecê-lo pessoalmente é incrível para mim, ainda hoje.
O Bob Sharp, nosso professor, também tem que ser lembrado em especial aqui. Além de dar o necessário verniz profissional em uma atividade que se, deixada solta, viraria uma bagunça de amigos, o Bob é um trabalhador incansável, mesmo do alto dos seus 75 anos de idade. A ética de trabalho duro do Bob é impossível de acompanhar mesmo para mim, 25 anos mais novo que ele. Só outro incansável trabalhador chamado Paulo Keller consegue acompanhar. Graças a eles, não somente, mas principalmente, ainda estamos aqui todo dia.
Para mim este site sempre foi fundamental para minha saúde mental. Com ele consigo tirar o monte de loucuras que povoam minha mente semidoentia para fora, evitando assim que elas fiquem causando danos irreparáveis dando voltas dentro de minha cachola. E me trouxe a amizade de um sem-fim de gente boníssima que compartilha minhas paixões. E tudo isso, claro, sem falar na possibilidade de andar em carros que nunca andaria se ainda estivesse sozinho. Não estou mais sozinho!
Esta comemoração de 10 anos é uma oportunidade para agradecer ao AE todos os amigos que ele me trouxe. São tantos que não vou listá-los aqui por medo de deixar alguém de fora. Vocês sabem quem vocês são, e espero que vocês se sintam, como eu, parte dessas comemorações. Todo mundo do grupo Entusiastas original, todo mundo que conheci em eventos, leitores, amigos, conhecidos. Editores, colaboradores e colunistas, de hoje e do passado. Mesmo que não escrevam aqui, vocês fazem parte desta história. E também os leitores de longa data, e aos recentes também; meu obrigado por ouvir com atenção o que escrevemos e falamos. É só o que queremos.
Um forte abraço a todos os integrantes desta enorme família estendida, e que venham muitos anos mais!
Vida longa ao AE!
MAO
P.S.: Durante a última semana andei varrendo meus arquivos de fotos para publicar diariamente na minha conta de Instagram (@mao4100) algumas lembranças desses 10 anos de AE. Abaixo, o que já foi publicado até agora. Sigam-nos no Instagram para ver mais disso! Pretendo continuá-la por um bom tempo!