Administradora da categoria lança factoide para renovar e aumentar público
A indústria automobilística tem um dos melhores sistemas de comunicação corporativa do mundo, característica que a F-1 explora cada vez mais. Um exemplo disto é a nova política adotada pela Liberty Media para a categoria, algo que pode ser visto no post publicado aqui: longe de ter um conteúdo técnico por excelência, o texto traz explicações básicas sobre a proposta de facilitar disputas roda a roda e, consequentemente, aumentar os lucros de um investimento bilionário (em moeda forte) através de maior audiência. Em duas palavras, show business.
No artigo sobre as declarações de Ross Brawn, escrito por Lawrence Barreto, o executivo-chefe da Liberty para assuntos técnicos e desportivos envereda por temas há muito conhecidos por quem segue a categoria e que arrefecem o calor gerado por imagens que muita gente interpretou como o futuro. Ao contrário do que seria esperado pelo primeiro impacto causado pela proposta, não há nada realmente novo nos estudos que a sua empresa desenvolve “a quatro mãos com a FIA”. Quem curte a F-1 e acompanha sua evolução não se espantou ao ler o documento que ocupou espaço na mídia especializada às vésperas do GP de Cingapura. Veja algumas das declarações de Brawn:
“Quando os carros estão separados por 10, 15 metros eles perdem 50% da eficiência aerodinâmica, uma perda substancial. Nos propusemos a estudar as causas disso e possíveis soluções e estou satisfeito em anunciar que podemos atenuar essa deficiência em cerca de 80%”.
Nenhuma novidade nisso. Engenheiro mecânico com passagem pela Agência de Pesquisas Atômicas do Reino Unido, Brawn está há muito tempo na F-1 e sabe muito bem por que isso acontece. Seu currículo inclui formatar um pacote que possibilitou Michael Schumacher vencer corridas e títulos com um carro equipado com motor Ford V-8 em uma época que motores V-10 e V-12 produziam potência maior e participar da última época de ouro da Ferrari.
Talvez a maior demonstração de sua capacidade tenho sido formar em poucos meses sua própria equipe de F-1 a partir de um fracassado projeto da Honda, dominar a temporada de 2009 e capitalizar esse projeto ao vendê-lo para a Mercedes no final da temporada que consagrou Jenson Button campeão mundial. Dito isso, as declarações de Ross Brawn na divulgação do que poderá ser o futuro carro de F-1 soam muito mais como exercício de relações públicas do que propriamente o prenúncio do que vai realmente acontecer.
“As rodas e pneus são a área mais suja do carro, consequência da turbulência criada (pelo movimento dessas partes). Estamos iniciando uma pesquisa para estabilizar o fluxo aerodinâmico gerado pelas rodas. Ë algo que vai amadurecer na medida em que avançamos”.
Desde que a F-1 é F-1, o movimento das rodas e pneus cria um fluxo de ar na direção contrária ao movimento do carro, o que relativiza o valor dessa pesquisa que, como qualquer outra, é feita para buscar avanços. O conceituado publicação www.f1technical.net recentemente publicou artigo que explica as bases de funcionamento aerodinâmico de um F-1, texto que você ler clicando aqui.
“Queremos criar um ambiente em que as pessoas formem fila para se envolver com a F-1. Foi encorajador notar que quando a Force India enfrentou problemas apareceu uma porção de gente interessada em assumir o negócio. Se você lembrar que, anos atrás, a Manor não conseguiu vender seu acervo, já dá para notar que o interesse pela categoria aumentou desde então.”
Talvez aqui esteja o conteúdo mais importante da proposta: é fato consumado que o estilo ditatorial de Bernie Ecclestone consolidou a F-1 como uma multinacional que gera grandes lucros para quem jogou seu jogo e grandes perdas para quem não entendeu seu modus operandi. Assoprando quem lhe era caro e esfolando quem desejava seu produto, o magnata inglês criou milionários e tornou-se bilionário até que a intransigência a modernismos e novidades cobrou seu preço. A recente negociação para salvar a Force India foi a primeira prova real que agora os donos de equipe discutem negócios em bases diferentes, onde a sobrevivência do grupo está prestes a superar o ego de cada dono de equipe.
Ainda é cedo para dizer que o processo já está consolidado, mas a comparação sugerida pelo destino da Manor e da Force India, agora rebatizada Racing Point, é correta tanto quanto à necessidade de se criar carros bonitos que como o próprio Brown diz “sejam bonitos e eficientes, carros que tenham mais apelo do que o que se vê em videogames e que as crianças queiram na parede dos seus quartos”. Algo que, a bem da verdade, soa um tanto saudosista: dê a uma pré-adolescente uma fotografia de qualquer coisa e a primeira coisa que ela fará é passar o dedo sobre a imagem para ver o que acontece…
Se no campo das negociações Brown indicou a nova forma de atuação do comando da categoria, no lado técnico a dica do inglês é a mudança das medidas de rodas e pneus para 2021: a troca do aro 13” por outros de 18”, alteração que acontece na indústria há mais de uma década. Ou seja, nada de tão novo. Em resumo, o que a Liberty está fazendo é trabalhar o processo de comunicação e falando o que muitos fãs mais tradicionais querem ouvir. Torçamos para que essa nova cartilha seja um caminho tão suave quanto as formas ilustradas em propostas em conceitos diversos. Que tudo isso permita que a F-1 torne-se uma categoria mais equilibrada e menos previsível.
Na pista Hamilton é líder; no paddock, Ferrari
O GP de Cingapura foi marcado por outra atuação destacada de Lewis Hamilton, que venceu a prova e agora soma 256 pontos na liderança do campeonato, 40 pontos a mais que o vice-líder Sebastian Vettel (veja aqui o resultado completo da prova). Faltando seis provas para definir a temporada (Rússia, Japão, EUA, México, Brasil e Abu Dhabi) e com 150 pontos em jogo, a liderança do piloto inglês sugere tranquilidade para obter seu quinto título mundial, circunstância que se torna mais consistente quando se notam duas situações de relativa subjetividade: a competitividade superior de Hamilton e da equipe Mercedes e a sequência de erros estratégicos que a Ferrari tem cometido nas últimas provas.
A volta de classificação que garantiu a Hamilton a 79ªpole position de sua carreira foi considerada pelo piloto uma das suas melhores e foi o início de sua 69ªvitória e 80ºpódio pela Mercedes. Ao contrário de outras corridas onde Hamilton arriscou, e por vezes, desperdiçou, bons resultados, sua atuação no circuito de Marina Bay foi marcada pela tranquilidade que caracteriza um piloto em excelente fase. A soma de todos esses fatores dá maior tranquilidade ao time alemão que há meses segue sem a colaboração estratégica de Niki Lauda, que se recupera, na Áustria, de um transplante de pulmão.
Já com Sebastian Vettel e a Ferrari a história é bem diferente. Há uma sequência de fatos que corrobora para comprometer o que prometia ser uma batalha intensa na disputa pelo título de 2018: da morte inesperada de Sergio Marchionne, arquiteto da FCA, conglomerado automobilístico formado pela união dos grupos Fiat e Chrysler. Paralelamente às consequências do seu desaparecimento, uma sucessão de erros na gestão de corrida e a disputa interna para ver quem impunha o segundo piloto de 2019 criaram o ambiente propício para uma nova edição daquilo que é uma constante na história da Scuderia: uma crise interna de dimensões ainda indeterminadas.
Bem verdade que tudo ser uma consequência digna do desalinhamento de alguns planetas, tanto quanto consequência do ritmo cada vez mais estressante do calendário, que este ano teve o ineditismo de três GPs disputados em três fins de semana consecutivos. Tal intensidade é contestada por todas as equipes e Toto Wolff (o líder da Mercedes) já defende a redução para 16 etapas, cinco a menos que as 21 previstas no calendário de 2019. Enquanto Wolff pode se dar ao luxo de comentar sobre a temporada, Maurizio Arrivabene, seu par na Ferrari, se dedica a motivar sua brigada; é a melhor decisão, sem dúvida, e somente um resultado vitorioso em Sochi, dia 30, vai realmente colaborar para melhorar o clima interno.
A etapa russa deverá render boas manchetes, seja pelos resultados de classificação e corrida, seja pelos anúncios que deverão acontecer no último fim de semana do mês. A volta de Daniil Kvyat à Toro Rosso, como substituto de Pierre Gasly é uma delas e, curiosamente, esbarra na Ferrari, onde o russo atua como piloto de desenvolvimento, função desempenhada no simulador de Maranello. As consequências do acidente entre Sérgio Pérez e Estebán Ocón, que em Cingapura foi alijado da prova na primeira curva pelo companheiro de equipe, ainda estão sob análise. O histórico do mexicano explica o episódio mas não justifica a atitude; mais, coloca em risco a decisão de mantê-lo no time em 2019, algo ainda não confirmado mas dado como tacos contados.
Globo e SporTV
Há tempos a qualidade da cobertura que a TV Globo dedica à F-1 é alvo de críticas, senão por outros motivos discutíveis, pelo fato que outras emissoras que acompanham a categoria terem renovado e inovado nesse trabalho. A chegada das TVs fechadas, como o SporTV, permitiu amenizar um pouco essa defasagem por proporcionar uma alternativa à exibição das corridas ao vivo: o canal pago exibia uma reprise horas depois da transmissão ao vivo, no canal aberto onde seus narradores e comentaristas davam uma interpretação extremamente válida do que os entusiastas procuram. Questões alegadamente econômicas parecem ter limitado o trabalho de Sérgio Maurício, Lito Cavalcanti e Max Wilson, que a partir de agora deverão reportar apenas os treinos livres e a prova de classificação: as corridas exibidas serão a reprise do que passou na emissora de sinal aberto. Todo negócio deve gerar lucro para sobreviver, mas a criatividade para se obter esse resultado nem sempre explora a melhor solução possível.
WG