Como meus caros leitores sabem, nasci e fui criada na Argentina — mais exatamente Buenos Aires. Como toda minha família está lá, assim como muitos amigos, vou com muita frequência para aquelas paragens. Às vezes faço uma combinação família (Buenos Aires) com turismo (que pode ser qualquer outra região daquele lindo país). Desta última vez, contudo, fiquei apenas na minha cidade natal.
Fazia uns dois anos talvez que eu não ia. Confesso que me surpreendi favoravelmente em termos de autoentusiasmo — não vou tratar aqui de política mas, basicamente, se pegarmos tudo o que está acontecendo aqui e o traduzirmos para o espanhol dá na mesma. Os escândalos de corrupção mudam ligeiramente, mas, na essência, até isso está igual.
Todo mundo diz, e com razão, que Buenos Aires é uma cidade planejada. Sem dúvida isso facilita organizar o trânsito, mas não é apenas isso. Planejada ela foi, claro, mas há muito tempo. O bom (sem patriotada) é que de uma forma em geral os administradores continuaram planejando bem a circulação em vez de fazer coisas atabalhoadamente ou apenas por modismo.
Menciono aqui um exemplo simples para disciplinar o trânsito e, ao mesmo tempo, garantir os direitos dos deficientes. Graças a um cadastro simples, um deficiente tem garantido diante de sua casa uma vaga reservada. Não é apenas uma vaga para deficientes, mas para ele mesmo. Com direito aos dados da placa para que se alguém que não esse carro parar no lugar seja facilmente denunciado. Simples, não?
Outra ideia que lá existe há muito, muito tempo, é a vaga determinada para carros-forte. Geralmente diante de bancos e casas de câmbio, evitam a muvuca que acontece no Brasil, onde cada transportadora para onde bem entende, permitido ou não. O lado ruim é que meus compatriotas ainda não são tão disciplinados e às vezes param nessas vagas, mas é bastante raro. Nas de deficientes não vi absolutamente ninguém em 10 dias andando pela cidade inteira.
Adorei ver em várias avenidas que ainda tem Onda Verde, algo sobre o que eu já falei aqui neste espaço e que lamento não tenha vingado em terras tupiniquins. Por lá incorporaram um pouco de tecnologia, simples até, mas muito prática. Cartazes de LEDs, atualizados em tempo real, com a velocidade que deve ser mantida para aproveitar a onda verde. Na Av. Rivadavia, compridíssima, pude me aproveitar dela a 45 km/h — eu não estava ao volante, mas passei várias vezes por lá e era fácil quem me levava padronizar a velocidade e não parávamos mais. A variação da velocidade, e especialmente avisar qual é, é necessária numa cidade que sofre com os congestionamentos como Buenos Aires. Sim, são cruéis por lá também.
Claro que eles são agravados pela falta de respeito a algumas normas básicas. O portenho continua fechando os cruzamentos na maior sem-cerimônia (foto de abertura). Detesto isso e não consigo me acostumar com esse hábito horroroso. Pior ainda: o fechamento é contraproducente, pois muitas vezes a transversal está vazia e não se permite o fluxo de carros. Passei muita raiva com isso, já que os sinais, em sua maioria, estão bem cronometrados e tem algo que eu adoro: passam do vermelho para o amarelo e então para o verde. E da mesma forma, do verde para o amarelo para o vermelho. Ou seja, sempre há tempo de não fechar o cruzamento. Muitos sinais tem também indicação dos segundos que faltam para a mudança de luz. Ou seja, não há por que ficar no meio do cruzamento.
Outro hábito argentino que às vezes custo a me re acostumar é a mania de encostar demais um carro no outro. Quando eu era pequena a maioria dos carros (ou todos, não tenho certeza e infelizmente não tenho mais minha mãe para confirmar isso) tinham o para-choques exatamente na mesma altura. Nesse caso, os prejuízos eram menores. Hoje não, mas o hábito persiste. Mas não vi carros com engates fajutos (eba!!!! Maravilha!!!). Apenas um ou outro bem instalado e de puxar carretinha mesmo. Mesmo a gigantesca quantidade de ônibus que há naquela cidade tem o péssimo hábito de encostar — pode ser de lado, de frente… deveras aflitivo. Tem vezes que ficam tão próximos que não passa nem sinal de Bluetooth…
Continua também muito em voga empurrar o carro da frente ou o de trás para fazer baliza. Se a vaga não é bem do tamanho do meu carro… qual o problema? Portanto, para os desavisados, nada de puxar o freio de estacionamento. Além de a cidade ser quase toda ela plana, se fizer isso, encontrará seu carro amassado mesmo. Sem puxar o freio, o mais normal é estacionar a, sei lá, 50 metros da esquina e encontrar o carro a 52 metros. Normal.
Aliás, durante três ou quatro dias vi um carro mal estacionado numa rua estreita. Digo mal pois ele estava cerca de um metro e meio mais adiante da guia rebaixada de uma garagem — mas foi parado originalmente assim. Já no segundo ou terceiro dia, os vizinhos deixaram bilhetes não muito educados, pois o infeliz empatava meia vaga de carro. Chegaram a colocar um saco de lixo (cheio) sobre o capô. No quarto dia, o mesmo carro apareceu do outro lado da entrada de garagem, certamente empurrado por algum veículo cansado da palhaçada. Sei disso porque ele estava meio torto, naquele típico totozinho para mover do lugar. Dois dias depois o carro não estava mais lá, mas o porcolino largou os bilhetes e o saco de lixo na rua.
Mas também vi avisos do órgão responsável de que um determinado carro seria guinchado se continuasse onde estava. No caso em questão, ele estava num lugar proibido, mas que, a rigor, não atrapalhava a circulação – por isso achei interessante o aviso prévio. Talvez o agente de trânsito não estivesse num carro-guincho, sei lá. Pessoalmente, se estivesse diante de uma garagem, mais próximo da esquina do que deveria ou algo assim, deveria ser guinchado sumariamente. Quando não, achei gentil o aviso, embora não obrigatório.
Algo que me lembrou muito São Paulo foi a enxurrada de motos que há hoje em dia. Parece que brotaram nos últimos dois anos como cogumelos depois da chuva. Quando um sinal fica verde é aquele bando de motos em disparada. Como aqui, mesmo com a faixa de retenção claramente delimitada antes da faixa de pedestres, não raro eles param em cima dela mesmo. Ufa! Por sorte, pelo menos não ficam buzinando como aqui. Vai ver que lá é como eu gostaria que fosse no mundo todo: buzina de moto com número de acionamentos limitado e caríssima.
Motoqueiros que circulam em Buenos Aires também não respeitam muito as normas de trânsito, mas o fazem um pouco mais do que em São Paulo. Ainda assim, muitos passam no sinal vermelho e andam pelas ciclovias (“bicisendas”) onde, por lei, não poderiam. Aliás, as bicisendas embora não sejam tão frequentes como em São Paulo são extremamente bem feitas, delimitadas, interligadas e de largura adequada. E das que eu vi, estão em vias que fazem sentido, não implantadas aleatoriamente. Como a cidade é plana, não neva e chove em quantidade normal, vale a pena usar bicicleta em Buenos Aires. Mas não sei em janeiro ou fevereiro, com 38 graus de calor e umidade de 99%. Aposto que ninguém usa, já que os ônibus tem ar condicionado e são extremamente confiáveis. Do metrô, então, nem se fala. Posso falar, pois como sempre usei muito transporte público já que pedir carro emprestado é algo que me recuso — não gosto de emprestar o meu, por quê pediria isso a outrem?.
Também não é algo tão raro assim ver bicicletas transitando do lado de for a das bicisendas, exatamente paralelas à pista. Deve ser um misto de indisciplina com pressa, pois um par de vezes vi alguém pedalando em ritmo normal e o outro teria mais pressa, pois saiu da faixa apenas para continuar transitando em meio aos carros. Um motorista de Uber que peguei me disse que ele tinha mais medo de ciclista do que de motoqueiro. “Os ciclistas acham que tem prioridade em tudo, não olham para trás nem para os lados, andam pela calçada e têm a arrogância de achar que estão salvando o mundo e por isso são superiores”.
Como autoentusiasta é claro que procurei achar Torinos rodando. Vi somente dois, modelo ZX cupê, bastante detonados. Mas ainda tem os fãs do carro que se reúnem periodicamente e mantém as máquinas super bem-conservadas. Vi um único Falcon e a polícia da capital hoje usa reluzentes Peugeots sedã. Aliás, vi muito policiamento nas ruas, de carro e em duplas. Há um sistema de policiamento nos horários de entrada e saída de escolas que é impressionante. Muitos, muitos policiais. Pessoalmente acho bom, pois estava havendo furtos e assaltos a alunos a a caminho da escola — lembrem-se que em Buenos Aires ainda anda-se muito a pé e as crianças costumam ir sozinhas à escola. Não tem tanto essa de os pais levarem de carro até a porta, embora, claro, aconteça. Mas geralmente quando se mora muito longe – se não, até o ônibus comum é utilizado ou a famosa perua escolar.
Em vários lugares, como ao longo das vias paralelas (coletoras) à rodovia Panamericana há radares específicos para verificação de placas. Devidamente avisados, diga-se. Sempre há, pouco adiante, um posto de polícia para parar os carros que têm registro de roubo ou mesmo não estão com a documentação em dia. Se não é 100% eficiente, já que pode-se trafegar por outros lugares onde não há este tipo de radar, ajuda muito a tirar os carros irregulares de circulação ou mesmo a pegar veículos roubados.
Entre as boas soluções adotadas está a enxuta sinalização de ruas. Numa única placa, o nome da rua transversal e o sinal (muitas vezes com indicação de quantos segundos faltam para mudar de cor). Elegante e prático. Também as faixas segregadas para ônibus geralmente são colocadas num corredor próprio, sem que haja os ziguezagues que se veem em São Paulo porque ora a faixa está do lado esquerdo, ora do lado direito da pista. Isso tanto nos corredores de ônibus quanto nas faixas exclusivas. Também é bem prática a sinalização quando uma rua vira contramão. O sinal indica a conversão para os dois lados e as setas ficam verdes ou vermelhas. Simples e fácil, não?
No metrô também as indicações são simples e práticas. Você já sai da estação sabendo como vai continuar seu caminho, quais os ônibus que pode pegar, se pode alugar bicicleta, etc. Os mesmos cartazes estão dentro dos trens do metrô também.
Em Buenos Aires também há parklets como se tentou fazer em São Paulo e assunto já abordado aqui neste espaço por mim. Mas sem a hipocrisia que reinou em terras paulistanas. Lá (como cá) eles foram instalados em frente a cafés e restaurantes e assumidamente como espaço para aumentar a clientela. Sem aquela história da boca pra for a de que seria um “espaço de convivência”e blablabla que, no entanto, só eram autorizados em frente a café e restaurantes.
Mas não pensem, caros leitores, que não continuo crítica em relação a tudo. Na rua Thompson, no bairro de Caballito, encontrei algo que para mim é inédito: uma rua com duas lombadas em apenas alguns metros e um farol logo adiante. É um bom exemplo da burrice burocrática: antigamente, a rua não tinha farol e ela cruza a avenida Pedro Goyena, com bastante trânsito e várias linhas de ônibus. Alguém deve ter achado que colocar uma lombada pouco mais adiante do meio do quarteirão reduziria a velocidade dos veículos e diminuiria os acidentes. Pois é, não funcionou pois ela estava muito longe do cruzamento e os carros atravessaavam acelerando. Então alguém deve ter achado que a questão era o lugar, e resolveram colocar uma lombada bem na esquina, já no cruzamento. Mas ninguém pensou em tirar a lombada anterior. Tempos depois, a prefeitura resolveu colocar um sinal, como, aliás, tem nas outras travessas da Pedro Goyena. Mas deixaram as duas lombadas. Eita! Bom, pelo menos me rendeu boas fotos (modo irônico ativado) — embora não dê para ver o sinal, dá para ver a faixa logo antes da faixa de pedestres, por onde eu atravessei ao tirar a foto.
Mudando de assunto: pois é, costumo errar meus prognósticos, mas acho que até eu acerto este ano: o campeão de Fórmula 1 deve ser mesmo Lewis Hamilton. Além de ser um piloto excepcional e de ter um carro ótimo, está num momento fora de série. O sujeito dirige muito! Como meus amigos e leitores sabem, sou fã do Kimi Räikkönnen – do estilo de pilotar, do arrojo e até mesmo do estilo pessoal. Acho que é bem a cara da Ferrari e duvido que eles encontrem outro piloto que se identifique tanto com a escuderia quanto o finlandês. Assim como achava o Gilles Villeneuve a cara da Ferrari também — outro ídolo meu. Bom que continuarei vendo o Kimi correndo em 2019. E sobre Cingapura… bem… poucas vezes vi tantas disputas emocionantes nos pelotões intermediário e mesmo no último. Aliás, este ano está sensacional.
NG