Incluí Berlim no meu roteiro “do outro lado da Cortina de Ferro” por dois motivos: adoro aquela cidade e devia essa ao meu marido que, embora tivesse estado na Alemanha, por diversos motivos não conhecia Berlim.
Sempre achei a capital alemã fora da caixinha. É Alemanha, sim, mas é a menos alemã das cidades daquele país. Lembra mais uma Nova York — menos bonita, mas também supervibrante, viva, pulsante. Fazia anos que não ia e a primeira vez que lá estive foi somente cinco anos depois da queda do Muro de Berlim. Para minha surpresa, continua tudo sendo reconstruído do ex-lado oriental. Eu achei que encontraria mais coisas prontas, mas os problemas por lá são gigantescos. Além dos enormes custos da reconstrução em si, do dinheiro que foi destinado para igualar as moedas da ex-República Democrática Alemã e da Alemanha, digamos, ocidental, há questões logísticas complicadíssimas. Por exemplo, o quê fazer com os inúmeros prédios do lado oriental que têm amianto?
Ficamos hospedados em Alexander Platz, no antigo lado oriental, e não tenho nenhuma foto sem um guindaste — a maioria com vários. Até comprei cartões postais para comparar como são esses lugares sem tanto maquinário.
Por vezes parece que semearam guindastes e a colheita será muito boa. Isso certamente confunde ainda mais o trânsito, pois há tapumes por todo lado, desvios, obras no meio da rua, da calçada, em todo lugar.
Até o trânsito é diferente em Berlim. Disciplinado, sim, que afinal é Alemanha, mas ligeiramente menos do que no resto do país. É comum ouvir buzinadas quando alguém demora uns segundos para fazer uma conversão ou hesita numa manobra. E encontram-se carros em fila dupla, algo raríssimo em outras cidades daquele país. Mesmo assim, pedestre sempre tem prioridade, pedestre respeita sinal de trânsito, ciclista respeita as normas… aliás, como tem ciclista! Por vezes achei que estava em Amsterdã. Tem tanta bicicleta que algumas até andam nas ciclofaixas! Novamente, como em quase toda a Europa, elas andam supercivilizadamente ora pela rua, ora pela calçada. Sem ameaçar pedestres nem motoristas, desmontando e atravessando a pé quando assim tem de fazer, sem avançaro sinal vermelho… Ou seja, como deveria ser sempre em todo lugar. Assim como em outros países, pouquíssimos paraciclos. Na maior parte das vezes elas são amarradas a árvores, cercas, qualquer coisa. E, novamente, modelos simples, de transporte mesmo. Nada de ostentação. Em 2013, último dado que achei, 1,5 milhão de deslocamentos diários (ou 13% do total) eram feitos de bicicleta.
Depois de termos guiado quase 2.000 quilômetros por três países, dois dos quais com excelentes vinhos e com visitas a regiões produtoras e todos eles com excelentes (e baratíssimas) cervejas, mas todos com tolerância zero para alcoolemia, chegamos à Alemanha de trem e por ficarmos apenas em Berlim, não alugamos carros. Naquele país a tolerância é 0,8 mg de álcool por litro de sangue. Pensei até em alugar um só para descontar as peripécias logísticas nos outros países e dirigir tranquilamente, mas desisti quando fiz o roteiro berlinense e vi que ficaria apenas no centro da cidade.
Uma das coisas engraçadas sobre Berlim é a quantidade de modais de transporte que há. Além de metrô e trem (usamos ambos, funcionam superbem e com pontualidade germânica), os ônibus tem excelente cobertura e igual apreço pelo cumprimento de horários.
O mais divertido que vimos foi uma bicicleta que eu apelidei de “coletiva” (foto de abertura). Pensei em pegar uma só pela farra, mas depois de tanta viagem, subidas e descidas, cavernas e castelos resolvi dar um descanso relativo às minhas perninhas. Ela é chamada de “funbike” ou “conference bike” (bicicleta de reunião)— estes alemães sempre tão formais, rsrsrsrs. Pode ter três ou quatro rodas e leva até 12 passageiros (ou seriam condutores?) Como falamos de Berlim, pode-se optar pela versão com música e, claro, bebida. Observem que na minha foto há um barril que duvido fosse de combustível — ou talvez combustível para os ciclistas, né? Aposto em cerveja, e vocês?
Para mim deve ser uma opção mais pela farra e congraçamento do que para ver a cidade, pois pedala-se um de frente para o outro e de costas para as calçadas. Mesmo enxergar pelos lados dos outros ciclistas parece-me complicado. Mas deve ser bem divertido.
Fora isso vimos tuk-tuks elétricos, a pedal, tours em grupo de bicicleta, segways, hoverboards, skates, patins, bondes… enfim, Berlim é uma farra. A quantidade de canais que cruzam a cidade é gigantesca — dizem que há mais pontes do que em Veneza. Não parece, mas em alguns lugares é bem óbvio que são mesmo muitas. Barcas fazem diversos percursos pelo rio Spree, a maioria com turistas.
Ainda assim, o número de deslocamentos a pé chega a superar, por pouco, o de deslocamentos de carro e é bastante superior ao de transporte público. Já mencionei que em 2013 13% dos deslocamentos eram feitos de bicicleta. No mesmo ano, 31% foram feitos a pé, 30% de carro e 27% em transporte público.
Muito perto do famoso Checkpoint Charlie — posto militar entre os lados americano e soviético — há uma empresa que aluga e faz passeios em legítimos Trabant. É claro que não resisti a tirar uma foto ao lado de um deles mas acabei não fazendo o passeio por falta de tempo. O barulho do motor é ensurdecedor.
Por falar em barulho e silêncio, continuei minhas visitas a lugares, digamos, pesados. O museu Topografia do Terror faz um pungente mea culpa dos horrores do nacional-socialismo, sem esconder nada. Ao contrário, abre as entranhas deste período terrível. O mesmo acontece em outros lugares marcantes, mas para mim esse foi o mais interessante — talvez por estar onde funcionava o quartel da Gestapo (Geheime Staatspolizei), a polícia secreta do Estado. É um dos Erinnerungsorten (“locais de lembrança”) da capital alemã. O Memorial do Muro também mostra as barbaridades cometidas pelos soviéticos, não menos pungente do que as dos alemães de então. Para contrabalançar tudo isso me acabei no lindo museu Pergamo e seu incrível acervo. Afinal, ninguém é de ferro e ver somente coisas assim é deprê demais. Curtir as preciosidades da Mesopotâmia ajuda a aliviar algo necessário, mas por demais triste.
Mas voltemos ao autoentusiasmo. A sinalização das ruas de Berlim é eficiente, mas a gigantesca quantidade de canteiros de obra em todo lugar complica tudo um pouco, assim como o porte da cidade, com seus 4 milhões de habitantes. Apesar da gigantesca quantidade de alternativas, percebe-se que os berlinenses gostam muito de carro. Para os padrões alemães, pode parecer baixo, pois em 2013 havia 1,344 milhão de carros na cidade, ou 377 carros por 1.000 habitantes. A média nacional é de 570 carros por 1.000 habitantes. Berlim tem uma média de carros por habitante abaixo da alemã mas também abaixo da média de cidades de porte. Enquanto Munique tem 565, Hannover 486 e Hamburgo 428 (estes, números de 2014, infelizmente). Para efeitos de comparação, o Brasil tem 382, mas sempre faço a ressalva de que por estas paragens não se dá baixa em veículo, logo, não apostaria nesse número a não ser como máximo, com muito otimismo.
Na União Europeia, o campeão é Luxemburgo, com 740 carros, seguido da Finlândia, com 732 e Chipre, com 726. A média da União Europeia é de 587 carros. A Alemanha em 2016 tinha 610 carros por 1.000 habitantes, com 46,5 milhões de carros de passeio em 2018. Os veículos compactos respondem por 25,9% do total e são a maior porcentagem, seguidos por carros pequenos, com 19,2% e médios, com 14,5%. A maioria dos veículos são movidos a gasolina (65,5%), seguidos de diesel (32,8%), ambos em alta a cada ano, embora os elétricos tenham subido 58% e alcancem 53.861 unidades. Mas as vendas têm ficado abaixo do previsto nos últimos anos.
Como se para confirmar a crença que se tem, as marcas alemãs são maioria. A Volkswagen tem 21,5% do total das vendas, seguida pela Opel,com 9,8%, Mercedes-Benz, com 9,4%, Ford, com 7,3%, Audi e BMW, ambas com 6,9% cada uma, Škoda com 4,4%, Renault com 3,9%, Toyota com 2,8% e Fiat com 2,5% para ficar nas primeiras dez fabricantes.
Mudando de assunto: acabei não comentando o Grande Prêmio do Brasil de F-1. Continuo gostando do traçado, apesar de preferir o antigo, mas ainda me incomoda ver o entorno da pista (arquibancadas, paddock) e, principalmente, do autódromo. Acho deprimente ver uma cidade tão feia, desorganizada e sem verde nenhum em volta. Quanto à prova, sempre vale a pena assistir o GP do Brasil. Verstappen sendo Verstappen, Hamilton fazendo tudo certo e com sorte e destaco o bom desempenho de Leclerc, em quem aposto muito.
NG