Quando era garoto, conversas em família tinham hora e lugar marcados para acontecer, parte da rotina diária. Meu pai chegava do trabalho e todos íamos à mesa jantar. Lá a conversa era pessoal, pequena, sobre como fora nosso dia, como ia ser amanhã. Alguns dias, meu pai contava piadas, gritava palavrões para o papagaio lá de traz repetir e fazê-lo rir gostoso, balançando a barriga, enquanto todo resto da família ria mais acanhadamente, achando engraçado não o palavrão repetido, mas sim o fato dele achar aquilo tão engraçado. Em outros dias, cara feia, a conversa transcorria quase sem sua participação.
Mas invariavelmente, depois íamos todos para a televisão ver o Jornal Nacional. Lá a conversa era mais séria, e desde cedo ouvia as posições políticas de meu pai, a sua desesperança com os governos e a ineficiência de nosso país, e sua raiva para com frivolidades modernas (que eu e meu irmão adorávamos) como “esse tal de Rock in Rio”. As discussões eram de outro nível: onde estamos, para onde vamos, o que seremos, agora não como família apenas, mas como nação, como mundo, como humanidade em geral. Parte importantíssima de minha formação pessoal.
Mas o fato é que conversávamos, muito. Se tem algo que me lembro com carinho desse mundo que parece tão longe hoje, é disso. Hoje todo mundo se isola em seu mundinho particular, olhando apenas coisas de seu próprio interesse, se separando um pouco. O fato de que todo mundo chega em casa em horários diferentes também não ajuda. Achar uma hora para conversarmos é raro e difícil.
Mas ainda existe um lugar onde isso permanece possível. E você já deve imaginar onde: no carro. Principalmente viajando. Presos por algum tempo dentro dele, não tem como não soltar a língua, por tanto tempo presa no dia a dia. Fala-se sobre coisas pequenas e grandes, e inevitavelmente, para o bem ou para o mal, se conhece melhor nossa família, seus desejos, anseios, e a sua mais nova playlist do Spotify.
Sinto isso também com amigos, claro: duas ou mais pessoas indo a algum lugar sempre acaba por tornar o equipamento de som (hoje “multimídia”, palavra feia mas precisa) inútil. O papo é bem melhor. Viajar com alguém é ótimo para se conhecer esse alguém, e mais uma das grandes coisas que essa máquina maravilhosa faz pela gente. Conversar dentro de um carro é muito bom.
E é precisamente daí que veio a ideia deste novo Podcast que lançamos hoje. Um papo entre dois amigos, dentro de um carro, indo a algum lugar. Papo informal mesmo, tranquilo, sem freios, sem frescuras e sem edição. O assunto é o automóvel, é claro, tanto na sua realidade quanto como uma entidade metafísica e nobre, que torna nossa existência, e nós mesmos, melhores.
Eu mesmo sou consumidor deste tipo de mídia. Principalmente enquanto dirijo, estou sempre ouvindo podcasts. Mas são podcasts eminentemente americanos, em inglês, simplesmente porque o papo sobre carro com alguma base e conhecimento do assunto, e de uma forma divertida, são raros, e não conheço nenhum em português. Então pensei: e porque não fazer um eu mesmo então?
A minha companhia nesta empreitada foi uma escolha fácil. Se tem uma pessoa com quem adoro conversar sobre carro, é o meu compadre Gui Murad. O Muradinho, como é conhecido para diferenciar-se de seu pai (o Muradão, claro), é 15 anos mais novo que eu, praticamente de outra geração. Mas isto não nos impede de falarmos a mesma língua: apesar de uma inexplicável atração por minúsculos Citroëns feitos de lata de caviar reciclada (e atualmente ativamente tentando fazer três deles virarem um que funciona), o Muradinho é bem versado nos clássicos da literatura universal (Setright, Egan, Davis, Borgeson), então isso não atrapalha muito.
O Murad aprendeu a dirigir em Ford modelo A. Tem duas Vespas (uma delas com sidecar) e duas Graziellas (Murad, Orlando Orfei ligou e quer a moto do urso de volta!), as quatro motos italianas permanentemente em uma rotação de reparo ad infinitum no meio de sua garagem. Vai ao escritório de terno fechar negócios importantes montado em um Renault Twingo (vinho metálico, ao estilo dos anos 90, e em ótimo estado), que parece um inseto alienígena minúsculo parado ao lado de uma infinidade de enormes SUVs pretos e prata no estacionamento da empresa. E o seu carro de sonho é um Chevrolet 56 cupê, com Cragars e um V-8 350 saudável debaixo do capô. É tudo o que vocês precisam saber sobre ele.
Os episódios são de uma hora, aproximadamente, e em todos eles o MAO e o Murad saem com um carro e conversam sobre carros. Todo domingo prometemos um novo episódio, para que se você, como eu, vai ao trabalho ouvindo podcast, possa começar um pouco melhor sua semana.
O primeiro episódio já está no ar, no SoundCloud, como vocês podem ver abaixo. Minha esposa morre de vergonha que tenha escolhido esta foto clicada pelo Juvenal Jorge para ilustrar o novo programa, visto que eu sou um pai de família sério e de respeito. Mas a situação é perfeita para ilustrar o espírito todo do negócio. Estes dois bobos alegres aí embaixo somos nós mesmo…
Neste primeiro episódio o MAO e o Muradinho falam basicamente sobre encontros de carros antigos. Mas também sobre o ápice do automóvel e porquê a decadência dele depois disso. E de como ir a um encontro de carros antigos para vender um carro, e voltar com três! E sobreviver a fúria da esposa para contar a história!
Você também pode acessar a nossa página no SoundCloud clicando neste link. O Show do MAO e do Murad está disponível também no Spotify, no iTunes e no Overcast. Se você tem outra plataforma preferida, nos informe que tentaremos colocá-lo lá também. Faça o download, e ouça dirigindo!
Entre as publicações você pode nos achar principalmente no Instagram. Eu sou o @mao4100 , e o Murad, @gui.murad. Postaremos novidades e ouviremos seus comentários, sugestões, reclamações e ideias. Ou aqui no AE, como sempre, claro.
Ouça, comente, e converse conosco também!
MAO