Carregado como um camelo de mercador, o Cactus deixou a capital paulista com destino a Ubatuba, no litoral norte do Estado de São Paulo. Roteirinho mais do que manjado deste Teste de 30 Dias, mas que desta vez teve uma variação importante: em vez de descer a Serra do Mar pela Rodovia dos Tamoios, que liga São José dos Campos a Caraguatatuba, escolhi despencar pela Oswaldo Cruz (Taubaté-Ubatuba). A viagem aumenta em uns 30 quilômetros, mas a via é um tantinho menos trafegada e sem tantos radares-pegadinha. Além disso, e como já disse algumas vezes, a descida da serra por este caminho é um show, e dos 700-800 metros acima do nível do mar em míseros 7 km de curvas apertadas chega-se ao litoral, cruzando um exuberante trecho de mata.
Na noite anterior à partida me inteirei do fato de ter mais bagagem do que o espaço disponível no porta-malas do Citroën. Antes de cometer a insânia de solicitar redução de bagagens à ala feminina da família, poderosa maioria, busquei alternativa. Lembrei que em um canto da garagem repousavam racks de um carro do meu passado, a saudosa Marea Weekend 2,0 HLX de primeiríssima leva, que tive entre 1998 e 2002. Felizmente foi possível fixá-los na estrutura aplicada ao teto do Cactus de modo seguro e sem sacrifício. Feito isso, uma malona rígida foi escalada para passear no teto, liberando espaço no porta-malas para o restante da tralha. Já quanto à cabine, quatro adultos se acomodaram de maneira confortável mesmo se algumas frestas (sob os bancos dianteiros e entre os dois passageiros do banco de trás) tivessem de ser aproveitadas para uma e outra bagagem a mais.
Primeira lição desta segunda semana: o espaço do porta-malas — 320 litros declarados — não é um ponto alto deste novo Citroën, que ainda por cima tem a boca do compartimento de carga bem alta. De positivo há a regularidade das paredes internas e a facilidade com que a cobertura de bagagem do porta-malas pode ser retirada e recolocada, abraçando a carga sem dar a impressão que vai se danificar. De negativo há o estepe provisório medida 185/60R17 sob o tapete, cujo problema não é estar dentro do carro (a maioria prefere assim, acho) e nem ser diferente da medida dos outros quatro pneus: caso fosse necessário trocar um pneu, seria preciso descarregar o carro e — horror — arranjar um jeito de levar o pneu avariado em algum lugar que não fosse no poço onde mora o estepe, pois ali o pneu de rodagem normal não cabe nem a pau. Para nossa sorte, trocar pneu não foi preciso, mas se fosse…
Saindo de casa com o Cactus abarrotado, a primeira boa notícia foi o não contato da frente ou traseira com o desnível da saída da garagem, razoavelmente pronunciado. Aliás, me surpreendeu que mesmo com porta-malas a pleno e mala posicionada na porção traseira do teto, onde consegui fixar as travessas da Marea, curtas para um posicionamento ideal, mais à frente, a suspensão traseira não tenha afundado de maneira acentuada. Ponto para o ajuste, portanto. Obviamente, o que restou do curso livre, especialmente na traseira, não era grande coisa, e na passagem por lombadas em algumas ocasiões senti o fim de curso chegar, felizmente sem batida seca, certamente pela existência de algum tipo de batente.
Escrevi na 1ª semana que as suspensões do Cactus made in Porto Real foram “elevadas em nada menos que 225 mm” se comparadas às do feito na Europa, obviamente uma idiotice que o atento leitor Bráulio Stafora detectou: a medida anunciada se refere à distância livre em relação ao solo e, na verdade a diferença de altura na comparação com o Cactus europeu (informada pelo leitor Cristiano, que infelizmente aparece sem sobrenome) é de 83 mm. Obrigado!
Na rodovia, em velocidade regulamentar de 120 km/h, o Cactus exibe um confortável silêncio a bordo. O motor gira a 2,5 mil rpm em sexta marcha e na cabine ele mal se ouve, assim como a rolagem dos pneus, Pirelli P7 medida 205/55R17V, que como recomendado receberam a pressão indicada para o carregamento extremo (33/36 lb/pol² ante 29/29 lb/pol² para uso normal). Preocupado com a fixação da mala no rack, depois de alguns quilômetros parei para verificar a amarração. Fiquei satisfeito, poderia fazer o rali Dakar de cabo a rabo que nem ela, nem os racks adaptados causariam problemas.
É cada vez mais comum que carros como o Cactus, SUV, crossovers ou assemelhados, venham com as travessas no teto. Todavia, as barras transversais que as complementariam invariavelmente não vêm com o veículo, devem ser se adquiridas como opcional. No caso do C4 Cactus custam R$ 910,00 segundo o site da Citroën, onde ainda é oferecido um bagageiro de teto de 300 litros (da marca Thule) por R$ 2.139,00. São acessórios bem recomendáveis para quem precisa de espaço — como eu precisei — além dos 320 litros do porta-malas.
Como manda o manual do bom autoentusiasta, com carro carregadão e família dentro ousadias ao volante não são permitidas. Por conta disso, o trajeto até o destino foi comportado. Na cabine um senão foi a ausência de uma porta USB para os passageiros do banco traseiro e também não haver saída de ar-condicionado. Fácil de resolver a 1ª demanda (cabo compridão ligado a um adaptador espetado na tomada 12 V situada no painel), mas impossível resolver a 2ª, o que obrigou a registrar uma temperatura mais baixa e velocidade do ventilador mais alta do que quem vai nos bancos da frente gostaria.
Quanto à operação do sistema de climatização via tela tátil ser complexa, como mencionei na 1ª semana do teste, alguns dias a mais de uso permitiram progredir na relação dedo-tela, especialmente por ter aprendido que sob a telona há duas teclas-atalho pensadas justamente para salvar a pátria: uma autoexplicativa “AC MAX” e outra com desenhinho de hélice, termômetro e cores azul e vermelho. Porém, resta inabalável a verdade suprema de que concentrar comandos em um iIPad pregado no painel pode ser moderno, hi-tech, atraente e o escambau de asa, mas práticos mesmo são os botões e teclas old school.
O Cactus de teste, versão topo, veio com dois assistentes à direção: o apitinho que avisa quando se cruza a faixa de rolamento sem dar seta e um alerta de aproximação do veículo da frente que, dizem, freará o Citroën de maneira autônoma caso eu não faça nada para evitar uma colisão. No primeiro caso bastaram alguns poucos quilômetros de estrada para que eu optasse por desligar o alerta de mudança de faixa, muito chato (não dar seta quando não há ninguém por perto é crime?). Já a frenagem não ocorreu, mas o aviso na tela tátil, sim.
Como buzinado em Testes de 30 Dias anteriores, a viagem à casa de praia inclui off-road levíssimo, que dessa vez foi adicionado de mais um trecho nem tão levíssimo assim, especialmente por conta da época chuvosa. Neste cenário de poucos quilômetros em estrada ruim, com um alguma lama, pedras grandes e duas ou três ladeiras, o Cactus se mostrou em casa. Propositalmente deixei o botão que altera o modo de tração (foto acima, as opções são Off, Normal, Neve, Lama e Areia) desligado e o Citroën ignorou as condições ruins, sem jamais tocar partes baixas no solo e sem exigir grandes cuidados na escolha do caminho.
Foram raríssimos os momentos no qual vi a luz amarela que indica a intervenção do controle de tração piscar no painel. Dotado de pneus de perfil relativamente alto e desenho de banda de rodagem voltado para o asfalto, esta primeira investida off-road com o Cactus fez ver que ele tem atitude superior à que uma mera levantadinha na distância livre ao solo faria supor.
Em uma subida bem forte encarada em 1ª marcha e aceleração vigorosa (e para piorar tudo, com carro lotadão) senti uma leve trepidação na transmissão. Como Alberto Trivellato me ensinou, tal efeito não é defeito, mas característica, pois deriva do trabalho em ângulo pronunciado de funcionamento das semiárvores. No Cactus tal vibração, leve, ocorreu em condição de uso extremo. O problema é quando isso ocorre sem que haja condição de carga que faça a frente se elevar de maneira acentuada, como ocorre em alguns modelos vendidos no Brasil que tiveram sua suspensão elevada a ponto de fazer as semiárvores trabalharem em ângulo desfavorável mesmo sem carga e no plano. Que me lembre, tal problema ocorria nos C3 Aircross, um C3 com carroceria mais alta e suspensão erguida. No Cactus, as suspensões foram levantadas mas elementos como as bandejas de suspensão foram adequadas à nova geometria. No entanto, vou ficar atento para perceber se mesmo sem carga o fenômeno incômodo reaparece.
Viagem terminada, carro descarregado, hora de fazer contas e rememorar as sensações: o consumo se assentou em 13,1 km/l, marca justa para o percurso, condição de carga e leve esforço final na parte off-road. O conforto, nota 8,0, bom para o pessoal no banco de trás, disseram, idem na frente. A ergonomia é melhor que a conformação, forração e espuma aplicada ao banco, mas em geral o Cactus agrada. Quanto à parte dinâmica, motor não falta a este Citroën apesar que em nenhum momento o exigi a fundo, coisa a ser feita quando houver menos gente e peso dentro. Idem com relação ao comportamento em curvas apesar de que já posso dizer que a direção transmite boa sensação, e que mesmo pesado e nos 120 km/h regulamentares senti segurança para se — caso fosse necessário — mudar de direção com um golpe de volante, estilo salvando cachorro.
Nos dias passados no litoral, rodando pouquinho e em estradinhas mal pavimentadas, pude comprovar a qualidade de acerto das suspensões. Não me dei ao trabalho de esvaziar pneus e mesmo assim o conforto de marcha é excelente em piso ruim. Outro ponto a destacar é o teto branco: em um verão de temperaturas equatoriais como o atual, chegar em um carro estacionado por horas sob o sol é confortante quando ele tem um teto branco!
A volta à São Paulo, feita à noite, sem mala no teto e com apenas dois adultos a bordo foi tranquila, fazendo o mesmo trajeto da ida. Consumo quase idêntico, 12,9 km/l (no vai-e-vem dos dias praianos, a média se assentou em 7,2 km/l). Nesta viagem noturna fiquei com a nítida impressão de que os faróis poderiam ser mais potentes e até sob o aspecto estético a “assinatura” com LED na imponente dianteira do Cactus, as DRL, não combina com os faróis de parábola simples e lâmpadas halógenas, amarelinhas que só. Um upgrade nessa área deve ser cogitado seriamente pela marca francesa. Em algumas saídas de pedágio dei chance aos 166 cv (gasolina) declarados do motor THP esticarem suas perninhas e… que saúde! Certamente o C4 Cactus é o mais animado de sua classe quando o tema é aceleração. Mesmo sem apertar a tecla “S” ao lado da alavanca do câmbio, que faz a caixa trabalhar de maneira a deixar a rotação do motor subir mais a cada uma das seis marchas, “atolar” o pé no fundo faz a progressão ser poderosa, com aceleração 0-120 km/h de referência.
Para a terceira semana um pouco mais de uso urbano e talvez mais uma viagem, desta vez rumo ao norte de São Paulo, localidade rural, onde o seletor de modos de tração poderá ser usado com mais propriedade. Também espero ter chance de exigir um pouco mais do Cactus em estradas sinuosas e ver como ele se sai em uma tocada mais assanhada.
Por enquanto é preciso registrar que as boas sensações que tive na Europa com o Cactus 1ª geração permanecem mesmo se aqui ele está sendo comercializado em degrau acima em termos de preço e configuração (mais potente…) do que os vendidos por lá.
RA
Fotos: autor
Citroën C4 Cactus Shine 1.6 THP Pack Automático
Dias: 14
Quilometragem total: 759 km
Distância na cidade: 274 km (36%)
Distância na estrada: 485 km (64%)
Melhor média (gasolina): 13,1 km/l (rodovia)/9,2 km/l (cidade)
Pior média (gasolina): 10,2 km/l (rodovia)/5,8 km/l (cidade)
Velocidade média: 29 km/h
Tempo ao volante: 26h11min
FICHA TÉCNICA CITROËN C4 CACTUS 1.6 THP SHINE PACK AUTO 2019 | |||||||
MOTOR | |||||||
Denominação | 1,6 Turbo THP flex | ||||||
Descrição | 4 cil. em linha, transveral, bloco e cabeçote de alumínio, duplo comando de válvulas, corrente, variador de fase na admissão e escapamento, 4 válvulas por cilindro, atuação indireta por alavanca-dedo roletada com fulcrum hidráulico, turbocompressor de dupla voluta com interresfriador, injeção direta | ||||||
Diâmetro e curso (mm) | 77 x 85,8 | ||||||
Cilindrada (cm³) | 1.598 | ||||||
Taxa de compressão (:1) | 10,2 | ||||||
Potência (cv/rpm, G/A) | 166/173/6.000 | ||||||
Torque (m·kgf/rpm, G//A) | 24.5/24,5/1.400 | ||||||
TRANSMISSÃO | |||||||
Câmbio | Transeixo automático epicíclico Aisin EAT6 de 6 marchas com trocas manuais sequenciais + ré, tração dianteira | ||||||
Relações das marchas (:1) | 1ª 4,044; 2ª 2,371; 3ª 1,556; 4ª 1,159; 5ª 0,852; 6ª 0,672; ré 2,193 | ||||||
Relação do diferencial (:1) | 3,683 | ||||||
SUSPENSÃO | |||||||
Dianteira | Independente, McPherson, braço transversal, mola helicoidal, amortecedor pressurizado e barra estabilizadora | ||||||
Traseira | Eixo de torção, mola helicoidal, amortecedor pressurizado e barra estabilizadora integrada ao eixo | ||||||
DIREÇÃO | |||||||
Tipo | Pinhão e cremalheira, eletroassistida indexada à velocidade | ||||||
Diâmetro mín. de curva (m) | n.d. | ||||||
Voltas entre batentes | n.d | ||||||
FREIOS | |||||||
Dianteiros (Ø mm) | Disco ventilado/n.d. | ||||||
Traseiros (Ø mm) | Disco/n.d. | ||||||
Controle | ABS (obrigatório), distribuição eletrônica das forças de frenagem, auxílio à frenagem | ||||||
Circuito hidráulico | Duplo em diagonal | ||||||
RODAS E PNEUS | |||||||
Rodas | Liga de alumínio 6j x17 diamantada | ||||||
Pneus | 205/55R17V (Pirelli Cinturato P7 ou Goodyear Efficient Grip) | ||||||
Estepe | Temporário de 80 km/h, roda de aço, pneu 185/60R15H | ||||||
CONSTRUÇÃO | |||||||
Tipo | Monobloco em aço, suve, 4-portas, 5 lugares, subchassi dianteiro | ||||||
AERODINÂMICA | |||||||
Coeficiente de arrasto (Cx) | n.d. | ||||||
Área frontal (calculada, m²) | 2.143 | ||||||
Área frontal corrigida (m²) | n.d. | ||||||
DIMENSÕES (mm) | |||||||
Comprimento | 4.170 | ||||||
Largura (sem/com espelhos) | 1.714/1.979 | ||||||
Altura | 1.563 | ||||||
Distância entre eixos | 2.600 | ||||||
Distância mínima do solo | 225 | ||||||
CAPACIDADES (L) | |||||||
Porta-malas | 320 (1.170 com encostos do banco traseiro 40:60 rebatidos | ||||||
Tanque de combustível | 55 | ||||||
PESO (kg) | |||||||
Em ordem de marcha | 1.214 | ||||||
Carga útil | 350 | ||||||
DESEMPENHO | |||||||
Aceleração 0-100 km/h (s, G/A) | 7,5/7,3 | ||||||
Velocidade máxima (km/h, G/A) | 212/212 | ||||||
CONSUMO INMETRO/PBVE | |||||||
Cidade (km/l, G/A) | 10,4/7,2 | ||||||
Estrada (km/l, G/A) | 12,6/8,9 | ||||||
CÁLCULOS DE CÂMBIO | |||||||
v/1000 em 6ª (km/h) | 48,3 | ||||||
rpm a 120 km/h em 6ª | 2.500 | ||||||
rpm à vel. máxima em 5ª | 5.600 |