Mais hora, menos hora, todo verão ressurge entre meus amigos o comentário do perigo que representam meus compatriotas argentinos nas estradas brasileiras, especialmente nos Estados do Sul. Além da questão da velocidade — a maioria não respeita a máxima em terras tupiniquins, bastante inferior à do país vizinho — tem a velha questão da sinalização para dar passagem a quem vem atrás, que só Deus sabe porque é feita ao contrário por lá.
Como já comentei em algum momento, estive em 55 países. Sei que havia dito 54, mas conversando com amigos no final do ano descobrimos que pelo fato de o Vaticano ser um estado autônomo conta como um também, e assim estive em mais um país sem ter sequer saído de casa! OK, assunto nada-a-ver mas apenas para esclarecer que em nenhum deles vi sinalizarem como se faz na Argentina para dar passagem a quem vem atrás. E, diga-se, acho o sistema argentino além de único, totalmente ilógico — sendo que um dos princípios das normas de trânsito, além da universalidade, é a lógica.
Como todo mundo que já andou especialmente pelo litoral de Santa Catarina já notou, quando um veículo argentino quer avisar a quem está atrás que ele pode ultrapassar em segurança, o dito-cujo liga a seta para a esquerda. Volto a pedir que não me perguntem por que, pois para mim não faz o menor sentido. O óbvio é como se faz no Brasil e no resto do mundo — dar seta para a direita, como se você fosse sair da pista, indicando que a faixa de rolamento estará livre para ultrapassar. Pois bem, meus compatriotas fazem ao contrário. Todos nós conhecemos alguém que deu de cara com algum carro vindo na direção contrária ao tentar ultrapassar um argentino que indicou passagem livre desta forma.
Sei que parece difícil não acreditar em algum tipo de perversidade ou não lembrar da cena do filme Encurralado (Duel no original ou, em Portugal, Um assassino pelas costas, desculpem, mas eu ri…). No início do filme — o primeiro longa-metragem de Steven Spielberg — o carro dirigido por Dennis Weaver recebe sinal do motorista do caminhão-tanque à sua frente para ultrapassar. Primeiro um close na lanterna esquerda dá a impressão de sinalização (mas poderia ser o freio, a cena é curta), e em seguida o motorista acena com o braço para fora da janela. Aí Weaver acelera o Plymouth Valiant vermelho e quase bate de frente com outro carro na pista contrária. O velho Peterbilt 281, cujo motorista não é visto em nenhum momento no filme inteiro, é a própria encarnação do Capeta mas, bem, esse é o começo de um dos melhores thrillers que já vi. Vale a pena assistir (foto de abertura). Mas voltemos ao assunto antes que eu continue falando de cinema.
Recentemente uma das minhas primas que mora na Argentina me mostrou uma postagem de uma campanha de esclarecimento que está sendo feita por lá para tentar mudar esse comportamento Ela mesma tem divulgado no seu perfil, algo que acho ótimo e depois de publicada esta coluna eu mesma farei.
Gostei da simplicidade das imagens. Direto ao ponto. Mas não posso dizer que tenha me surpreendido ao ver entre os comentários no Feicibúqui da minha prima que estavam todos surpresos, pois ninguém sabia que era assim que deveria ser sinalizada a manobra pelo veículo da frente. Acredito que não precisa de tradução mas, em todo caso, qualquer dúvida, estou às ordens.
Destaco que a campanha é do departamento de trânsito da minúscula Terra do Fogo, cuja capital é Ushuaia e que certamente tem mais pinguins do que veículos, mas já é um começo. Quem sabe outras províncias aderem à campanha? Ou mesmo fazem algo nacionalmente?
Sinceramente, não sei se vai pegar. Também não sei a extensão da campanha, mas acho importante que seja feita. Imagino que haverá grande confusão nas estradas enquanto se mudar, mas em algum momento a Argentina tem de parar de andar na contramão do resto do mundo. Algo assim como foi feito quando se abandonou a mão inglesa, que já comentei aqui neste espaço. Tem de ser uma decisão de cima para baixo com a óbvia colaboração da população. Ainda assim, tem aqueles que insistem em ultrapassar em locais proibidos., independentemente da sinalização. Vergonha, para dizer pouco.
É claro que é bacana que especialmente quando se tem um veículo muito mais alto à frente ele ajude e avise se há condições de ultrapassagem e quando. O motorista de um sedã atrás de um treminhão em poucos trechos de estrada tem condições de avaliar com segurança se pode ou não fazer essa manobra e uma mãozinha nessas horas é sempre bem-vinda. Desde que isso não signifique mandar o carro diretamente para uma batida frontal com outro veículo, é claro.
Na Europa e nos Estados Unidos começa a ser adotada uma solução superlegal, mas que estimo seja inviável pelo custo por estas paragens. Caminhões e ônibus tem, na parte traseira, telas que projetam o que câmeras instaladas na frente dos veículos enxergam. Assim, é como se os veículos se tornassem transparentes para quem está atrás deles. Ironicamente, alguns deles foram testados justamente na Argentina pela Samsung, mas confesso que não sei como foram os resultados.
De qualquer forma, mesmo as câmeras não evitam os pontos cegos nos veículos. Ou seja, certamente melhoram a segurança no trânsito, mas não são totalmente à prova de imperícia ou de manobras idiotas. E se no Brasil roubam-se caminhões para assaltar carga de leite longa-vida que custa R$ 2 o litro imaginem telas desse tipo com câmeras… Imagino que seria como os painéis solares que instalaram no Arco Metropolitano do Rio de Janeiro — que estavam em postes fixos! Sem querer, mas fazendo trocadilho infame, não vejo muitas luzes no fim deste túnel.
Mudando de assunto: adoro piadas e divirto-me com as infames tanto quanto com os adoráveis filmes infames e trash tipo Sharknado ou Plano 9 do espaço sideral. Pois então, aí vai uma bem, bem infame. Meme, trolada, feique, chamem como quiserem, mas que é divertidinha, isso é. Imagino a situação: a mulher não autoentusiasta ganha do marido um Tesla e olhem o que acontece:
https://youtu.be/vHPg2Mi2roI
NG
Crédito da foto de abertura: filmescultuados.wordpress.com