A época de férias escolares me deu chance de levar o Cactus para passear, vingando a primeira semana de teste na qual rodei medíocres 121 quilômetros, afogado em congestionamentos. Na volta do litoral paulista, cujo relato você leu na semana passada, passei de raspão pela capital e logo rumei para o sul de Minas Gerais, mais exatamente para a região das estâncias hidrominerais São Lourenço e Caxambu.
Este roteiro, inédito para mim, acrescentou mais de mil quilômetros ao hodômetro do Cactus, que circulou em grande variedade de rodovias, da retilínea Dutra às tortuosas pistas do sul mineiro. Teve inclusive estrada “de chão”, da boa, da mais ou menos e até da ruim. A melhor conclusão depois de tantos quilômetros é que o mais novo dos Citroën é um versátil parceiro de viagem, consideração unânime dos três que ocuparam a cabine do simpático SUV/hatch fluminense.
SUV/hatch? Mesmo sem querer alimentar discussões entre adoradores de rótulos, por causa do comportamento aferido nesses quase 2.000 quilômetros de teste, posso afirmar que o Cactus tem personalidade dupla: rodando rápido na rodovia ele está mais para hatch, já quando a pavimentação fica ruim, SUV. A levantada que a engenharia da Citroën deu nas suspensões do Cactus nacional não tirou dele a dirigibilidade típica de um hatch e seus dois volumes e pouco mais de 4 metros de comprimento, como quis o projeto original. Já no piso ruim, a tocada do Cactus pode ser relax, a distância do fundo do carro em relação ao piso é generosa e as suspensões absorvem bem irregularidades bem pronunciadas — portanto como um SUV, nos quais quase que ignorar obstáculos é uma das premissas.
Porém, o ponto alto do C4 Catus é não é esta dupla personalidade mas sim, e indiscutivelmente, o conjunto motor+câmbio. O 1,6 litro turbo codinome THP (Turbo High Pressure) merece todos os confetes que recebe desde quando surgiu em 2010. O mesmo se aplica o câmbio Aisin de seis marchas. Ambos se entendem à perfeição e só mesmo sendo muito chato para conseguir botar defeito no trabalho da dupla.
Ao contrário da viagem ao litoral, na qual ignorei os modos S e ECO, teclas que ao lado da alavanca de câmbio modificam o comportamento da transmissão, nestes dias mineiros usei e abusei dos ditos cujos. Em S, não há segredo, as trocas de marcha ocorrem em rotação mais elevada, fazendo o Cactus ficar mais espertão. Em ECO, o samba-enredo é o da baixa rotação. A progressão da velocidade se dá sempre com o conta-giros mostrando números baixos. Tá com pressa? Vá de S. Tá sossegado? Vá de ECO.
A alavanca no console permite a mudança de marchas manualmente, e não há teimosia, obedecendo comandos de maneira rápida desde que coerentes, ou seja, não aceitará 6ª a 10 km/h. Fazem falta as borboletinhas para mudança de marcha no volante? Para mim, não. Comandar o câmbio pela alavanca não me incomoda nada e o padrão da Citroën é redução empurrando a alavanca. Para subir marcha, a alavanca, obviamente deve ser trazida para trás e, neste aspecto, deixo uma sugestão para a Citroën: melhorar o acabamento deste comando, pois o material que imita couro usado na coifa da alavanca de câmbio fica todo “engruvinhado” quando se puxa a alavanca para trás. O espaço entre a borda do console e haste da alavanca é menor do que deveria ser e a espremida no material que imita couro oferece resistência ao movimento da alavanca, além de um barulhinho chato a cada passagem de marcha. Tenho a impressão que é um probleminha facílimo de resolver, então, mãos à obra!
Outro item do departamento “à melhorar” é o tamanho do apoio de braço entre bancos, que se fosse pelo menos dois centímetros mais longo (ou se deslizasse à frente…) facilitaria muito apoiar do cotovelo. Tal detalhezinho não prejudica a boa ergonomia do posto de pilotagem do Cactus, mas um apoio de cotovelo mais generoso poderia aperfeiçoá-lo. A ausência de regulagem a altura do cinto de segurança é algo que estranho em um carro de 100 mil reais mas, para minha estatura (1,80 m), o posicionamento está exato. Pior, talvez, é a ausência de alças de teto. Economia, eliminação de elementos que podem reduzir pontuação nos testes de colisão ou ambos? Sei lá. Resta o fato que tais alças fazem falta. E faltam também puxadores mais generosos para as portas. No Cactus francês há tiras que imitam alças de malas, eliminadas no nosso. Puxar as portas dianteiras sem elas é tarefa que se faz com as pontas dos dedos encaixadas em um pequeno vão, o que achei pouco adequado.
Na contramão destas ausências, uma boa presença (apesar de mal situada) é o controlador/limitador de velocidade. Situado à esquerda do volante, pouco abaixo da chave de seta, olhar para ele é impossível, pois fica encoberto pelo volante. Mas a facilidade com que se deixa usar mesmo sem vê-lo é de referência. A pecinha é velha conhecida de quem já passou pelos Peugeot ou Citroën, a mesma usada há anos, mas… é funcional, e sobretudo mantém a velocidade impostada com rigor mesmo se a estrada for plena de aclives e declives.
No trecho de montanha da pista que leva da via Dutra a São Lourenço, boa pavimentação, dia bonito e ausência de tráfego me permitiram alguma diversão. O C4 Cactus em tocada esportiva não rola exageradamente em curvas. Claro, as suspensões altinhas implicam levar em consideração tal característica, mas em nenhum instante o Cactus dá sinal de que vai “perder o pé” da curva, apesar de ser nitidamente subesterçante. Nos trechos mais apertados, ao afundar o pé em saídas de curvas estreitas, os 173 cv do motor dizem “presente” e justificam plenamente a presença dos controles eletrônicos de estabilidade e tração, este no caso.
Na maioria das vezes comento o benefício que alguns cavalos a mais sempre trazem para qualquer carro. No caso do Cactus, cavalaria não falta, aliás até sobra, e exige que se preste atenção na hora de “dar pé” no acelerador. Qual o problema se há eletrônica cuidando da gestão de tração e estabilidade? Pois bem, ela ajuda, mas milagre não faz. As leis da Fsica são inamovíveis e, em síntese, me pareceu que o curso longo das suspensões faz com que a oscilação da frente — que afunda de maneira significativa em frenagem e, consequentemente, dá aquela estilingada para cima em reacelerações fortes — cause um movimento que altera bastante a condição de carga que grava sob os pneus dianteiros.
Se o piso for impecável, os problemas decorrentes dessa característica serão mínimos, a não ser em mudanças de direção muitos abruptas. Mas encarando pavimentação imperfeita, ondulada, o Cactus mostrou alguns espinhos, dando trabalho à eletrônica para minimizar os efeitos nocivos de toda a movimentação de uma carroceria alta em cima de suspensões que, por mais bem acertadas que sejam (e são), têm curso longo. Resumo? Não espere do Cactus um comportamento impecável em tocada vigorosa. Melhor ser sempre suave (aliás, quando não se o é?) e lembrar que o centro de gravidade dele “mora” um tiquinho mais longe do chão. Renunciar ao desligamento do controle de tração é uma boa dica para evitar problemas.
Nesta viagem tive chance de rodar perto de uma centena de quilômetros em estradas de terra, inclusive em trechos relativamente ruins. Efetivamente percebi o benefício que o controle de tração posicionado em “Lama”, que permite uma contida e benéfica patinagem das rodas dianteiras em passagem por trechos enlameados. Já em uma situação de terreno íngreme, duro, seco mas de baixa aderência, alternei os modos “Neve” e “Areia” e acabei achando mais vantagem no primeiro, que impede ao máximo a patinagem das rodas o que, naquele caso, foi valioso.
Certamente serão poucos os proprietários de Cactus equipado com tal seleção de modos de tração a efetivamente usá-los mas, é o tal negócio: melhor tê-los e não ter de usá-los do que precisar deles e não os ter… E nessas estradas ruins, apenas uma única vez — e bem de leve — houve contato do fundo do carro com uma protuberância, o que de certo modo perdoa não haver absolutamente nenhuma proteção, nem plástica nem metálica, para o conjunto motor-câmbio.
Nesta viagem para Minas Gerais resolvi passar da gasolina ao álcool. No que diz respeito à potência, sinceramente não notei o acréscimo dos 8 cv suplementares que o combustível vegetal propicia, de acordo com a ficha técnica fornecida pela Citroën. A razão, creio, está no que comentei linhas acima, o Cactus ter potência abundante, idem torque, o que faz com que a atitude ao acelerador seja sempre moderada. Leva-se este carro “na casquinha” em praticamente todas as situações. Quanto ao consumo, a melhor média obtida com álcool foi de 10,4 km/l em rodovia mantendo os 110/120 km/h de lei, enquanto a pior, em um trecho urbano percorrido aos soluços, 5,2 km/l. Boa a autonomia oferecida pelo tanque de 55 litros, que me permitiu cumprir 557 km com uma “tancada”
A semana final do Cactus seguirá o padrão de nossos Testes de 30 Dias: visita à Suspentécnica para a análise das entranhas e uso urbano. A volta às aulas faz prever médias de velocidades medíocres e muito tempo no para-e-anda. Sorte que estar na cabine do Cactus é bastante agradável…
RA
Fotos: autor
Leia os relatórios anteriores: 1ª semana 2ª semana
Citroën C4 Cactus Shine 1.6 THP Pack Automático
Dias: 21
Quilometragem total: 1.777 km
Distância na cidade: 327 km (18%)
Distância na estrada: 1.450 km (82%)
Melhor média (gasolina): 13,1 km/l (rodovia)/9,2 km/l (cidade)
Pior média (gasolina): 10,2 km/l (rodovia)/5,8 km/l (cidade)
Melhor média (álcool): 10,4 km/l (rodovia)/7,1 km/l (cidade)
Pior média (álcool): 9,3 km/l (rodovia)/5,2 km/l (cidade)
Velocidade média: 39 km/h
Tempo ao volante: 45h32min
FICHA TÉCNICA CITROËN C4 CACTUS 1.6 THP SHINE PACK AUTO 2019 | |||||||
MOTOR | |||||||
Denominação | 1,6 Turbo THP flex | ||||||
Descrição | 4 cil. em linha, transveral, bloco e cabeçote de alumínio, duplo comando de válvulas, corrente, variador de fase na admissão e escapamento, 4 válvulas por cilindro, atuação indireta por alavanca-dedo roletada com fulcrum hidráulico, turbocompressor de dupla voluta com interresfriador, injeção direta | ||||||
Diâmetro e curso (mm) | 77 x 85,8 | ||||||
Cilindrada (cm³) | 1.598 | ||||||
Taxa de compressão (:1) | 10,2 | ||||||
Potência (cv/rpm, G/A) | 166/173/6.000 | ||||||
Torque (m·kgf/rpm, G//A) | 24.5/24,5/1.400 | ||||||
TRANSMISSÃO | |||||||
Câmbio | Transeixo automático epicíclico Aisin EAT6 de 6 marchas com trocas manuais sequenciais + ré, tração dianteira | ||||||
Relações das marchas (:1) | 1ª 4,044; 2ª 2,371; 3ª 1,556; 4ª 1,159; 5ª 0,852; 6ª 0,672; ré 2,193 | ||||||
Relação do diferencial (:1) | 3,683 | ||||||
SUSPENSÃO | |||||||
Dianteira | Independente, McPherson, braço transversal, mola helicoidal, amortecedor pressurizado e barra estabilizadora | ||||||
Traseira | Eixo de torção, mola helicoidal, amortecedor pressurizado e barra estabilizadora integrada ao eixo | ||||||
DIREÇÃO | |||||||
Tipo | Pinhão e cremalheira, eletroassistida indexada à velocidade | ||||||
Diâmetro mín. de curva (m) | n.d. | ||||||
Voltas entre batentes | n.d | ||||||
FREIOS | |||||||
Dianteiros (Ø mm) | Disco ventilado/n.d. | ||||||
Traseiros (Ø mm) | Disco/n.d. | ||||||
Controle | ABS (obrigatório), distribuição eletrônica das forças de frenagem, auxílio à frenagem | ||||||
Circuito hidráulico | Duplo em diagonal | ||||||
RODAS E PNEUS | |||||||
Rodas | Liga de alumínio 6j x17 diamantada | ||||||
Pneus | 205/55R17V (Pirelli Cinturato P7 ou Goodyear Efficient Grip) | ||||||
Estepe | Temporário de 80 km/h, roda de aço, pneu 185/60R15H | ||||||
CONSTRUÇÃO | |||||||
Tipo | Monobloco em aço, suve, 4-portas, 5 lugares, subchassi dianteiro | ||||||
AERODINÂMICA | |||||||
Coeficiente de arrasto (Cx) | n.d. | ||||||
Área frontal (calculada, m²) | 2.143 | ||||||
Área frontal corrigida (m²) | n.d. | ||||||
DIMENSÕES (mm) | |||||||
Comprimento | 4.170 | ||||||
Largura (sem/com espelhos) | 1.714/1.979 | ||||||
Altura | 1.563 | ||||||
Distância entre eixos | 2.600 | ||||||
Distância mínima do solo | 225 | ||||||
CAPACIDADES (L) | |||||||
Porta-malas | 320 (1.170 com encostos do banco traseiro 40:60 rebatidos | ||||||
Tanque de combustível | 55 | ||||||
PESO (kg) | |||||||
Em ordem de marcha | 1.214 | ||||||
Carga útil | 350 | ||||||
DESEMPENHO | |||||||
Aceleração 0-100 km/h (s, G/A) | 7,5/7,3 | ||||||
Velocidade máxima (km/h, G/A) | 212/212 | ||||||
CONSUMO INMETRO/PBVE | |||||||
Cidade (km/l, G/A) | 10,4/7,2 | ||||||
Estrada (km/l, G/A) | 12,6/8,9 | ||||||
CÁLCULOS DE CÂMBIO | |||||||
v/1000 em 6ª (km/h) | 48,3 | ||||||
rpm a 120 km/h em 6ª | 2.500 | ||||||
rpm à vel. máxima em 5ª | 5.600 |