Como sempre, acabo indo e vindo nos assuntos das minhas colunas, atropelada que sou sempre pela premência de alguns fatos. Mas como sempre digo, adoro atender pedidos de meus leitores, ainda que demore para cumprir minha tarefa. Novamente, desculpas e um pouquinho de paciência. Imagino que escrever sobre trânsito na Islândia seja bem menos movimentado do que por estas paragens, não? Já aqui não faltam assuntos — e olha que minha coluna é semanal…
Então, vamos a um assunto que foi um desdobramento de minha coluna sobre seriados e carros, publicada aqui no final do ano passado. Agora falo de filmes sobre carros, especificamente, a pedido de alguns leitores, entre eles o Antônio Carlos Cavalcanti.
Novamente, não é exatamente uma lista dos meus favoritos, embora muitos deles estejam entre os meus próprios “top-alguma-coisa”. Nestes casos, os carros são os personagens dos filmes, não apenas coadjuvantes, ainda que importantes. Eles são a razão de ser dos próprios filmes. Por isso não incluo um dos que mais gosto, “Rush”, pois a trama é muito mais sobre a rivalidade entre Nikki Lauda e James Hunt, mas que recomendo para quem gosta de carros, para quem gosta de cinema, ou mesmo para quem não gosta de nada neste mundo e está disposto a ver uma bela história impecavelmente contada. Nem incluo outro que gosto muito, “Operação França”, de William Friedkin e a sensacional perseguição de carros porque a cena, embora fantástica, é uma cena. O protagonismo do filme está em outros assuntos.
Por questões de foco, deixo de fora “Velocidade Máxima”, que se passa dentro de um ônibus desgovernado que é o principal personagem do filme para limitar-me a carros de passeio — bem nem tão passeio assim, apenas a definição deles é que é essa. Deixo de lado todos os “Velozes e Furiosos” porque vi apenas um (“Operação Rio”) e achei tão ruim, tão ruim que ainda estou criando coragem para ver se me recupero para ver algum outro da franquia, e “Drive”, com Ryan Gosling, que ainda não vi mas parece interessante. Então, vamos lá:
Christine, o carro assassino
Filmaço de 1983, de suspense mais do que de terror, sobre um carro assassino que tem vida própria. Uma coisa interessante é que nem o filme nem o livro, do excelente Stephen King, se debruçam sobre o motivo pelo qual o veículo é tão, mas tão psicopata. Ok, que o dono sofre bullying, mas isso não seria motivo para as barbaridades do carro que desde a linha de montagem apresenta traços assassinos. No Brasil ele ganhou, como quase sempre, um subtítulo desnecessário, “Cristine, o carro assassino”. OK, já diz a que veio o filme, mas não precisava disso, né? Vale pelo clima de suspense e pelo carro em si, um Plymouth Fury 1958. O diretor John Carpenter fez outros thrillers e filmes de suspense e ficção científica, mas este é meu favorito.
Bullitt
Várias cenas de carro e uma das melhores e mais longas perseguições de carros que já vi em filmes, ainda que (ou talvez por causa de) com para lá de escassos recursos de efeitos especiais. É de 1968 e tem o sempre ótimo Steve McQueen como personagem principal. O policial Frank Bullitt que recebe a missão de vigiar uma testemunha nas 24 horas anteriores à apresentação dela num tribunal. Claro que dá tudo errado, morre gente a torto e direito e Bullitt assume a tarefa de capturar os autores do crime. Tem também a sempre belíssima trilha sonora do meu patrício Lalo Schiffrin (o mesmo de “Missão Impossível”, entre outras joias). A perseguição que mencionei é nas ruas de São Francisco (haja suspensão e, principalmente, rim para aguentar os trancos das ladeiras) entre o Dodge Charter R/T do assassino e o Mustang GT 390 (V-8, claro) de Bullitt, excelente trabalho do diretor Peter Yates. A cena dura incríveis quase 11 minutos e levou três semanas para ser rodada. Os carros chegaram a atingir velocidades de 180 km/h e apesar de McQueen ser notório apreciador de carros, ele foi substituído por diversos motoristas e dublês profissionais. Confesso que a primeira vez que fui a São Francisco, com carro alugado, fiz boa parte do trajeto da perseguição — incrível como andando ia me lembrando de alguns locais. E adorei cada minuto — mas, claro, em velocidades muitíssimo inferiores e sem os solavancos do filme.
As 24 Horas de Le Mans – no original, apenas Le Mans
E por falar em Steve McQueen, outro filme que não seria nada sem um carro. Na verdade, mais de um. O filme é sobre carros. Tenho o DVD dele de tanto que gosto, mas hoje cortaria algumas partes mais chatinhas do romance e a irritante musiquinha dos anos 70. Nada grave, diga-se. A história é banal. O piloto Michael Delaney volta a correr justamente em Le Mans um ano após quase ter morrido num acidente de carro. Tem a paixão pela viúva do piloto que morreu no mesmo acidente, mas o melhor mesmo são as cenas de corrida. O filme é de 1971 e está bem datado, mas ainda assim vale a pena pelas belíssimas disputas entre Porsche 917 e Ferrari 512.
Grand Prix
Um dos filmes favoritos do meu pai e com quem o assisti pela primeira vez. Continua sendo um dos grandes filmes sobre carros. Dos anos 1960, exatamente 1966, dirigido por John Frankenheimer — o mesmo de “Operação França II” e de “Ronin”, entre vários outros. Em Grand Prix, há cenas com grandes pilotos como Graham Hill, Cris Amon, Jack Brabham, Bruce McLaren, Guy Ligier, Jochen Rindt, Jo Siffert, Lorenzo Baldini, Juan Manuel Fangio e Paul Frère. A sequência inicial é arrepiante, com os preparativos dos pilotos, dos motores, e depois as batidas cardíacas. Tem no Iutubi um interessante vídeo-homenagem no qual Jacques Villeneuve dirige um carro como o de James Garner no filme – e de quebra, o próprio ator ainda comenta e dirige um carro na pista.
Thelma e Louise
Feministas falarão sobre o (ufa!) empoderamento feminino. Ok, tá certo, mas o que seria do filme se não fosse o carro? O final seria ridículo sem ele, não? E como elas fugiriam de tanta confusão? Aliás, o carro é parte da libertação de ambas e só fomenta a sensação de liberdade e de “o mundo inteiro à nossa frente”. A fita, de 1991 do sempre excelente Ridley Scott conta a história de uma dona de casa e uma garçonete, Geena Davies e Susan Sarandon, ambas entediadas e com vidas totalmente sem graça e que resolvem sair pelo mundo para fugir da rotina. Muitos obstáculos e atrapalhadas depois, acabam sendo perseguidas pela polícia. O final é icônico com o Thunderbird 1966 direto para a garganta do Grand Canyon.
Conduzindo Miss Daisy
Poucas vezes um motorista profissional e um carro tiveram tanta relevância num filme como nesta linda fita de 1989 com lindíssima trilha sonora de Hans Zimmer e atuações fantásticas de Morgan Freeman e Jessica Tandy. Depois de bater com o Chrysler Windsor 1946 na casa do vizinho, o filho da personagem principal lhe compra um Hudson Commodore 1949, mas exige que ela aceite ter um motorista pois a idade avançada e problemas de saúde lhe impedem de conduzir um carro com segurança. Mulher de idade, judia, branca, no Sul dos Estados Unidos com motorista negro? Linda história que tem também um componente carro importante. Algumas das melhores cenas e diálogos acontecem no habitáculo do veículo (não sei se consigo dizer isso cinco vezes seguidas bem rapidamente, hehehe).
Agarra-me se puderes (Smokey and the Bandit)
Um clássico da Sessão da Tarde de outrora. Filme divertidinho de 1977 com Burt Reynolds que, na época, só perdeu em bilheteria nos Estados Unidos para o megasucesso “Guerra nas Estrelas”. História para lá de politicamente incorreta: os caminhoneiros Bandit e seu parceiro são contratados para levar um carregamento ilegal de cerveja do Texas para a Geórgia mas devem fazê-lo em 28 horas — na época, era ilegal vender cerveja Coors ao leste do Texas e, adivinhem, a carga era de Coors. Enquanto o “Bola de Neve” dirige o caminhão, Bandit (claro, Burt Reynolds) faz a escolta no Pontiac Trans Am, ícone de carro para a época, apenas com o objetivo de despistar a polícia. Claro que acontece de tudo no caminho, incluindo uma moçoila que foge do casamento com o filho de um xerife local, acaba no carro de Bandit e a polícia persegue todo mundo. O filme tem um quê de semiótica. O xerife se chama Buford T. Justice, os que contratam o transporte ilegal são Big e Little Eno e, bom, Bandit é bandit mesmo. Como curiosidade, era o próprio Reynolds quem pilotava o Trans Am. Teve duas sequências não tão legais mas não eram ruins, não. Só não tinham o charme do original. O Trans Am do filme ficou tão famoso que houve uma série especial de 77 unidades autografadas por Reynolds que foram todas vendidas por US$ 420.000 cada uma.
Corrida contra o destino (Vanishing point)
É a foto de abertura.
Tem um filme homônimo que é uma refilmagem de 1997 com Viggo Mortensen, mas o que eu quero falar é sobre este, de 1971, com Barry Newman. O personagem principal, Kowalsky, tem que levar um Dodge Challenger 1970 de Denver até São Francisco e aposta com um amigo (muy amigo) que conseguirá fazer isso me menos de 15 horas. São pouco mais de 2.000 quilômetros de estrada. Ele senta a bota no acelerador e acaba sendo perseguido pela polícia, mas conta com a ajuda de um radialista cego que acompanha as comunicações da polícia. Tem, é claro, o pano de fundo. Kowalsky é veterano condecorado da guerra do Vietnã, ex-piloto de carros e ex-policial (foi exonerado por evitar uma tentativa de estupro cometida por um colega), com todos os dramas existenciais possíveis, incluindo frustração por não ter podido virar piloto de Nascar, desilusão com a guerra, perda da namorada… Belo filme sobre um carro e a catarse que provoca num sujeito à beira da autodestruição.
Se meu Fusca falasse (The love bug)
Um dos campeões das antigas Sessões da Tarde — hoje é filme de adolescente o tempo todo — e um dos mais fofos sobre carros. Feito para todas as idades pela Disney, tem uma historinha banal. O dono de uma agência de automóveis e piloto de corridas despreza o Fusca que é acolhido por um piloto “do bem” e, em resposta, o carro dá seguidas vitórias ao até então azarado piloto. Ele batiza o carro de Herbie e juntos disputam provas onde enfrentam vilões típicos de filmes da Disney. Uma graça de filme. Teve mais cinco sequências.
Ronin
Belo filme policial, com muitas tramas e traições, mas o que seria do bom roteiro sem as perseguições de carro? Incrível como as violações às leis da Física são uma constante, especialmente aquela que diz que dois corpos não ocupam o mesmo lugar ao mesmo tempo. Viela estreita e carro a milhão… ora, a Física que vá às calendas. A história é clássica nos filmes policiais: um sujeito reúne uma equipe de especialistas que devem roubar uma pasta, cujo conteúdo é um mistério. A equipe é internacional e multitarefas, mas ninguém confia em ninguém – nem deveria. O filme, de 1998, é também de John Frankenheimer, o mesmo de “Grand Prix”. O elenco inclui grande atores como Robert de Niro e Jean Renno. Os carros tem tanta importância, assim como suas perseguições, que Frankenheimer chamou o piloto de Fórmula 1 Jean-Pierre Jarier para ser um dos condutores e dizem que foram destruídos 75 carros durante as filmagens. Não contei, mas certamente se não for esse o número passa muito perto.
Mudando de assunto: caros leitores, darei uma folguinha a vocês na semana do Carnaval. Mas não tentem me procurar nos desfiles de escolas de samba pela televisão. Respeito demais todos vocês (e o resto da humanidade, diga-se) para torturar alguém me vendo saracotear. Definitivamente, meus pais esqueceram de me colocar alguma mínima habilidade para este quesito. Capricharam na flexibilidade e na força para ginástica olímpica, mas zero absoluto no item graça e gingado. Mas dia 13 de marçoestou de volta. Esquindô, esquindô!
NG