Apesar de ter escrito um livro sobre Fusca, o Almanaque do Fusca – em 2006 – e um sobre Kombi – em 2011 – confesso assumidamente que minha preferência sempre foram os carros antigos com motor V-8. Admiro demais os Volkswagens nacionais com seus motores arrefecidos a ar, são carros robustos, inquebráveis e possuem uma identificação com nosso país que poucos carros tem.
Em outubro de 2018 fui contratado para produzir os veículos de um seriado que será exibido num site de entretenimento. Foram categóricos em pedir que o automóvel principal seria uma Kombi, mas o carro precisava cumprir algumas características para ser adequado à trama. Precisava ter a aparência de uma “perua” abandonada por décadas, com ferrugens e podres aparentes, não poderia ser branca e nem bege, também precisava ter todos os bancos e funcionamento bom, já que a maioria das cenas seria em movimento.
Não fiz parte do filme “Tropa de Elite”, mas adotei o slogan de que “missão dada é missão cumprida”. Como sei dos maus tratos que carros com muitas cenas passam, resolvi comprar a Kombi para evitar dores de cabeça com prováveis proprietários ciumentos. Achei uma Kombi Clipper, anos 1977 na rara e cobiçada cor azul Itaipu. A documentação e funcionamento em ordem, mas a aparência era ruim, mas ruim mesmo.
A aparência não poderia ser mais ao “briefing” sugerido, o carro foi descoberto pelo jornalista automobilístico Lucas Di Biazzi e estava realmente largado por décadas no pasto de um sítio, no interior paulista. Comprado o carro, bota para fazer funcionar… direito. A lataria não poderia ser pior, tem ferrugem em volta dos vidros e podres por todos os três assoalhos (dianteiro, central e acima do motor). Agora que as gravações terminaram tenho usado, de vez em quando, o carro para me deslocar entre minha casa e o trabalho.
Andar com essa Kombi, que tem a aparência combalida, tem sido um exercício de humildade. Outro dia, chegando em casa, uma moça bateu no para-choque traseiro da perua. Parei para ver o que havia acontecido, a lâmina de metal da Kombi deu uma entortada, mas a frente do carro dela esbagaçou, foi para-choque dianteiro aos cacos por todo o chão da avenida, grade inferior para um lado, placa dianteira para outro e os faróis de neblina ficaram pendurados. Perguntei para a condutora se estava tudo bem, ela só esbravejou dizendo que “com seu carro velho sim”, completou balbuciando algumas coisas que não entendi. Entrei na Kombi, dei partida e fui embora.
Há alguns dias, um motorista de caminhão, também não quis esperar que eu passasse, mesmo eu estando na preferencial e ele numa via secundária, entrou a minha frente me cortando, o que me obrigou a montar no freio da Kombi e jogar para cima da calçada. O mais engraçado é o fato do caminhão ser de uma empresa de pães de forma, justamente um dos apelidos da Kombi, devido o formato do veículo. Saquei o celular do bolso, fotografei o caminhão e comuniquei a empresa, via rede social, no mesmo dia recebi duas ligações pedindo desculpas. Minhas perguntas eram apenas: Será que o motorista não respeitou só porque trata-se de uma Kombi velha? Se eu estivesse num outro carro antigo, porém vistoso, será que ele teria obedecido às regras de trânsito?
E para finalizar, minha história preferida envolvendo a Kombi e a humildade: parei no posto de combustíveis de um amigo e o frentista veio me atender. Durante o abastecimento perguntei o preço do litro da gasolina (não costumo ir muito a este posto), ao saber soltei, “Caramba, está caro, hein”! O responsável em abastecer apenas disse “não ponha preço na minha gasolina que eu não coloco preço nos seus carretos”. Pois é, só por ser uma Kombi velha e combalida, ele deduziu que vivo de fretes, profissão que não acho menor que as outras, mas torna-se engraçado porque apenas fui julgado pela aparência.
PT