Além de eu ser uma criatura de hábitos, tem novidades e modismos que me incomodam. O mais recente é o tal estepe estreito e do qual fui “vítima” na minha recente viagem ao Atacama e ao Norte da Argentina, que já comentei neste espaço.
Conversei com o Bob sobre isso e ele tem uma opinião um pouco diferente, mas confesso que ter de rodar em estradas de “rípio” ou apenas de terra durante tantos quilômetros com apenas esse pneuzinho fininho me deixou insegura. Se fosse numa grande cidade, provavelmente não me incomodaria, embora sempre ache que a Lei de Murphy ataca sem avisar.
Sem entrar em muitos detalhes, o segundo carro que a locadora nos mandou tinha o tal estepe provisório e me rendeu noites de insônia e dias de permanente preocupação. Minha neurose com os lugares por onde iríamos circular era tão grande que havia pedido à locadora um segundo estepe, já que eles não tinham sequer o kit de reparo. Não, não consegui, pois eles não têm e nem pensaram nisso, mas depois de andar pelas estradas por onde estivemos, hoje teria pedido um terceiro estepe… Como já contei aqui, conversei com um casal que havia feito um caminho semelhante ao nosso e em três semanas furou seis pneus — dois deles no mesmo dia. Claro, depois disso rezei a todos os santos que conheço e mesmo a alguns que, acho, inventei na hora. E olha que não sou religiosa, mas nessas horas até o mais reticente ateu teria feito o mesmo.
Fiquei especialmente preocupada quando fui ler o manual da Spin, onde diz que o tal estepe temporário só deve ser utilizado por, no máximo, 80 quilômetros e, claro, no asfalto. E rodando a no máximo 80 km/h. Pergunto eu: onde encontrar asfalto nas estradas do noroeste da Argentina? É mais raro do que encontrar um McDonald’s nesses vilarejos. Isso sem mencionar que eu deveria achar um borracheiro antes de terminar esse percurso — acrescentem aí um Burguer King também na lista de improbabilidades. Ou seja, zero chance. Assim, aquilo que deveria ser temporário pode ser temporariamente mais longo. Como boa “oriunda” que sou, temporário ma non troppo. Capisce?
Pesquisando na volta encontrei alguns artigos de jornalistas argentinos que sofreram com esses estepes. Serviu para dar boas risadas, mas somente porque já estava na minha casinha. Um deles, ao questionar a diretoria de um fabricantes de veículos que adotou esses estepes recebeu a seguinte resposta: “Sem dúvida, o tema dos custos nas plataformas regionais/globais tem um papel importante, mas o fator principal é o peso. Quando desenvolvemos um modelo novo temos objetivos como peso e cada área de desenvolvimento (chassis, motores, exterior, interior, elétrica, etc) recebe um objetivo de peso que deve cumprir. Para muitos, pode parecer absurdo que um quilograma mais ou menos faça diferença, mas a única forma de reduzir o peso total do veículos é tirar muito em peças, já que não existem muitas peças das quais possamos tirar muito peso”.
É claro que entendo isso e não discordo do princípio, mas como tudo pergunto-me: a que custo? Em troca de qual segurança?
Tem a questão do espaço no porta-malas. Fazendo as contas, um estepe temporário tem entre 115 e 135 milímetros de largura. Grande parte dos carros hoje usa pneus de 165 a 255 milímetros de largura — ou seja, uma diferença de 3 a 12 centímetros na altura da cavidade. Ou seja, o estepe temporário é menor e ocupa menos espaço. Mas aí fica a pergunta: os fabricantes fazem o espaço no porta-malas (ou na traseira do veículo, ou sob ele, ou no teto) fundo o suficiente para que caiba um pneu normal — o que é lógico, pois se furar um é lá que você terá de colocá-lo. Então, o ganho de espaço é muito relativo e refere-se apenas à largura do pneu, pois o diâmetro da cavidade deverá ser suficiente para se colocar um pneu normal. Ou seja, talvez você possa colocar algo bastante plano sobre o pneu. Noooossa! Que ganho de espaço, hein?
Este tipo de estepe pode funcionar bem em cidades grandes e civilizadas onde há poucos buracos na rua, mas desafio os engenheiros que tiveram essa ideia a rodarem um único dia por São Paulo. Não furar um pneu é mais questão de sorte. Ainda assim, numa metrópole é fácil encontrar um borracheiro para consertar o pneu, mas tente fazer isso em lugares como Serranías de Hornocal ou Paso de Sico…
Isso sem falar que se o problema no pneu “definitivo” for insolúvel você deverá comprar outro, pois rodar com o temporário está fora de cogitação. Ou seja, o fabricante economiza, mas empurra o problema para o consumidor.
Tem as questões técnicas também. O estepe mais estreito tem também roda menor, o que desequilibra o carro como um todo – aí vai a dica, se precisar usar um temporário, o menos pior é colocá-lo atrás para evitar forçar o diferencial (nos caros de tração dianteira, bem-entendido) e carregar menos peso se não houver passageiros nos bancos traseiros. Ou seja, se você furar um pneu dianteiro terá de fazer duas trocas no lugar de uma, quiçá no meio de uma estrada erma…
A frenagem com um estepe temporário também fica comprometidas. Ele não tem a mesma aderência do que um normal. Isso é testado, não palpite meu nem pesquisa do DataNora. Novamente, imaginem-se dirigindo numa estrada de terra ou de cascalho…
Na questão da eletrônica também há complicações. Os sistemas de controle de estabilidade e tração podem não entender que há diferenças e estaremos exigindo do carro que ele gire pneus em rotações diferentes com diâmetros diferentes e por isso muitos mecânicos sugerem desligar esses dispositivos que costumam ficar piscando quando se roda com um dos estepes provisórios. Ou seja, você compra um carro com controle de estabilidade mas eventualmente poderá não ter como usá-lo porque o mesmo fabricante quis economizar no estepe.
Outra coisa, talvez a mais importante nesta questão toda: se fosse tão, assim, igual, o manual do carro não teria tantas restrições e reparos a rodar com esse estepe, não? Parece um habeas corpus preventivo…
Claro que tem carros que nem estepe tem. Mas, convenhamos, quem enfiaria um BMW numa estrada de rípio na Quebrada de Humahuaca? Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. O pior, para mim, é que as fabricas não dão a opção de comprar um estepe “normal”. Poderia ser como um acessório, embora de redução em redução de coisas poderemos terminar com um carro parecido com o dos Flintstones…
Tenho, ainda, uma dúvida que não consegui dirimir: em caso de acidente, como capotagem, com estepe temporário, há cobertura do seguro?
Mudando de assunto: Valeu ter quase varado a noite para assistir ao Grande Prêmio de Fórmula 1 da China. Depois, é claro, de ter perdido o videoteipe do treino que, mais uma vez, foi prometido por aquele único canal que o transmite e que, de novo, não cumpriu. Aliás, quem não viu ao vivo na Globo, na madrugada de sexta para sábado, não viu mais, pois fomos entupidos por programas absolutamente irrelevantes. Ainda que fossem bons (não, não eram) não tinham a premência de um treino que só poderia ser visto antes da corrida, não? O mais difícil, como sempre, é reclamar com eles. Não tem número de telefone e nos “chats” que colocam as mensagens nem saem. Ufa! Tipo aquela piada antiquíssima da época da revista do Casseta e Planeta: “detetive particular. Sigilo absoluto. Não nos procure, nós o procuraremos”. Fora ter passado essa raiva, a corrida foi bacana. Novamente a Ferrari errou a estratégia com o promissor Leclerc e adiou mais um pouco o que poderia ser uma vitória ou, mais certamente, um pódio. Lindo “x” de Vettel em Verstappen. Gostei do também promissor Gasly, com quem simpatizo pela forma como guia e pelo que promete. Ri muito com mais uma rodada estapafúrdia de Verstappen, agora na volta de apresentação depois de ter rodado log após a bandeirada na última corrida. Como sempre, curti muito as manobras do Kimi , incluindo a disputa com o Magnussen. O finlandês consegue tirar leite de pedra de um carro… bem, que carro?
NG