Quando completei 49 anos, fiquei imaginando o que gostaria de ter como presente no aniversário seguinte. Depois de muitos dias avaliando, decidi por uma viagem que envolvesse os seguintes temas: carros, cervejas e Segunda Guerra Mundial. As emoções desta viagem é o que quero compartilhar com o leitor do AUTOentusiastas a partir de agora.
Primeiro, qual o roteiro? Existem inúmeras alternativas. Optamos por um voo direto Guarulhos- Frankfurt e de lá seguirmos de carro por um giro de cidades, devolvendo o carro no mesmo aeroporto e retornando ao Brasil. Alugamos um BMW M240i, afinal de contas, já que a viagem era de aniversário, se deslocar com satisfação ao volante fazia parte do pacote.
Seguindo pela Autobahn A3, fomos para o nosso primeiro destino, após 180 quilômetros. Colônia Claudia Ara Agrippina, hoje simplesmente Colônia. Na língua alemã, Köln. Foi assim batizada pelos romanos por volta de 50 d.C. Quarta maior cidade alemã, depois de Berlim, Hamburgo e Munique. Sua famosa catedral gótica é o ponto turístico mais visitado de toda a Alemanha.
Colônia também é muito lembrada devido a invenção de Giovani Maria Farina. Em 1709, este italiano, hoje considerado o pai da perfumaria moderna, elaborou uma fragrância que ele denominou Eau de Cologne, ou Água de Colônia. Sua criação virou hoje uma denominação para perfumes suaves.
Duas pessoas locais são bastante relevantes no mundo do automóvel. Nikolaus Otto, o inventor do motor a gasolina de 4 tempos, cujo ciclo de funcionamento foi batizado com seu nome. Ele fundou uma empresa de motores em 1864, que até hoje tem sede em Colônia, a Deutz AG. O outro é o piloto alemão Wolfgang Von Trips, quase campeão mundial de Fórmula 1 em 1961, falecido em acidente no GP da Itália, em Monza. A cerveja típica de Colônia é a Kolsch. Na Alemanha, a Kolsch só pode ser produzida em 20 cervejarias ao redor de Colônia. É uma cerveja clara, suave, pouco lupulada e bastante refrescante.
Saímos de Colônia em direção a Amsterdã na Holanda, distante 260 quilômetros. A Autobahn A3 novamente em nosso roteiro. Paramos para almoçar em Arnhem, já na Holanda, mais ou menos na metade do caminho. Nesta região da Holanda foram travadas batalhas na Segunda Guerra, em 1944, entre ingleses e alemães, pela posse de várias pontes sobre o Rio Reno. A operação foi batizada pelos ingleses como “Market Garden”. O plano era desembarques de paraquedistas para a tomada das Pontes, enquanto a infantaria e artilharia viriam subindo desde a Bélgica para garantir o apoio à tropa paraquedista.
O comandante paraquedista britânico, Coronel John Frost, hoje batiza a atual ponte sobre o Rio Reno, em Arnhem. Próximo a ela foi construído um pequeno memorial, chamado Airborne at the Bridge. Esta batalha marcante foi mostrada no cinema com o filme “Uma ponte longe demais”, (A bridge too far, 1977) com Sean Connery, Gene Hackman, Michael Caine, Robert Redford e Anthony Hopkins no papel do Coronel John Frost. Estar ali pessoalmente significou bastante para mim.
Creio que Amsterdã esteja na lista das cidades mais lindas do nosso planeta. Como completei meu meio século de vida nesta cidade encantadora, o lado “cervejeiro” da viagem falou mais alto. O carro ficou o tempo todo no hotel, para podermos desfrutar do precioso líquido dourado sem preocupações. A visita guiada na antiga fábrica da Heineken, chamada Heineken Experience, tem vários encantos. Dependendo da visita escolhida, você pode variar a quantidade de degustações que deseja, além de receber uma garrafa long neck com o rótulo personalizado com seu nome.
A pedido de minha cara-metade, cuja profissão é advogada, o nosso próximo trecho da viagem, com 240 quilômetros entre Amsterdã e Bruxelas, teve uma parada em Haia, na Holanda, para conhecermos o Palácio da Paz. Inaugurado em 1913, hoje funciona a Corte Internacional de Justiça e Corte Permanente de Arbitragem da ONU. No Palácio existe um centro de visitantes, com entrada franca, onde, através de fotografias, filmes e audioguias em vários idiomas, inclusive o português, explica a história e a função deste símbolo da paz entre as nações.
Em Bruxelas, no Parc du Cinquentenaire, funcionam dois museus que estavam na minha lista dos imperdíveis desta viagem. O Autoworld e o Museu Real das Forças Armadas e da História Militar, um ao lado do outro. No último, pode-se acessar um mirante, de onde se tem uma linda vista da cidade. Para falar da cerveja belga é difícil encontrar adjetivos apropriados, sem tornar-se repetitivo. Só como referência, um das que experimentei foi fundada em 1216!]
Domingo de manhã. Temperatura amena lá fora, a primeira atração do nosso roteiro abria as portas somente às 10 horas. Um carro parado na garagem do hotel de tanque cheio: mudança de planos! Fomos conhecer Bruges, a 95 quilômetros. Cidade absolutamente encantadora. Cada esquina é um cartão postal. Após muitas fotos e uma parada para apreciar o waffle belga, dei uma observada no mapa e vi que estávamos a apenas 65 quiômetros de Dunquerque. Demorou 2,5 s (risos) para decidir onde iríamos almoçar.
Para os que são aficionados, como eu, por esse capítulo da história mundial, assistam aos ótimos filmes “O destino de uma nação” (Darkest Hour, 2017) e “Dunkirk”, também de 2017. Eles retratam a importância que teve a famosa retirada de 338.000 soldados (a maioria britânicos) das praias desta cidade, através de aproximadamente 5.500 barcos, sendo a grande maioria civis, para levá-los de volta à ilha da Inglaterra.
Deixando Bruxelas nos dirigimos a Bastogne, a 160 quilômetros, uma cidade belga na região das Ardenas. Pela manhã, visitamos o excelente Bastogne War Museum, que registra a histórica Batalha do Bulge, ocorrida entre dezembro de 1944 e janeiro de 1945, o último grande esforço do exército alemão na Segunda Guerra Mundial. Almoçamos em Luxemburgo, a menos de uma hora do museu, capital do Grão-Ducado de Luxemburgo.
Um pequeno e belo país, com aproximadamente 600.000 habitantes. Uma surpresa, talvez a gasolina mais barata da Europa. Enquanto na Holanda e Bélgica paguei entre 1,60 e 1,50 euro por litro, em Luxemburgo o preço estava próximo de 1,10 euro por litro, da gasolina E10, de 95 octanas RON.
De lá, fomos para a penúltima escala de nossa viagem, Stuttgart, a 320 quilômetoros. Sede das empresas Daimler AG e Porsche AG, além da Robert Bosch e Mahle, esta bela e importante cidade industrial da Alemanha era parada obrigatória no nosso roteiro, devido aos museus maravilhosos que as fábricas de automóveis possuem nesta cidade. A visita ao Museu da Porsche (foto de abertura, o 919 Hybrid Evo, atual recordista do Nordschleife, 5min19,55s) foi agregada de uma visita à histórica fábrica de Zuffenhausen (fotos proibidas), local de produção dos modelos 911, 718 Boxster e Cayman.
A visita deve ser agendada previamente por e-mail, cujo endereço está indicado na página da internet do Museu. Custa somente 6 euros por pessoa.
Evidente que as duas visitas foram encantadoras para mim. Mas a surpresa do dia foi a concretização de um reencontro com um colega de faculdade. Eu sabia que este colega de turma de Mec Aut da FEI, trabalha na Daimler desde a época de estagiário em São Bernardo do Campo.
Durante nossa visita ao Mercedes Museum, perguntei por ele no centro de informações ao visitante. Qual não foi minha surpresa quando a funcionária do Museu me disse que ele trabalha em Sindelfingen, a poucos quilômetros de Stuttgart, em outra fábrica de produção da Mercedes.
Após me informar seu número de telefone, pude marcar um encontro com ele. Seu nome é Marcelo Sordi e ele trabalha como líder de equipe, na área de Design da Mercedes. Não nos víamos há 27 anos e foi um reencontro digno de filme. Realmente um presente de aniversário totalmente inesperado.
Última escala da nossa viagem, Nürburg, distante 340 quilômetros. Para o ser humano comum, este local de pouco menos de 500 habitantes é só um pequeno vilarejo. Mas nem preciso me alongar em detalhes para o autoentusiasta. Eu e minha esposa fizemos o tour guiado a pé, pelos principais pontos dos bastidores do circuito. Como era o inicio da temporada de 2019, haviam poucos turistas naquele momento na cidade. Então, nosso guia, um alemão extremamente simpático e orgulhoso de sua função, nos atendeu de forma exclusiva.
Experimentei o desafio do Inferno Verde, a bordo de um carro das locadoras de rent-a-racer da região. Preparado para andar na pista, com gaiola de proteção, extintores de incêndio, freios e suspensão preparados para competição, além de contar com os sistemas originais de controle de estabilidade, tração e freios ABS. Contratei um instrutor da própria empresa, para me ensinar a andar com segurança no Nordschleife. Dei uma volta com ele e outra sozinho. Comparado com os frequentadores assíduos, eu parecia uma vovozinha indo para o supermercado.
Mas o instrutor me tranquilizou, dizendo que, neste local é impossível andar rápido sem conhecer profundamente o traçado. Você pode estar andando com um superesportivo, que a turma local andando com um pequeno hot hatch vai te ultrapassar com a maior facilidade.
Para celebrar o sucesso de toda a nossa jornada, fomos jantar e degustar uma Kolsch (Colônia fica a apenas 85 quilômetros) no restaurante Pistenklause, de propriedade da família de Sabine Schmitz — a piloto profissional de automobilismo alemã da BMW e da Porsche, também conhecida por dirigir o “táxi” da BMW na pista de Nürburgring — um dos poucos locais em Nürburg onde se aprecia uma cerveja de melhor qualidade. A alternativa é comprar boas cervejas no posto de gasolina ED (o posto mais divertido do mundo) e levar para o hotel.
Ter conseguido planejar e executar esta viagem, ao lado de minha querida esposa, com a adição das gratas surpresas que ocorreram, foi o que me motivou a compartilhar todos esses momentos com os amigos leitores do AE. A sensação de satisfação e conquista foi indescritível.
Renato Amaral
São Paulo – SP