Quando fui convidado pelo Bob Sharp e pelo Paulo Keller para ser editor do MOTOentusiastas, a primeira coisa que me veio à mente foi testar motocicletas na cidade e na estrada. Mas quando descobri que a primeira motocicleta para testar seria a Triumph Tiger 1200 XC A, a ideia foi realizar uma aventura.
Já foi publicada uma bela matéria sobre a história da Bonneville, a mais conhecida das Triumph. Porém, a vocação da Tiger de ser estradeira e de rodar fora da estrada surgiu antes da famosa moto homenageada na dita matéria. Durante a Primeira Guerra Mundial, o governo da Inglaterra deu à Triumph a missão de equipar o Exército Real, o Royal Army.. Que aventura é mais intensa do que uma guerra?
Outro fato importante para a marca é que a primeira motocicleta a atravessar o continente africano, em 1927, foi uma Triumph monocilindro de apenas 5 cv, e ainda com sidecar, aquele carro lateral. Dois jovens americanos, James Wilson e Francis Flood, percorreram 5.470 quilômetros de savanas e desertos, incluindo o Saara, da Nigéria até o Mar Vermelho. James escreveu o livro “Three-Wheeling through Africa” (Pela África em três rodas) e posteriormente, sua viagem foi relatada no livro “Worlds to Explore: Classic Tales of Travel & Adventure” (Mundos por explorar, contos clássicos de viagem & aventura), lançado pela National Geographic Society.
Além disso, o nome Tiger também veio antes da Bonneville: era a Triumph Tiger 80, com motor de 349 cm³, lançada em 1937.
Também me planejei — como os americanos malucos, que mal sabiam pilotar moto e que empurraram a velha Triumph por uma boa parte do caminho — para uma viagem com a nova Tiger 1200 pela Rodovia Rio-Santos. Este trecho da BR-101 sempre foi cenário de aventuras tupiniquins. Antes da chegada do asfalto, os maiores desbravadores eram os surfistas, que viajaram de carro por estradas de terra e por dezenas de quilômetros de faixas de areia. Em 1986, com o asfalto, as praias de Bertioga e Guaratuba receberam durante três anos consecutivos o Enduro das Praias, inspirado no rali de velocidade Le Touquet, na França. Participar dessas provas foi a experiência mais radical da minha adolescência. Mas foram as curvas da rodovia, que passam muito próximas às praias, que seduziram os entusiastas das duas rodas a se aventurarem durante os finais de semana. Me incluo nessa tribo. Ou seja, não foi muito difícil planejar a viagem com a Tiger 1200.
Ao pegar a chave da Tiger, a tecnologia embarcada já impressionou. O sistema wi-fi facilita bem a vida corrida. Meu primeiro trajeto foi minha via principal em São Paulo, a marginal do Rio Pinheiros, sempre bastante congestionada, assim como os corredores entre os carros, cheios de motoboys. E a Triumph Tiger 1200 XC A não sente dificuldade em seguir essas pequenas motos. A Tiger segue tranquilamente em baixa rotação, agradável e dócil.
Algumas aceleradas foram somente para ouvir o ronco high-tech, parecendo uma mininave espacial vinda diretamente de Star Wars. A nova versão XCA, topo de linha, traz o novo escapamento Arrow, mais leve, de aço inoxidável e com ponteira de compósito de carbono. A Arrow produz equipamentos de desempenho até para as motos do MotoGP.
A Tiger 1200 passa quase bem nos corredores entre os carros, graças à suspensão e guidão altos, que permite passar acima dos espelhos retrovisores. O protetor de mãos também ajuda e já no primeiro dia o equipamento fez o seu trabalho: raspou em um espelho de um carro suavemente.
O tanque de 20 litros, largo na frente e estreito atrás, ajuda a realizar o zigue-zague nas ruas de São Paulo. Para manobras rápidas na cidade, aperto os joelhos contra o tanque.
A distância entre eixos longa não é tão boa para a cidade (o que reflete nas trilhas do tipo single track). Mas provou ser ótima na estrada. Não dá para querer tudo na vida — e nas motos.
Foi uma boa surpresa sentir que o arrefecimento a líquido dessa nova Tiger 1200 está mais eficiente. A versão anterior aquecia muito as pernas, principalmente as canelas. Dessa vez senti somente o ar quente subindo ao parar nos semáforos. Totalmente suportável.
O que surpreende mesmo é o conjunto e a agilidade dessa gigante, que não parece pesar 244 kg, 11 kg a menos que a versão anterior. Até o motor está mais leve, projetado, com comandos de válvulas cobertos com magnésio (um metal também leve) e por aí vai…
Antes mesmo de pegar a estrada, deu para saber que a Tiger pode ser o único veículo na garagem — com um pouco de braço para rodar na cidade, claro. E olha que usei a Tiger 1200 durante vários dias, saindo cedo pelo trânsito caótico do bairro do Morumbi.
Usei somente uma vez o Shift Assist para testar. Com o sistema acionado, não é necessário utilizar a embreagem para trocar de marchas, usa-se somente a alavanca no pé esquerdo. Quase uma semiautomática. É interessante, mas voltei logo para o sistema clássico de pilotar com a embreagem manual.
Sextou! Preparei minha mochila de equipamentos de vídeo, microfone no capacete… Infelizmente esta Tiger 1200 não tinha case traseiro ou malas laterais. No sábado, amarrei a mochila no bagageiro e levei outra nas costas. Para um final de semana, não sofri tanto com a falta das malas.
Já na Rodovia dos Imigrantes, cheguei facilmente a 120 km/h. O motor tricilindro de 1.215 cm³ tem potência máxima de 141 cv a 9.350 rpm. Sem vibrações, graças à árvore contrarrotativa.
O cardã transmite bastante segurança. É bom saber que está tudo lubrificado lá dentro e que não vamos ficar na mão por causa de uma corrente estourada no meio da viagem. Uma curiosidade: a Tiger 1200 é a moto com transmissão secundária por cardã mais potente do mercado.
Ainda na Imigrantes, aproveitei para testar o para-brisa ajustável elétrico. Na cidade, prefiro vento, mas acima de 90 km/h a altura máxima do para-brisa é perfeita.
E foi uma ótima ocasião para utilizar o joystick, de fácil manuseio, mesmo com luvas. O sistema TFT (Thin Film Transistor) com painel completo de cinco polegadas é fantástico. Além dos seis modos de pilotagem é possível mudar a configuração dos instrumentos, e com designs bacanas. E ainda muda de positivo para negativo (e vice-versa) conforme a luminosidade, o que facilita bem em uma viagem com vários túneis, como na descida da Imigrantes.
Já na Baixada Santista, com grandes manguezais, começam as curvas abertas de aquecimento. Perfeitas para sentir os diferentes modos da suspensão, com a troca comandada pelo mesmo joystick. Achei o modo Road (estrada) confortável, mas nem tanto. Já o modo Sport, mais firme, começou a surpreender na rodovia Piaçaguera-Guarujá (tem nome, Cônego alguma coisa) e mostrou ótimo desempenho na Rio-Santos. Parecia que eu estava como uma moto speed e não uma big trail. Para usar ao máximo a tecnologia, coloquei em modo automático, que ajusta a suspensão eletronicamente a todo o momento, portanto uma suspensão semiativa.
Depois de 160 quilômetros, com cuidado não passar da velocidade permitida (uma tarefa bem difícil), depois de inúmeras curvas, parei em Juquehy. Mas não estava cansado, pois a ergonomia da Tiger 1200 é muito boa. O banco também é largo e confortável para longas distâncias.
Parti para o trecho que mais gosto da Rio-Santos, morros mais altos e curvas mais fechadas.Aproveitei para pilotar redondo e puxar um pouco mais nas retomadas. Nesses momentos dá para perceber o quanto o motor é potente e elástico. Já estava me sentindo parte do conjunto. E tudo parecia em sincronia, aderência, inclinação, ronco, vento, cheiro e luz. As ilhas e o horizonte alaranjado foram aparecendo velozmente pela vegetação, na frente da Praia Preta. Um dos visuais mais fantásticos em uma viagem de moto.
E foi uma ótima oportunidade de testar os freios. As pinças de quatro pistões na frente e a pinça de dois pistões na traseira davam conta da gigante, nas mais nervosas situações.
Em Boiçucanga, final de tarde, não resisti e entrei na terra. Só para sentir o gostinho do off-road e o cheiro do mar. Pequenas ondas morrendo na areia transmitiam um ritmo bem mais lento do que a jornada acelerada. Tecnicamente, havia chegado à praia! Pulmão “descarburado”, ao subir na Tiger 1200, dessa vez em terreno irregular, percebi que pela altura do banco (ajustável) tive que tomar um cuidado extra.
Saí acelerando um pouco mais para sentir a moto nos braços e nas pernas, fiquei de pé nas pedaleiras e tive a primeira visão, na terra e na estrada, do efeito dos faróis de LED. Já na serra de Maresias, talvez a mais inclinada até esse ponto da Rio-Santos, além de me divertir com o potência, torque e ronco da Tiger 1200, testei a iluminação adaptativa. Nas curvas, conforme o grau de inclinação, os LEDs vão acendendo mais de um lado ou de outro (foto de abertura). Uma ótima visão do asfalto em forma de curvas, as minhas preferidas! Aproveitei para acionar os faróis altos e auxiliares. E tive certeza de estar em cima de uma nave. Uma iluminação surreal para uma moto”
Cheguei em Maresias inteiro — e esfomeado. Amigos, churrasco e cerveja. Agora sim, havia chegado na “minha praia”!
Dia seguinte, café da manhã leve, me equipei – dessa vez, incluí uma faixa abdominal — e subi na moto. Desliguei o ABS e o controle de tração. Ajustei a configuração da suspensão para Off-Road Pro. Fui direto para o sertão de Maresias.
Como já fiz muito mountain bike na região, conheço bem o Litoral Norte. Quanto mais nos aproximamos da Serra do Mar, as estradas vão ficando mais inexploradas e muitas vezes, viram trilhas, subidas íngremes. Em alguns trechos, tem até mesmo como ir de uma praia até outra pelos morros com Mata Atlântica densa, que permitem curtir o visual.
Escolhi algo nada radical para a Tiger 1200, mas com uma boa buraqueira, algumas lombadas para saltar e curvas que me despertaram um cuidado especial. A moto é pesada para entrar nas curvas utilizando a técnica de derrapagem controlada e lançando o pé próximo ao solo. Mas acostumando com o comportamento dela na terra, dá para arriscar uma curta derrapagem mantendo os pés nas pedaleiras, apertando os joelhos contra o tanque e controlando a aceleração em baixa rotação. Alguma vegetação na circunferência externa das curvas foram aproveitadas como paredes de pista de motocross.
O curso de 190 mm da mui eficaz suspensão dianteira passou bastante segurança e deu conta do peso da Tiger 1200 na buraqueira brava e nos saltos. O que gostei também é que as bengalas são invertidas — como utilizadas no motocross. Como as forças do impacto e de alavanca, que podem causar flexão, são muito maiores na mesa e menores no eixo da roda dianteira, esse posicionamento de bengalas é o ideal também para o off-road. Aliás, rodas com raios são as mais indicadas, já que podem até amassar, mas não quebram. Ela vem equipada com um sólido protetor de motor, que passou alto das pedras. E para o nível de off-road que encarei, os pneus seguraram bem nas situações exigidas e ajudaram na tração. São pneus de uso misto, mas com o desenho novo, mais parecido com pneus para asfalto do que para fora-de-estrada.
O guidão não é tão alto como nas trails: a proposta de uso misto fez a ergonomia privilegiar o conforto no asfalto. Ao pilotar em pé sobre nas pedaleiras (largas e dentadas), o guidão posicionado um pouco à frente exige mais da coluna do piloto.
Bom, depois desse “rolê” fui tomar um pouco de vento pelo asfalto e voltei para a terra em Paúba. Mas dessa vez, só curtindo. Dei uma leve entrada na areia. Sentei ao lado da Tiger 1200 acabando essa miniaventura, pensando em realizar uma longa viagem. Atravessar o Atacama para surfar no Chile ou acompanhar um rali.
Pequeno esforço para tirar a moto pesada da areia. E a missão só foi cumprida mesmo quando voltei para Maresias e peguei algumas ondas de longboard. Aliás, a melhor dica para surfar é ir para casa de amigos que têm pranchas para convidados. E é impressionante como as pessoas gostam de oferecer hospedagem para quem viaja sobre duas rodas.
Concluindo, a Triumph surpreendeu pela tecnologia embarcada. Outros pontos fortes são: versatilidade, detalhes e acabamento. Não usei as manoplas e o banco aquecido, ou até mesmo o controle de cruzeiro, só dei uma fuçada. Nem dá para experimentar tudo o que a moto oferece em uma semana, já que a lista de equipamentos da topo de linha XCA é bem longa. Essa versão pode ser comprada a partir de R$ 85.200. Já as versões mais “simplesinhas”, a XR e a X X custam a partir de R$ 60.700 e R$ 73.900, respectivamente.
Claro, não é uma moto econômica. Pelos meus cálculos, pois me atrapalhei um pouco com o computador de bordo, ela fez 11 km/litro de gasolina, na média de estrada e cidade. E a manutenção de uma moto desse porte não é barata.
A Triumph Tiger 1200 XC A é uma britânica muito refinada e excepcional do ponto de vista do conjunto, que é mais on do que off-road. Acho que a mais off-road entre as concorrentes é a KTM 1290 SuperAdventure, que tem estilo mais diferenciado entre as rivais. A mais estradeira parede ser a Ducati Multistrada 1200, quase uma speed levantada, uma máquina linda. E, por fim, acho que a BMW R 1200 GS Adventure e a Yamaha Ténéré 1200 DX ficam entre a KTM e a Triumph. Ou seja, mais equilibradas entre o on e off-road.
Definitivamente, a big-trail é o meu estilo preferido de motocicleta!
Assista aos dois vídeos:
RC
FICHA TÉCNICA TRIUMPH TIGER EXPLORER 1200 XCA 2019 |
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MOTOR E TRANSMISSÃO | |
Tipo | 3 cilindros em linha, arrefecido a líquido, duplo comando no cabeçote, 12 válvulas, gasolina |
Cilindrada (cm³) | 1.215 |
Diâmetro e curso (mm) | 85 x 71,4 |
Potência (cv/rpm) | 141 cv a 9.350 |
Torque (m·kgf/rpm) | 12,3/6.400 |
Taxa de compressão (:1) | 11 |
Formação de mistura | Injeção eletrônica no duto, acelerador eletrônico |
Escapamento | Arrow, 3 em 1, tubos de aço inoxidável, silenciador lateral de aço inoxidável com ponteira revestida de compósito de fibra de carbono |
TRANSMISSÃO | |
Transmissão secundária | Cardã |
Embreagem | Multidisco em banho de óleo, comando hidráulico, auxiliar de torque |
Câmbio | 6 marchas |
CHASSI, TREM ROLANTE E INSTRUMENTOS | |
Quadro | Treliça de aço tubular |
Braço oscilante | Unilateral, liga de alumínio fundido com eixo acionador |
Roda dianteira | Raiada, 3×19 |
Roda traseira | Raiada, 4,5×17 |
Pneu dianteiro | 120/70R19 |
Pneu traseiro | 170/60R17 |
SUSPENSÃO | |
Controle | Suspensão semiativa Triumph |
Dianteira | Garfos invertidos WP de Ø 48 mm com ajuste eletrônico de compressão e distensão, 190 mm de curso |
Traseira | Monoshock WP com reservatório de óleo remoto, pré-carga ajustada hidraulicamente, ajuste de carga na distensão, 193 mm de curso |
Freio dianteiro | Discos duplos flutuantes de Ø 305 mm, pinças radais Brembo de 4 pistões, com ABS comutável (otimizadopara curvas) |
Freio traseiro | Disco de Ø 282 mm, pinça deslizante Nissin de dois pistões, ABS comutável |
Instrumentos/funções | |
DIMENSÕES (mm) | |
Comprimento | 2.248 |
largura no guidão | 830 |
Altura sem espelhos | 1410 (1.470 com para-brisas na posição mais alta) |
Altura do assento | 835-855 |
Distância entre eixos | 1.520 |
Ângulo da cabeça (º)/avanço (mm) | 23,9°/99,9 |
PESO (kg) | |
Em ordem de marcha | 259 |
CAPACIDADES (L) | |
Tanque de combustível | 20 |
Óleo lubrificante | 4 |
EQUIPAMENTOS TRIUMPH TIGER EXPLORER 1200 XCA 2019 |
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Apoios dos pés usinados com nervuras | |
Assento com duas posições de ajuste | |
Bloqueio para aclives | |
Botões ergonômicos com iluminação e joystick de cinco direções | |
Cavalete central | |
Computador de bordo | |
Controlador automático de velocidade | |
Controle de modos de pilotagem: Road, Off-Road, Rain, Sport, Rider (programável) e Off-Road Pro | |
Controle de tração | |
Ignição sem chave | |
Informações: hodômetro, distância de viagem, intervalo restante para indicação de tanque vazio, pronto para sistema de monitoramento da pressão dos pneus, menu de configurações, preparada para manoplas aquecidas, bancos aquecidos (modelo Explorer XCx), status das manoplas e bancos aquecidos no modelo Explorer XCa. | |
Manoplas aquecidas | |
Pacote de instrumentos multifuncional em Thin Film Transístor (TFT) configuável em três estilos em painel completo de 5 pol contendo velocímetro digital, computador de bordo, conta-giros analógico, indicador de marchas, medidor de combustível, indicador de manutenção, indicação de temperatura ambiente, relógio, botão de rolagem no guidão e indicador do monitoramento da pressão dos pneus | |
Para-brisa Touting com ajuste elétrico | |
Protetor de motor | |
Tomada de 12 V e USB |