Como sempre digo, de vez em quando surge a Nora má. Quando tenho caronas no meu carro diria que isso é ainda mais frequente. Quiçá sempre. Aí não é apenas a Nora má que surge, mas a Nora absolutamente mandona, déspota. Claro que sempre surge o problema de como fazer isso sem perder aquela verve de dama que me caracteriza, mas sempre dou um jeito.
Resumindo, adoto a mesma postura da minha mãe quando eu era pequena: escutava todo mundo e depois fazia o que achava que devia fazer. Algo mais ou menos como o tal centralismo democrático dos leninistas da antiga União Soviética — ou trocando em miúdos, ditadura mesmo. Claro que na teoria era mais poético do que isso. Era algo assim como debater algo até que fosse decidido e a partir daí todos deveriam cumprir a decisão sob pena de sanções deveras severas. Na prática, o Partido Bolchevique cuidou que isto fosse diferente, mas essa é outra discussão.
Então… há coisas que não aceito dentro do meu possante. Comer? Bem, crianças e dependendo do quê, pode. Balinhas, bolachas, coisas secas, OK. Quanto às migalhas, depois passo o aspirador. Sem drama. Tem também as viagens mais longas e não quero ser acusada de torturar ninguém ou de fazer passar necessidades. Sei que o Conselho Tutelar está sempre vigilante assim como a patrulha do politicamente correto, então, nada de fazer criancinhas passarem perrengues. Adultos apenas com muito, muito cuidado… mas, para dizer a verdade, quem me conhece nem tem coragem de fazer isso, mas vá que tem um desavisado, né? Imagina alguém ficar comendo batata frita (se for com ketchup pior ainda. Aliás, de quem foi a idëia de tirar a fantástica crocância desses lindos tubérculos com uma gororoba vermelha que deixa tudo com o mesmo gosto?), hambúrguer cheio de molho que pode cair a qualquer momento (foto de abertura) e que, claro, deixará aquele cheiro inconfundível de gordura saturada, gordura trans… E antes que me acusem de bullying ou alguma fobia estou falando de gorduras mesmo, tá?. Socorro! Não há perfuminho que tire isso de dentro do carro. Nananinanão.
Sorvete? Péssima idéia. Nunca, jamais dentro do carro. Pensa naquela baba escorrendo pelo braço e pingando no banco do carro. Não é o próprio armagedon? O fim dos dias? Por que não degustar uma delícia dessas a uma curta e prudente distância de uma pia com água corrente e toneladas de papel toalha? Aquilo gruda na pele e no assento e parece que só sai com lavadora a pressão e nada mais… Novamente: Nananinanão.
Bebidas só com muito cuidado. Eu mesma carrego garrafinhas de água em viagens longas e bebo diretamente do gargalo. Café? Adoro e bebo muito mas, por que fazer isso dentro de um veículo em movimento? Pense no risco de queimadura: pode cair na perna, no braço… não é melhor beber fora do veículo? Que tal no próprio local em que foi vendido? Pense que nossas ruas e estradas são cheias de buracos… melhor não, në? Xícara é mais adequada para café. Mais elegante e mantém melhor o sabor e a temperatura. Nada de copo. Muito menos aqueles gigantes, cheios de refrigerantes cheios de açúcar que se caírem no estofamento levarei uma encarnação e meia para tirar. Nananinanão.
Frutas são sempre um problema. Eu mesma como muitas, mas gosto de prato, faca, guardanapo – ou seja, nada mais longe do que devorar maçãs dentro de um carro. Para isso prefiro as secas: uva passa, abacaxi desidratado… Nos mercados encontro a granel até kiwi seco, então, para que arriscar que o suco fique escorrendo pelo braço até o cotovelo e daí pingue para o banco? Arghhh! Manga coquinho, então! Só de pensar suo frio. É o tipo de coisa que deve ser comida como as melhores empanadas: sentado, cotovelos apoiados nos joelhos e com as pernas afastadas para que o suco pingue no chão – supondo, é claro, que você esteja numa fazenda que é onde deve ser feito isto. E nunca além de 3 metros de distância do pé nem a outros 3 metros de um curso d’água ou uma torneira para lavar as mãos. Por óbvio, não dentro de um carro. Muito menos o meu. Imagina a meleca no tapetinho do carro. Não, melhor nem imaginar. Nananinanão.
Cinto é outra obrigatoriedade – sinto muito, com perdão do infame trocadilho. Para aqueles que vão no banco de trás e dizem que lá não precisa tenho um argumento final: “precisa sim, porque em caso de acidente você virá para a frente e a vítima serei eu. E não pretendo morrer por enquanto. Então, bota o cinto”. Lembro que uma vez quando eu era pequena minha mãe levava minha irmã, meu primo e eu. e quando estávamos parados no sinal um carro bateu com força atrás. Os três abrimos o berreiro, assustados e ela perguntou primeiro para meu primo: “Maxi, você está bem?”. Ele respondeu que sim e antes que minha mãe terminasse de tirar o próprio cinto e abrisse a porta para ver no banco de trás e pudesse verificar que os três estávamos bem, minha irmã começou a resmungar que ela só estava preocupada com o sobrinho e não com as filhas. Minha mãe foi lapidar: “se acontecer algo com vocês, o problema é meu. Se acontecer algo com o Maxi, como explico isso para minha irmã?” Simples assim. Eu penso igual. Meus caronas são minha responsabilidade, sempre. Tenho por hábito devolver inteiros todos aqueles que andam no meu carro comigo e não quero quebrar esse recorde. Jamais devolvi sobrinho faltando pedaço e não é agora que estão crescidos que farei isso. Nananinanão.
De resto, por incrível que pareça, não sou muito chata. Aliás, antes que alguém o diga sou sim, mas não com o carro, hehehehe. Ou estou sendo condescendente comigo mesma hoje e não me lembro de outras regras assim muito rígidas que vigorem na minha viatura. Pode cantar, conversar, cantar, ouvir música, brincar com as placas dos carros… Bem, só peço que me deixem resmungar ou falar “sozinha” contra os maus motoristas. Sim, porque tenho o hábito de reclamar dos outros tanto sozinha quanto acompanhada, dentro do carro. Não gesticulo com eles, não reclamo (bem, não muuuuito) com os próprios, mas, plis! me deixem reclamar sozinha do sujeito que não me dá passagem ou do que anda com o farol desregulado. Não, meus passageiros não precisam fazer nada, sequer concordar comigo, apenas não reclamem das minhas reclamações. Nem são tantas assim, não. Juro que não.
Mudando de assunto: estava no interior de São Paulo na casa de uns queridíssimos amigos durante a corrida de Fórmula 1 da França. Apesar de minha tentativa inicial de assistir, preferi ficar na conversa que estava mais legal e deixamos a tevê ligada de pano de fundo caso acontecesse algo – mas nem assim. Ô corridinha chata! Mesmo quando vi o replay em casa achei isso. Aliás, não gosto da pista com essas marcas coloridas que a deixam com cara de circuito impresso. Não consigo lembrar de nada para destacar, exceto o comentário de Ricciardo que definiu muito bem o que foi essa chatice: “alguém tinha que dar algum entretenimento”, numa tradução livre.
NG